Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O carro e a experiência fora do corpo, por Wilson Ferreira

Um carro pode proporcionar uma experiência mística fora do corpo? Com a análise semiótica em 360 graus do caso do filme publicitário do Novo Honda Civic 2015, que apresenta o consumo como um ato muito mais de transformação espiritual do que de aquisição, o curso “A Linguagem das Mercadorias” da pós em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi fez seu último encontro dissecando a mais nova ferramenta semiótica: a “Adgnose”. Diferente das formas anteriores de busca de identificação do consumidor por meio de fantasias-modais (através de pesquisas por perfis sócio-econômicos e de estilos de vida), hoje o Marketing e a Publicidade obtêm o descolamento máximo do consumo em relação à materialidade do produto com a exploração dos arquétipos: símbolos e imagens do inconsciente coletivo. Surge uma irônica operação semiótica publicitária: ao invés de “comprar-consumir-ter”, agora temos “comprar-consumir-espiritualizar-se”.

Nessa última segunda feira (22 de setembro) esse humilde blogueiro ministrou o último encontro do curso “A Linguagem das Mercadorias” da pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi (informações sobre o curso clique aqui). Nos seis encontros do curso, acompanhamos como a linguagem que promove as mercadorias no capitalismo através da Publicidade foi progressivamente tornando-se cada vez mais abstrata: estudamos uma série de ferramentas semióticas que operaram um verdadeiro descolamento dos signos em relação à materialidade dos produtos.

Vimos que essa operação de “descolamento” é necessária por duas exigências econômicas bem concretas:

(a) Acompanhando o raciocínio dos teóricos da chamada Crítica da Estética da Mercadoria (Peter Haug, Michael Schneider), percebemos que todas as estratégias do Capital em maximizar lucros se chocam no limite físico do valor de uso das mercadorias: sua materialidade e finitude pode limitar o consumo no tempo e espaço (satisfação, saciedade, durabilidade etc.), diminuindo a velocidade da substituição dos produtos no mercado. Por isso, historicamente o grande papel da Publicidade foi convencer o consumidor a comprar o produto não pela sua utilidade, mas pela inutilidade. Isto é, associar o produto simbolicamente a um tipo de signo que torna-se cada vez mais abstrato.

                O consumido sempre será sempre o signo, e não mais o produto. Isso garante uma insatisfação constante, por trás da estética da realização plena oferecida pelas imagens publicitárias;

(b) A cartelização da economia após o crash financeiro de 1929 levou a uma progressiva indiferenciação tecnológica dos produtos: eles tendem a ficar cada vez mais parecidos tanto na sua matéria-prima, fabricação, apresentação e durabilidade. Novamente entra em ação a importância de transformar o produto em signo, porque só nesse nível (o linguístico) os produtos irão se diferenciar: cor, design, embalagem etc.

Os arquétipos e a Adgnose publicitária

Nos cinco encontros anteriores descrevemos essa trajetória de abstração da mercadoria que passou por sucessivas fases: signo-fetiche, signo-afeto, signo-fantasia e signo-dádiva – sobre esses conceitos clique aqui. No último encontro do curso, tomamos contato com o signo mais abstrato e, por assim dizer, “metafísico” na atualidade onde a imagem da mercadoria foi finalmente descolada da sua materialidade: o signo-arquétipo.

Conceituamos essa nova estratégia de “Adgnose” (advertising + gnosis – “iluminação espiritual”), uma estratégia irônica da Publicidade onde ela parece ter assimilado todas as críticas feitas a ela ao longo da história (consumismo, superficialidade, frivolidade, materialismo etc.) e procura agora demonstrar que mudou, se espiritualizou e não vê mais o consumo como mero ato de aquisição, mas agora de enriquecimento espiritual.

A moderna publicidade quer transformar
o consumo em ato espiritual

E esse “enriquecimento espiritual” viria com a identificação do consumidor com um arquétipo reconhecido na signalidade do produto (imagem, apresentação, narrativa do filme publicitário – a “storytelling” etc.).

Imagens do inconsciente coletivo

O conceito de arquétipo surgiu em 1919 com o suíço discípulo de Freud Carl Gustav Jung. Para ele, arquétipos seriam formas e imagens arcaicas do inconsciente coletivo. A existência dos arquétipos pode ser deduzida a partir do comportamento, arte, mitos, religiões e sonhos, formas de atualização em cada época e cultura dessas formas psíquicas primordiais. Arquétipos como o do Herói, a Morte, o Fora da Lei etc. são o núcleo psíquico de símbolos e imagens que dão o verdadeiro significado para contos de fada, lendas, mitos e narrativas religiosas em diversos países e culturas.

Carl G. Jung (1875-1961) 

Mas principalmente, os arquétipos podem ser símbolos de transformação pessoal pela maneira com que cada pessoa lida com esses arquétipos coletivos, isto é, como esses símbolos coletivos podem ser o desencadeador das necessidades de realização, pertença, independência ou estabilidade.

Arquétipos: transformação ou motivação?

Na Adgnose esses símbolos de transformação acabam sendo traduzidos na Publicidade como “motivações” fonte de energia para serem aglutinadas e aprisionadas em narrativas e imagens que ponham em movimento um novo imaginário: o consumo muito menos como um ato de acúmulo e ostentação e mais uma oportunidade de buscar uma espécie de atalho para a iluminação espiritual: comprar-consumir-espiritualizar-se.

Quando o consumidor se reconhece no arquétipo, realiza-se um sonho há muito tempo almejado pelos diversos dispositivos que a Publicidade desenvolveu (subliminares, psíquicos, cognitivos etc.): a identificação total do consumidor com o produto, a mercadoria transformada no espelho do próprio consumidor.

Marketing: Fantasia modal superada pela
busca do arquétipo

No passado o Marketing e a Publicidade buscavam essa identificação por meio de pontos médios sócio-econômicos (fantasias modais ou fantasias-clichês), disposições ou perfis encontrados em média em um determinado público-alvo. Por exemplo, a construção da dona-de-casa nos comerciais de sabão em pó como mulheres em torno dos 30 anos, morenas, cabelos lisos e de porte mediano. Isso criava o risco de pessoas que se situassem em pontos fora dessa curva não se identificassem com a fantasia modal, criando rejeição que poderia ser disseminada viralmente.

A partir dos arquétipos básicos descritos por Jung (Persona, Sombra, Animus, Self, Mãe e Sábio), através da ferramenta da Adgnose o Marketing e Publicidade procuram fixar os perfis psicográficos de consumidores em 12 arquétipos, traduzidos como princípios motivadores: Inocente, Explorador, Sábio, Herói, Fora-da-Lei, Mágico, Normal, Amante, Palhaço, Protetor, Criador, Poderoso.

A Linguagem das Mercadorias 360 graus

Como último encontro do curso, resolvemos construir uma abordagem em 360 graus dos diversos níveis de abstração da linguagem das mercadorias. Embora esses diversos níveis tenham uma distância cronológica na história da Publicidade, eles atualmente funcionam de forma simultânea em cada peça publicitária, seja visual ou audiovisual.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. custo

    Nos EUA a “bagaça” custa de 20 a 23 mil dólares o modelo automático, para o consumidor final.

    quer dizer de 48 a 55 mil reais.

    aqui o mais simples custa R$ 68.890,00 e o mais completo R$ 74.900,00.

    Porque tanta diferença? Ah, já sei: é porque nós somos RICOS! 

    -Não pago nem se vier com a assinatura do Carl G. Jung.

  2. Adgnose…Mais um besteirol

    Adgnose…Mais um besteirol sem nenhuma base científica.

    Jung deve estar se revirando na cova.

    Pior: estão discutindo esta pseudo-ciência em uma universidade.

    1. Desculpe a incorreção epistemológica!

      Desculpe, caro Paiva

      Não queria aborrecer o leitor com notas de rodapés, citações ou toda uma ritualística ABNT que confere a um texto um caráter científico… mas já que o Sr. insiste através da desconfiança epistemológica e, o que é pior, de uma maldição além-tumulo de Jung vindo atrás de mim me assombrar, aqui vai a bibliografia final:

      FERREIRA, Wilson Roberto V. . Ad-Gnose: a engenharia do espírito na Publicidade. In: II Congresso Internacional de Comunicação e Consumo – COMUNICON, 2012, São Paulo. Trabalhos GTS, 2012.

      HAUG, Wolfgang F., Crítica da Estética da Mercadoria. São Paulo: UNESP, 1997.

      JUNG, C. G., “Dream Analysis”, CW Seminar Papers, Volume 1, London: Princeton University Press, 1984.

      MARCONDES FILHO, Ciro (org.) Dieter Prokop – Coleção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo: Ática, 1985.

      __________________ . O Princípio da Razão Durante – O conceito de comunicação e a epistemologia metapórica. São Paulo: Paulus, 2010.

      MARTINS, José S., O Poder da Imagem, S. Paulo: Makron Books, 1995.

      _________. A Natureza Emocional da Marca.São Paulo: Campus, 2007.

      MARX, Karl, O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

      MITCHELL, Arnold. The Nine American Lifestyles – Who We are and Where We’re Going. New York: Maximilian Publishing Co., 1983.

      ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

      PEARSON, Carol. Awakening the Heroes Within: Twelve Archetypes That Help Us Find Ourselves and Transform our World, Harper SanFrancisco, 1991.

      _________. The Hero and the Outlaw: Building Extraordinary Brands Through The Power of Archetypes, McGraw-Hill, 2001.

      SFEZ, Lucien. “As Tecnologias do Espírito”. In: Revista Famecos, vol. 1, número 6, 1997

      _____. A Crítica da Comunicação. Loyola, 2000

      VOGLER, Christopher. The Writer’s Journey: Mythic Structure for Writers. Michael Wiese Productions. 2007.

  3. creio que toda essa

    creio que toda essa simbologia e

    arquitipicidade da publicidade

    permeie todo o sistema

    político cotidiano capitalista….

    esses signos-símbolos impregnam a vida cotidiana.

    portanto, interferem em nossa vontades e decisões.

    o auutor bem que poderia nos dar

    uma ideia disso, num  posto específico

    sobre política (eleições, no caso),

    com seu extraordinário conhecimento semiótico.

    a mercadoria vira fetiche, espiritualiza-se,

    o valor de uso dela dependerá de toda

    a nossa formação tb intelectual,de como a vemos etc.

    mas o valor real da mercadoria se relaciona

    na verdade com o trabalho,

    que o capitalista explora e suga todas as suas forças.

    e daí, segundo marx, retira a famosa tese do mais valor

    (expropria o excedente produzido pelo  trablhador).

  4. Impressionante…

    Enquanto isso, eu escolhia meu novo carro.  Tive que comprar uma minivan porque estou com uma vareta em forma de adolescente em casa e, se comprasse um Civic, ele ia viajar de forma muito desconfortável no banco de trás.

    Ou seja, um carro para uma necessidade prática.

    Agora… comprar um carro porque “me senti voando” ou “me vi pelos olhos da abelha”… Ah… vai te catar!

    Mas, o impressionante (ou triste) é que funciona…

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