O pouco conhecido jogo de chantagens para garantir o impeachment

Os ataques obedeceram ao velho estratagema de levantar ilações sobre qualquer fato, visando criar um clima de suspeição contra as vítimas.

O material do GGN sobre o lavajatismo (período que antecede a Lava Jato e vai até Bolsonaro) será incluído no Museu da Lava Jato, de Curitiba, do grande Xixo, Wilson Ramos Filho.

Estou preparando um livro sobre o tema e, pesquisando os arquivos do GGN, encontrei uma bela reportagem de Cintia Alves, contando as pressões que se abateram sobre o Ministro Luís Roberto Barroso, quando se pensou que ele poderia votar contra a abertura da comissão de impeachment pela Câmara.

É um capítulo – talvez o mais grave – em um dos movimentos mais lúgubres do golpe, o uso explícito da chantagem, através de blogs de direita levantando dossiês e sendo repercutidos por jornalistas como Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo, através do portal da Veja e da Jovem Pan. Se ficassem restritos aos blogs de ultradireita, teriam pouca eficácia.

Acompanhe o levantamento:

GGN levantou as principais investidas contra Barroso desde dezembro de 2015, quando o STF decidiu, a partir do julgamento da ADPF 378, que a comissão especial do impeachment eleita sob voto secreto, em sessão liderada por Eduardo Cunha (PMDB), era inválida, entre outros pontos. Foi um verdadeiro massacre:

22/12/2015 – Augusto Nunes, na Veja, chama Barroso de “vigarista”. Cita matéria do Portal Vox e um vídeo da sessão do STF sobre o rito do impeachment, afirmando que o ministro escondeu deliberadamente um trecho do regimento interno da Câmara que permite o voto secreto em eleições internas. Resultado da discussão no Supremo fez a Câmara criar uma nova comissão especial do impeachment. Juristas criticaram Barroso por intervir nas competências do Legislativo e levar os demais ministros a erro.

Na mesma semana, Reinaldo Azevedo, outro colaborador de Veja disse que tinha “nojo” de Barroso em programa de rádio, e perguntou ao ministro se ele “está pensando que o País é o seu grupinho em Ipanema, Copacabana ou Leblon”. O mesmo defendeu o impeachment de Barroso no Senado. “Supremo não existe para fazer julgamento de mérito das coisas. Vai catar coquinho!”, disparou.

31/12/2015 – “Esposa de ministro do STF Luis Roberto Barroso abre Offshore com nome de solteira”. Primeira matéria do Vetorm.com, sem assinatura, contra Barroso, noticiando que Tereza Cristina Van Brussel Barroso abriu, em junho de 2014, a offshore Telube Florida, LCC, registrada nos Estados Unidos. O texto sugere que no endereço da offshore, numa “ilha paradisíaca”, existe um imóvel supostamente de Barroso e sua esposa que merece investigação. “Acreditamos que a esposa de Barroso declarou ao Banco Central a Offshore e os recursos recebidos em 2014 e 2015, caso contrário o ministro está muito encrencado.” 

2/1/2016 – “Esposa do ministro Barroso compartilha vídeo para sociedade se mobilizar pelo impeachment de Dilma”. No texto, Vetorm.com diz que “chamou a atenção que o mesmo vídeo fala sobre chantagens e ameaças entre os poderes. Qual seria o motivo para a esposa do Ministro abrir uma Offshore e adquirir um imóvel na ilha de Key Biscayne ( Miami ) nos Estados Unidos? Temos muitas perguntas para poucas repostas…”

3/1/2016 – “Governo Dilma renovou dia 29/12 contrato com empresa do pai de Barroso 12 dias após decisão sobre impeachment.” Texto mostra página do Diário Oficial da União, do dia 29 de dezembro de 2015, registrando um aditivo contratual entre a Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados e a Eletronorte. O Vetorm.cominsinua que Barroso segue fazendo parte do quadro societário da empresa de seu pai e, portanto, é beneficiado pelo contrato com a estatal. Caso foi abordado pelo GGN.

6/1/2016 – Portal “Tribuna da Internet” acusa Vetorm.com de atuar no anonimato para atacar Barroso, condição que faz o ministro uma “vítima”. “O site Vetor.com está vivendo seus quinze minutos de fama, ao expor o ministro Barroso e sua família”, escreveu o jornalista Carlos Newton Leitão de Azevedo, que também usou a Tribuna para denunciar Barroso e Ricardo Lewandowski em relação ao impeachment.

No mesmo texto, Newton elogia jornalistas como Felipe Moura e Augusto Nunes por serem os únicos da grande mídia que estão “mantendo fogo sobre Barroso”. 

12/1/2016 – “Construtora da sogra de Barroso nas obras da Odebrecht e Braskem, alvos da Lava Jato”. Diz o texto: “A família do Ministro do STF volta ao centro das nossas atenções devido as relações comerciais com alguns réus da Lava Jato. A grande imprensa montou uma blindagem a essas relações que nos causou estranheza, pois acreditamos que não existe ilegalidade se o ministro não atuar no caso conhecido também como Petrolão/ Eletrolão”, em clara demonstração de que as investidas têm o objetivo de tirar Barroso da Lava Jato.

21/2/2016 – Mesa do Senado recebe pedido de impeachment de Barroso por erro no julgamento da ADPF 378. Autor é leitor assíduo do portal Tribuna da Internet.

21/2/2016 – “Patrícia Barroso no Arraial da Borghi Lowe e o Ministro Novato do STF – Lava Jato”. Matéria insinua que a delação da Borghi Lowe na Lava Jato não vazou porque a executiva de Contas de Publicidade da empresa era Patricia Barroso, prima do ministro. “Patricia é filha de Jorge Barroso, o saudoso Jorginho da UNB, que é irmão do pai do ministro que assumiu os contratos com o governo Dilma após Barroso ser nomeado ao STF, que já foi polêmico e no mínimo suspeito.”

15/3/2016 – “Joao Telles cunhado do Ministro Barroso do STF é Gerente do ERG da ECOVIX (ENGEVIX) e ja foi da EAS ( Queiroz Galvao/Camargo Correa)”

O irmão da esposa do ministro Barroso, João Miguel Van Brussel Telles (…) é gerente da Ecovix – Engevix Construções Oceânicas desde 2011. Antes disso, era chefão no EAS-Estaleiro Atlântico Sul da Queiroz Galvão e Camargo Corrêa. (…) Com as ligações do ministro Barroso com alvos da Lava Jato e seus familiares envolvidos com investigados e condenados, começo a me perguntar se ele não deveria renunciar ao cargo de ministro.”

30/3/2016 – Vetorm.com republica O Antagonista, denunciando que um dos defensores de Dilma no processo do impeachment é o advogado Ricardo Ribeiro Lodi. “Lodi foi apresentado aos deputados como ‘professor da Uerj’, mas ele é também sócio do escritório de advocacia Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça e Associados. Antes, o escritório se chamava Luís Roberto Barroso e Associados – Escritório de Advocacia. Ao assumir a cadeira no Supremo, o ministro Luís Barroso mudou o nome da banca e a entregou ao sobrinho Rafael.”

Os ataques obedeceram ao velho estratagema de levantar ilações sobre qualquer fato, que em princípio não teriam qualquer relevância, visando criar um clima de suspeição contra as vítimas.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. Augusto Nunes é o que sempre foi, um jornalista de extrema-direita, arrogante e sem escrúpulos. O hoje repaginado Reinaldo Azevedo era do mesmo tipo e estilo. Augustos e Reinaldos sempre existiram na imprensa de qualquer país, nos Estados Unidos são centenas deles. Nem um nem outro derrubou Dilma Rousseff. Como João Goulart e Nicolau II, o último tzar, Dilma caiu por excesso de incompetência e ineficácia absoluta. Dilma era o fim da picada como presidente. Chegou se arrastando ao final do primeiro mandato, ganhou de Aécio por um fiapo de votos, em cima de uma campanha mentirosa, e a fraude eleitoral patrocinada por ela foi escancarada no primeiro dia após a vitória, quando indicou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Ciro Gomes gosta de repetir a história de que Fernando Haddad era prefeito de São Paulo e pediu uma audiência à Presidente da República, esperou três anos, jamais foi recebido, “nem o prefeito da maior cidade do país, do mesmo partido dela, era recebido pela presidente”, diz Ciro. Lembro que Garibaldi Alves Filho, do MDB, era Ministro da Previdência Social num desses arranjos políticos tradicionais do Brasil. Quando ele perdeu o cargo numa reforma, um jornalista da Folha perguntou a ele quantas vezes tinha despachado com Dilma, resposta: “Nunca, a presidente nunca me recebeu”. O Ministro da Previdência Social nunca foi recebebido pela Presidente da República, isso era o governo dessa tragédia política chamada Dilma Rousseff. Atribuir o impeachment às maquinações de Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo é dar a esses dois jornalistas uma importância e um poder que jornalista nenhum no mundo jamais teve ou terá. Dilma Rousseff vergou e desabou pelo peso da sua própria incompetência. Até hoje eu me pregunto por quê Lula indicou essa mulher sofrível para substituí-lo? Havia Tarso Genro, havia Jacques Wagner, entre outros ótimos políticos no PT, mas Lula escolheu o caminho do desastre. Até hoje estamos pagando por isso.

  2. Uma realidade.
    Foi golpe? Foi! Mas Dilma também cavou a própria cova. Honestidade, firmeza de caráter, não é obra acabada em política. É preciso de algo mais, do amor pelos detalhes, transformar necessidades em virtudes…

    A opção de Lula por Dilma, em detrimento de Marina Silva, é marco simbólico do começo dessa tragédia. O desenvolvimentismo trator de Dilam encantou mais que o ambientalismo carola de Marina… Depois, Belo Monte é um capítulo que, até o momento, apenas Eliane Brumm levantou com competência em seu “Brasil, construtor de ruínas”. Leitura imprescindível. (Lula compreende a importância do meio ambiente como pauta, mas ainda precisar aprofundar no tema e sua relevância estratégica como credencial de legitimidade internacional e de seu discurso humanista. Ainda há relato de aviso prévio de fiscalização do IBAMA, de absurdos que continuam a ser cometidos na fiscalização ambiental, do garimpo, do comércio de ouro a céu aberto, das folhas de ouro em meio a cadernos para ourives em São Paulo…)

    Enfim, estamos pagando pela escolha de Lula (até ele, com Arthur Lira, herdeiro do “modus operandi” Eduardo Cunha). Eu me atrevo a dizer que até a vitória de Aécio teria sido melhor para o país, do que a de Dilma, como se deu e pelo que aconteceu depois até a tragédia Bolsonaro. Foi um fariseu em Minas, mas seu entorno era muito mais técnico que o os asseclas de Bolsonaro, sem contar o verniz da imagem, a vontade de emular a imagem do avô, e a irmã Andrea, que de burra nada tem.

    O grande saldo disso tudo é que o vácuo de líderes políticos fortes abriu brechas para os militares, para escroques variados, e a esquerda precisa pensar no pós Lula, pois tem somente pesos pena. A direita não tem ninguém, prova disso é Bolsonaro, um arranjo tosco do partido fardado com a república do Capital (lava Jato e PIG) cuja fatura saiu mais alta que a encomenda. Tivemos muita sorte de Bolsonaro ser primário, porque se tivesse qualquer outro em seu lugar, teria sido mais competente na direção da pandemia, dos jogos de poder (teria mantido apoio do elite jurídica), e Lula não teria vencido.

    Estamos numa encruzilhada, onde muitos abriram mão até da civilidade (aparência e simulacro dela), desde que a esquerda permaneça fora. Essa é chave que precisa girar, pois enquanto tivermos corretores, servidores, vendedores, empregados variados defendendo ricos e fascistas, não tem base progressista que resista sem Lula. Se não houver uma revitalização da educação, com qualidade e resgate de valores culturais, humanísticos, formação de cidadãos, vamos deixar para as igrejas evangélicas lapidarem o pensamento do brasileiro de amanhã, e será tarde demais quando tivermos uma massa de mulatos e mestiços pensando como rednecks.

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