Bem-vindo ao carnaval no desértico Metaverso, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Olhar para o futuro é mais interessante do que sondar o passado de uma suposta matriz linguística indo-europeia. A dança das línguas parece estar sempre condicionada por política, economia, guerra e muito humor.

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Bem-vindo ao carnaval no desértico Metaverso

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Desde os séculos XVIII os estudiosos tentam recriar os caminhos que levaram à evolução das línguas europeias modernas. Eles criaram a hipótese de uma língua origem (o Indo Europeu), mas ninguém pode dizer ao certo que sonoridade ela tinha. O português mestiço que nós falamos incorporou várias características dos falares indígenas e africanos. Mesmo assim, alguns brasileiros fazem uma distinção entre uma suposta “língua culta” e as variantes faladas pela população.

No século XIX, dominado pela língua francesa, ninguém diria que no final do século seguinte o mundo seria governado pelo inglês e que a própria língua inglesa começaria a sofrer mutações decorrentes de sua utilização ao redor do mundo.

Em um futuro próximo, o chinês substituirá o inglês como idioma culto?

Olhar para o futuro é mais interessante do que sondar o passado de uma suposta matriz linguística indo-europeia. A dança das línguas parece estar sempre condicionada por política, economia, guerra e muito humor.

O bairrismo linguístico dos franceses (uma reação amarga ao declínio da influência mundial da língua francesa) logo fará companhia para o bairrismo linguístico dos norte-americanos. Pragmatistas, todas as pessoas que colocam os negócios em primeiro ugar provavelmente aprenderão a falar chinês. De fato, elas já estão fazendo isso.

A uma ironia, porém, que merece ser aqui considerada. A verdadeira linguagem, que é aquela que permite os fluxos de riqueza entre as pessoas e de uma nação para outra, não é mais vocalizada pelas pessoas e descrita por estudiosos de gramática e linguística. A verdadeira língua que une o mundo e o submete ao poder avassalador das Big Techs e dos dois países que desenvolvem mais e mais as tecnologias da informação tem apenas dois bits distintos (0 e 1).

Ser ou não ser. Essa é agora uma questão que nos remete apenas à duas possibilidades: 0 ou 1. Mas nesse contesto sem qualquer inflexão dramática ou shakespeareana. No mundo criado para Hamlet, tudo é incerteza. A vingança continuamente protelada vai destruindo os personagens secundários até que o protagonista decida fazer algo. Em nosso mundo, que está sendo mais e mais transportado para servidores e conectado por cabos óticos e satélites, não pode existir incerteza quanto à dominação da linguagem binária.

A única incerteza possível é se os apêndices biológicos dos sistemas informatizados (os seres humanos) negociarão em chinês ou inglês usando dólar, euro, yuan ou qualquer outra moeda. Todavia, as próprias moedas estão se tornando menos reais e mais e mais digitais. Isso talvez explique a obsessão dos norte-americanos. Eles foram tecnologicamente superados pelos chineses, o que os transformará em apêndices biológicos de um sistema informatizado secundário.

Uma nova Guerra Fria, mas não entre comunistas e capitalistas e sim entre Zeros e Uns. É nesse contexto que o Facebook está lançando seu Metaverso https://canaltech.com.br/inovacao/o-que-e-metaverso-199159/. Tudo parece não passar de mais uma estratégia norte-americana para obnubilar a realidade.

A mudança climática é real e já provoca catástrofes em diversos países? Olhem para o espaço e financiem a colonização de Marte. O Facebook é responsável pela radicalização das sociedades ocidentais e pela degradação da democracia e dos direitos humanos em diversos países? Mergulhem no Metaverso criado por Mark Zuckerberg. A China é um problema? Bem… certamente o sistema chinês de vigilância permanente de todos o tempo todo não pode ser considerado uma solução. Mas qual é realmente a diferença entre esse sistema e aquele que já está sendo colocado em vigor nos EUA, Europa, Rússia e Brasil?

O Metaverso não será uma nova Matrix. O mais provável é que ele se torne um parque de diversões para as pessoas que podem comprar equipamentos tecnológicos caros e que não suportam a realidade. Portanto, ele será o novo deserto do real.

Se cada pessoa puder viver imersa em sua própria ilusão paranoica dirigida por uma empresa, o dono dela será a única pessoa livre. Ele será um Faraó digital. E ele usará algoritmos para controlar tudo e todos o tempo todo dentro e fora de sua Matrix VIP.

Este Faraó digital do Metaverso terá poder absoluto para inspirar amor, felicidade, devoção, medo e até causar a morte. Obviamente ele usará isso para forçar seus servos virtuais a, sem saber o que está acontecendo, seguir construindo a pirâmide dourada na qual ele será enterrado. A morte biológica dele, porém, nem mesmo será notada. O sistema informatizado é imortal ou, pelo menos, deseja ser.

Na Matrix VIP cada pessoa verá em sua minúscula tela – atenção, estou me referindo aqui às mentes dos apêndices biológicos do sistema em que ilusões personalizadas são projetadas por telas 3D luminosas – apenas um reflexo das inclinações impressas em seus genes. Dominação política perfeita, violência sem qualquer possibilidade de rebelião.

Os novos casais serão selecionados e aproximados pela Matriz para que o resultado da eugenia algorítmica procriativa produza apenas novos servos devotados ao sistema.. E eles nascerão geneticamente viciados em realidade virtual. Para eles, a realidade real em que a esmagadora maioria das pessoas vive será considerada uma ficção.

Essa dissociação entre governantes e governados era uma característica do antigo Egito. Os Faraós não eram apenas tratados como deuses. Eles eram os deuses astronautas. Não por acaso as pirâmides apontam para o céu. Elas são as naves espaciais que possibilitavam aos deuses do Egito antigo viajar pelo universo sem sair do lugar. A cada época do ano as pirâmides aponta para um local específico no universo.

Nos próximos anos, quando elas apontarem para Marte algo realmente estranho ocorrerá: o Faraó do Metaverso marciano encontrará Quéops no planeta vermelho e ambos disputarão a hegemonia universal. O resultado dessa disputa fantasmagórica, porém, não mudará as vidas dos brasileiros que comem lixo enquanto a imprensa presta atenção na mais nova fuga da realidade empreendida lucrativamente pelos norte-americanos.

A nova caverna de Platão será o superpoderoso servidor de computador miniaturizado do Facebook transportado pela SpaceX para Marte especialmente para encenar o conflito entre Zuckerberg e Quéops quando a pirâmide dele estiver apontada para aquele planeta. Há um pouco de ficção nessa realidade imaginada. Todavia, ela foi imaginada com um propósito. Não é mais possível deixar de ridicularizar esses bilionários que exploram fantasias enquanto seguem construindo um mundo ecologicamente devastado e humanamente insustentável.

Há pouco mais de uma década eu era um crítico mordaz do pessimismo que Paul Virilio devotava às novas tecnologias em algumas de suas obras. Mas não posso dizer que estou me tornando pessimista. Creio que o melhor a fazer é explorar ironicamente os paradoxos desse admirável mundo decadente e desesperado. O Metaverso é a epítome de um recomeço em que as novas tecnologias serão utilizadas para recriar formas de exercício e de ostentação do poder que foram destruídas há mais de 2 mil anos.

“Viemos do Egito
E muitas vezes
Nós tivemos que rezar
Allah! Allah! Allah, meu bom Allah!
Mande água pra ioiô
Mande água pra iaiá
Allah! Meu bom Allah!”

Quando a Matrix VIP for invadida por brasileiros milionários Mark Zuckerberg será obrigado a decidir se autorizará ou não o Carnaval no deserto de Zeros e Uns que ele está criando. Os norte-americanos são trágicos e dramáticos. Eles estão sempre querendo fugir de algo ou de alguém por algum motivo. Agora eles querem fugir do planeta num foguetão de Elon Musk ou, quem sabe, num traje de imersão total no mundo virtual. O diabo é que eles nunca conseguirão fugir dos brasileiros, que são naturalmente zombeteiros e prontos a carnavalizar qualquer novidade.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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