Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Brasamericans, será a nova elite?, por André Araújo

Brasamericans, será a nova elite?

por André Araújo

Está se formando um núcleo de executivos e advogados brasileiros na faixa dos 30 aos 40 anos, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, que vivem no Brasil como estrangeiros. São muitos e estão por todo lado, com o bolso cheio e a cabeça em Miami. Os economistas foram precursores dessa onda já desde os anos 90, os advogados e executivos os seguem.

Os filhos pequenos estudam em escolas que alfabetizam em inglês, custam 8 a 10 mil Reais por mês por criança, as portas das escola são um desfile de peruinhas que só falam na próxima viagem e nas maravilhas da personal  trainer que conheceram numa festa.

O sonho máximo é morar no exterior, MAS usufruindo renda do Brasil, porque ganhar a vida no exterior é muito mais difícil do que no Brasil, que então servirá como guichê de remessas.

O “background” cultural dessa turma é paupérrimo. Não tem consciência do Brasil e de sua complexa e magnífica História, único Império das Américas, o primeiro País de dimensão continental no Hemisfério Ocidental, quando o Brasil já era um grande País os EUA nem tinham nascido. Maior pais católico entre todos, maior cultura multiétnica e multirracial, principal receptor de imigração italiana, sírio-libanesa e japonesa do planeta, um País único pela sua reserva ecológica e recursos hídricos inigualáveis. País de esplêndida geografia e complexidade formativa, grande  diplomacia no Império e na República, único Pais latino-americano a lutar na Segunda Guerra, País fundador das Nações Unidas logo depois dos EUA.

A pobreza cultural cria uma visão provinciana dos EUA, sem ver as mazelas, cruezas, durezas, ignorância que aflige boa parte dos americanos. A falta de conhecimento faz ver os EUA por cima, pela superfície, sem saber dos terríveis processos de sofrimento e miséria que marcam a formação dos EUA. Se conhecessem a profunda dramaturgia social americana dos anos 20 e 30, os dramas colossais de Arthur Miller, Tennessee Williams, Clifford Odetts, Theodore Dreiser, Eugene O´Neill, William Faulkner, da geração perdida da Grande Depressão, da virulência do racismo,  teriam uma visão menos glamorosa dos EUA, pais ainda hoje com enormes tensões sociais, com 2 milhões de encarcerados mas também com fantásticas realizações culturais nos seus magníficos museus, orquestras sinfônicas, instituições de pensamento, tudo aquilo que esse grupo de brasileiros não tem nenhuma atração, seu mundo é bem mais superficial,  lanchas, carros, shopping, clubes de golfe e restaurantes, aquilo que o pobre de espirito encara como seu objetivo na busca de identidade superior.

A ELITE AMERICANIZADA LATINO AMERICANA

Esse grupo de elite com olhos no exterior sempre existiu em países menores da América Latina, MAS não no Brasil, País muito maior e de sólida História e cultura própria. Porque isso mudou nos últimos anos, de forma visível e palpável, já agora com interferência na politica?

A meu ver esse processo começou como consequência e projeção do governo FHC e suas politicas diminutas, de viés neoliberal puro, sem adaptação às circunstâncias do País. Na leva dos novos negócios da privatização surgiu todo um  modelo de economia completamente vinculado ao financismo  de Nova York, com seu desdobramento em novo perfil de executivos, de advocacia internacional  e gerenciamento nas empresas, abrindo espaço para jovens com pós graduação nos EUA, uma experiência que existia de forma esporádica e que explodiu nos últimos vinte anos, com milhares de jovens formados de classe media alta indo para universidades americanas. Uma vez inserido no contexto americano a lavagem cerebral é uma certeza. Em cinco anos o número de brasileiros que fazem graduação nos EUA subiu 65,8% (matéria no ESTADO DE S.PAULO, 8/10/2017, pg.A16) e continua a subir.

Voltam americanizados e muitos se casam com colegas brasileiras que conheceram lá ou que também fizeram cursos nos EUA, formando casais BRASMERICANS que já pensam nos filhos como ligados à cultura americana. A partir daí as escolas bilíngues reforçam essa desnacionalização, gerando tipos híbridos, não são nem brasileiros e nem americanos, uma espécie de ameba indefinível, falta-lhe a lealdade nacional, mas tampouco são americanos de raiz, ao fim não são nada, apátridas não de passaporte, mas de alma.

Alguns casais chegam ao delírio de mães brasileiras terem filhos nos EUA para conseguir para eles a cidadania americana, cospem na pátria que lhes dá o sustento, renegam a bandeira.

A IDENTIDADE NACIONAL é um dos maiores instrumentos civilizatórios e de formação de personalidade, é uma das forjas do caráter e da consciência de grupo. Dessa identidade nasce a SOLIDARIEDADE entre cidadãos do mesmo País, os mais abonado ajudando por iniciativas públicas os mais desafortunados, foi assim que os EUA se tornaram a primeira potência mundial, é essa a missão da elite chinesa, a cada ano agregando novas camadas pobres ao processo de desenvolvimento e de inserção na economia moderna nacional.

Um das mais tristes figuras da humanidade é o APÁTRIDA, aquele ser sem o agasalho de um País que pode chamar de sua gente, de seu grupo, de sua cultura. Sem identidade nacional jamais haverá solidariedade social, os mais ricos não estão minimamente preocupados com seus concidadãos mais pobres, não há um vínculo de destino comum que faz uma NAÇÃO.

Tudo isso é muito novo no Brasil. Não era e nunca foi assim. O Brasil não é um pequeno País como Honduras ou El Salvador, onde as elites são tradicionalmente americanizadas porque a identidade nacional é tênue, esse viés é típico de países latinos de raízes apagadas.

Tive um parceiro empresarial, executivo de uma grande multinacional elétrica do Wisconsin.

Ao se registrar no hotel em S.Paulo a recepcionista, querendo ser gentil, perguntou “É peruano?” dado o inconfundível perfil inca do cidadão que reagiu apoplético aos berros “Yo soy americano”, jogando o passaporte USA no balcão. Era evidentemente um peruano naturalizado americano, mas não queria ser confundido com peruano, se julgava superior sendo americano.

Nunca vi brasileiro renegar sua nacionalidade, mas vejo que a situação está mudando. O governo FHC trouxe para o poder um grande grupo de “retornados”, brasileiros com longas passagens pelos EUA e que perderam boa parte de suas raízes. Esse grupo submergiu no governo do PT, mas agora ressurge com força total nas consultorias, nos escritórios de advocacia, nos escritórios de gestão financeira e fundos de investimento, nas multinacionais de serviços, e desses ninhos partem para movimentos de viés politico tentando influenciar  a vida nacional para que esta se ajuste a seus interesses de classe, não estão minimamente preocupados com o País como um todo que inclui dois terços de uma população carente e pobre. Quando tratam de crime e segurança não expressam nenhuma preocupação com a raiz social evidente na existência de uma população de 20 milhões de jovens sem educação, sem emprego e sem nenhuma perspectiva de futuro, matéria prima obvia da marginalidade e do crime e deste para a insegurança de todos.

Lembra o passado colonial da África, pelo absoluto desdém que a elite governante tinha pela população pobre, vista apenas como mão de obra econômica e sem nenhuma outra consideração pela sua saúde, educação e futuro, essa a visão da atual “nova” elite brasileira Americanizada, muito pior que a antiga aristocracia do Império e da Primeira Republica, Estado Novo e Republica de 1946 que tinha sólidas raízes nacionais e uma clara visão de Pais, gerando  o maior crescimento econômico entre todos os Países no Século XX.

Os neoliberais, grupo maior do qual fazem parte os BRASMERICANS  propõe a diminuição do Estado pelo lado social abençoando a economia de mercado, que só pode suprir a classe de renda alta e se desconecta dos 140 milhões de brasileiros sem renda significativa que compõe a “classe menos favorecida”. Para essa esse grupo eles  não tem nada a propor.

Nenhum País será desenvolvido com essa visão colonialista de sua elite, mas parece que o  grupo GLOBONEWS-MIAMI quer assumir o poder com uma plataforma de franceses na Argélia ou belgas no Congo, é o chamado “centro” que vibrava com uma candidatura Luciano Huck e agora está órfã à procura de outra do mesmo matiz.

Felizmente, a Historia não é tão simples, a tensão social é dinâmica e não estaciona no tempo, os países grandes são muito mais complexos do que patotinhas de happy hour podem supor.

A ELITE AMERICANA

Os BRASAMERICANS se pretendem elite brasileira, mas não assimilam os grandes traços da elite americana, a filantropia em favor de causas públicas. De John Rockefeller a Bill Gates essa elite doou centenas de bilhões de dólares a causas públicas, coisa que a elite brasileira nem sonha copiar.

Universidades, grandes museus, orquestras filarmônicas, companhias de ballets, teatros de ópera, a elite empresarial americana também patrocinou institutos de pesquisa e pensamento que são o eixo do poder americano. Os formados em universidades DOAM enormes volumes de dinheiro quando têem sucesso na vida, aliás essas universidades quase todas nasceram com doações de empresários, como Leland Stanford, que fez a linha transcontinental do Atlântico à San Francisco e criou a Universidade que leva seu nome, o fundo de investimentos da Universidade de Yale tem 32 bilhões de dólares, fruto de doações, a de Harvard tem 24 bilhões de dólares, centros de pesquisas em saúde e medicina, centros de estudos políticos como o Centro de Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade de Georgetown, o Instituto Paterson de Economia, o Instituto Pew de Pesquisas em Politicas Públicas, a família Rockefeller comprou o terreno para a primeira sede das Nações Unidas e doou para instituições em todo o mundo, como a Faculdade de Medicina de São Paulo, hoje USP. Já a Maternidade São Paulo, onde nasceram milhares de paulistanos ricos, como Paulo Salim Maluf, fechou por falta de dinheiro, ninguém doou nada nem para a instituição onde nasceram, uma elite descolada até de seu passado, de sua cidade e de seu Pais.

Já os BRASMERICANS querem só emular as frivolidades da vida americana, mas não suas obrigações publicas, o que é uma negação do conceito de elite, querem ser apenas uma elite de privilégios, de desfrute da vida e não uma elite do saber, da arte e da cultura.

Não vamos todavia pensar que sempre foi assim. A elite paulistana de 1922 fez a Semana Modernista, de enorme importância nas artes, a elite do Estado Novo incentivou a literatura nacionalista  e a música de qualidade, a arquitetura, a ciência e com isso reforçou a identidade nacional altíssima durante a Era Vargas que se prolongou pelo Governo JK e atingiu o Governo militar de 1964. O fim desse período de alta consciência nacional foi o Governo Collor e seu reforço se deu no Governo FHC, todo estrangeirado por tipos “internacionais” como Henri Reichstul, David Zylberstajn, Francisco Gros, e brasileiros americanizados como Arminio Fraga, Gustavo Franco e toda uma gama de pós-graduados no exterior com viés neoliberal de segunda mão involutivo, estacionado no tempo, voltam agora no chamado “centro” com as mesmíssimas ideias já gastas por 20 anos de corrosão histórica onde a ascensão triunfal de uma China estatal, a economia de mercado é apenas uma embalagem, desmente a exclusividade dos “mercados” como instrumento de evolução econômica e social.

Ao contrário um “mercado” largado social está destruindo o equilíbrio social da mais equilibrada sociedade dos grandes países, a sociedade americana, que hoje conhece sua maior corrosão social causada por uma absurda concentração de riqueza nas mãos de um financismo alucinado que liquida com empresas e empregos na busca de uma eficiência micro e no caminho causando uma ineficiência macro de famílias morando em trailers, em carros, de uma sociedade drogada pelo desespero da desinclusão e do retrocesso econômico.

Os BRASMERICANS querem importar e impor ao Brasil os mesmos descaminhos da sociedade americana retorcida pelos “fundos hedge” e outras feitiçarias de Wall Street e pior, Impor praticas desse naipe sobre uma sociedade muito mais frágil, que é a brasileira das periferias pobres e desempregadas, criando um Brasil tipo “condomínio fechado” exclusivo para o “clube de Caras” do eixo Guarulhos-Miami, desligando-se do destino nacional do  Brasil, agora transformado em “plataforma” para fundos de investimento e nada mais.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

97 Comentários

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  1. Excelente!

    O André, neste mais um bom artigo, diz tudo e muito mais.

    Fica pouco para agregar, embora a gente esteja diariamente apontando, aqui no blg, para esta caminhada coxinha até os EUA. Hoje são quase 250 mil brasileiros morando na Florida (segundo noticias da internet). Mais evoluídos vão para Boston e outros que não gostam do idioma inglês vão para Lisboa, outro paraíso de coxinha, com direito a União Europeia.

    Até o Moro vai arriscar morar lá (será que vai ter auxílio moradia?). A sua esposa o acompanha, pois, como ela diz “I live with him”. Coxinha nasce na Disney e acaba por lá mesmo, em Miami.

  2. Caipiras metidos a Arianos querendo ser Ingleses à força

    O tédio do excesso
    Júlio César Montenegro 01/12/2006 10:11

    E o pior, no caso do Brasil, é que essa turma é bastante colonizada. Copiam o que é lançado em comidas, bebidas, vestuário, aparelhos, formas de diversão, locais de lazer…

    Brownie não era conhecido nem comido por aqui até uns 2 ou 3 anos atrás. Nouvelle cuisine já é coisa nossa pros bacanas. E o monte de livros que tem saído para ajudar a sentir o gosto dos bons vinhos, dos bouquets, das safras, aos cada vez mais numerosos degustadores da bebida que disputa com o whisky a preferência dos finos (geralmente roliços)?

    Moda decretada em climas frios é rapidamente importada pelos mais antenados criando climas chics em Teresina, Fortaleza, ou Manaus… mesmo a 40°C. E os carros, celulares, sons, tvs e uma imensa tralha de gadjets importados são fervorosamente adotados pelos que pisam no solo brasileiro mas mantém as cabecinhas ansiosamente desejantes dos made em quaisquer outras praças invejadas.

    Um club fica cheio de clubbers em New York? Está adotado pela nossa original elite. Um apresentador americano produz um talk show com bandinha tocando e caneca na mesa? Jô copia, né não? Ecstasy? Fica chic se drogar.

    Miami, Ibiza, Bali, Acapulco, Cancun? Não foi ainda? Então não pertence aos happy few… aos poucos bestas que não sabem nem do que gostam. Por que só gostam do que é bom. Quer dizer do que é CARO.

    Agora, dá pra entender porque a Danuza, por exemplo, tem alergia a festas caipiras? E o Mainardi a folclore?
    E o Jabor ao Brasil? São finérimos!

  3. Enfim, uma ‘elite´, cujo

    Enfim, uma ‘elite´, cujo background cultural são os filmes de Hollywood e as sitcoms da tv novaiorquina.  

  4. “Alguns casais chegam ao
    “Alguns casais chegam ao delírio de mães brasileiras terem filhos nos EUA para conseguir para eles a cidadania americana, cospem na pátria que lhes dá o sustento, renegam a bandeira.”

    Meu caro xará,
    Há empresas especializadas em oferecer esse serviço. Você paga e eles fazem todo resto: reserva de hotel, médicos, internação e tudo mais.

    Esse pessoal nunca leu Vinhas da Ira de John Steinbeck para conhecer o lado feio do paraíso americano. Só conhecem Miami, capital mundial dos shopping centers e dos malls. Aliás não lêem nada.

    1. Mais um

      Esse pessoal precisava de uma imersão na América Profunda, representada por filmes como esse que vc citou, As Vinhas da Ira (1940), com Henry Fonda, e mais um, com a filha, a Jane Fonda, no espetacular A noite dos desesperados (1969), filmes complementares e indispensáveis para se iniciar na história do paraíso americano. 

      1. A noite dos desesperados,

        A noite dos desesperados, volta e meia me lembro deste filme. A cada anúncio de um novo BBB ou similar, cada vez que vejo pessoas se humilhando diante de câmeras de TV por algum prêmio, penso neste filme.

      2. Gostaria de assistir a esses filmes mas não sei onde

        Já busquei assistir às Vinhas da Ira no Youtube, no Netflix, hbo mas não encontro. Onde eu acessaria esses filmes, Mano?

      3. É verdade. Mas para conhecer

        É verdade. Mas para conhecer a ‘América Profunda’ ao vivo e a cores basta, ao fazer conexão em Atlanta, Geórgia, e se der tempo, pegar o trem ou metrô de superfície que liga o aeroporto internacional de Atlanta ao Downtown de Atlanta na hora do final do expediente. Esta foi a hora que peguei esse trem/metrô. Para mim foi um choque imediato e grande pois nunca tinha visto tantas pessoas tristes, cabisbaixas, ‘moídas’ e deprimidas(?). Não vi um só vencedor, um só daqueles que fizeram a América. Para mim foi uma experiência dolorosa, chocante e decepcionante. Mas valeu pois ali vi a verdadeira América. Vi do que é feito a maioria da América hoje. Hoje ou desde sempre?

  5. Pequena correção Andy

    O México (´pais latino-americano) enviou tropas para combate na II Guerra Mundial.

    em:

    https://en.wikipedia.org/wiki/Military_history_of_Mexico

    World War II

    Main article: World War IIFor additional information, see Latin America during World War IIThis section does not cite any sources. Please help improve this section by adding citations to reliable sources. Unsourced material may be challenged and removed. (August 2012) (Learn how and when to remove this template message) P-47D Thunderbolt of the Mexican 201st Fighter Squadron during World War II.

    Mexico declared war on the Axis Powers in support of the Allies on May 22, 1942, following losses of oil ships in the Gulf, most notably the Potrero del Llano and the Faja de Oro, to German submarine attacks. Although most American countries eventually entered the war on the Allies’ side, Mexico and Brazil were the only Latin American nations that sent troops to fight overseas during World War II.

    Perhaps the most famous fighting unit in the Mexican military was the Escuadrón 201, also known as the Aztec Eagles. This group consisted of more than 300 volunteers, who trained in the United States to fight against Japan. It was the first Mexican military unit trained for overseas combat.

    In the civil arena, the Bracero Program gave the opportunity for many thousands of Mexicans to work in the USA in support of the war effort. This also granted them an opportunity to gain US citizenship by enlisting in the military.

    1. Meu caro,  agradeço o

      Meu caro,  agradeço o comentario mas são contextos muito diferentes. O Mexico enviou um pequeno  grupo de 300 voluntarios treinados nos EUA, um gesto mais simbolico do que efetivo, de escassa significancia, na luta contra o Japão.

       O Brasil eviou um divisão de infantaria completa, com artilharia e aviação, cerca de 20 mil homens, do exercito regular, com Estado Maior e operando dentro da cadeia de comando do 5º Exercito americano. Não foi uma força apenas simbolica, como a do Mexico, foi um força operacional independente de boa envergadura, que tomou parte em batalhas importantes como Monte Castelo e avançou pelo centro da peninsula italica em batalhas cruentas agindo como força independente e não auxiliar,

      fazendo centenas de prisioneiros, inclusive dois generais do exercito alemão, sofrendo baixas consideraveis, a ponto de construir um cemiterio especifico para militares brasileiros em Pistoia, perto de Siena. Uma segunda divisão, tambem com 20 mil homens, estava pronta para partir quando acabou a guerra, seria portanto um esforço de 40 mil homens, não é pouca coisa

      dentro do teatro de guerra europeu, considerando a distancia do Brasil do cenario de guerra.

      Por seu grande esforço e em reconhecimento a isso, os Aliados ofereceram ao Brasil a categoria de potencia ocupante da Austria, pais onde nasceu o nazismo, oferecimento recusado pelo Brasil por questões de politica interna.

      1. Prezado senhor André

        Prezado senhor André Araújo,

         

        sempre um prazer ler seus textos sempre bem escritos.

         

        Até agora não tenho a devida e necessária compreensão sobre as razões sociais e políticas da era Vargas no período do pós guerra, FEB, inúmeras turmas das academias homenageando teatros na Itália, ONU, Franklin Roosevelt, Vermon Walters,  e Osvaldo Aranha….

        O que faz um ente próximo e integrante do teatro de guerra se apequenar e daí, o pano de fundo para tamanha introspecção brasileira.

        País vencedor, fundador da ONU e prestigiado com a abertura da assembléia geral/ Oswaldo Aranha, ficar de fora do tetro geopolitico (reconstrução-Plano Marshall) do pós guerra.  

  6. Parabéns

    Parabéns, André. Mais um texto incisivo, completo e devastador, desmascarando a podridão desta gente que tomou e está destroçando o Brasil.

    è o tipo de texto que precisaria ser lido por todo brasileiro classe méia baixa ou pobre, pra entender oq ue está destruindo o Brasil. Mas, infelizmente, acho que não conheço uma pessoa que passaria dez minutos lendo-o. Mas conheço várias que passariam duas horas vendo nossos horríveis jogos de futebol na atualidade, ou assisitndo três horas de pânico ou faustão.

  7.  
    Os BRASMERICANS estão

     

    Os BRASMERICANS estão também nas carreiras jurídicas do estado brasileiro (juízes, procuradores, promotores, auditores fiscais, etc…). 

  8. Como assim “nova” elite? A

    Como assim “nova” elite? A elite brasileira sempre foi entreguista, covarde, ignorante, escravista e desumana. Sempre quiseram ser europeus ou ianques, odeiam a cultura brasileira e seu povo. A grande ironia é que não entendem que lá fora não passam de latinos de segunda classe.

  9. Essa nova elite americanizada

    Essa nova elite americanizada faz a proeza de se achar moderna continuando a tradição da elite brasileira de raíz (rs) de não devolver uma parte que seja ao país que possibilitou que ele chegasse aonde chegou. O exemplo perfeito disso é a elite brasileira não doar um centavo dela pra alguma instituição ou projeto. Você usou o exemplo de Maluf, que não deu um tostão nem pra maternidade onde esse fdp nasceu. E isso não é restrito só as elites políticas. Me lembro uma vez que um dentista brasileiro, creio que radicado nos eua, doou uma grana pra usp e isso virou notícia de jornal. Nos EUA, a notícia é quando um bem sucedido não doa ou doa pouco pra universidade em que esteve ( e muitas vezes nem se formou, como Bill Gates). Na cultura, a mesma coisa. O MASP, essa joia pouco valorizada de SP, só foi possível porque um maluco e sem escrúpulos como Chateaubriand ameaçou nossa elite pra comprar quadros que estavam sendo vendidos a preço de banana numa europa destruída pós segunda guerra. A última coisa relevante que lembro em SP foi a doação de boa parte do acervo dos livros do Zé Mindlin prum prédio construído na USP só pra isso. Na área da música, se não fossem pelo trabalho de abnegados, muitos registros de cantores da era inicial do rádio não teriam sido recuperados. Há um trabalho do Omar Jubran que reuniu quase todas as primeiras gravações das músicas  de Noel Rosa, que saiu patrocinado pela FUNARTE. Eu não sei dizer, mas suponho que um compositor – que acho genial – e que não seria o que seria sem a influência de Noel Rosa não deu um centavo pra ajudar Omar Jubran – Chico Buarque. 

     

     

  10. Seria interessante uma

    Seria interessante uma análise de o por quê das coisas estarem nessa tendência, a da deserção de seu país de origem, para outros nos quais se vislumbra um melhor futuro, principalmente para os filhos. André falou que a culpa é da cultura neoliberal introduzida pelo FHC e seus técnicos com pós nos EUA. Será mesmo?

    Posso elencar outros fatores, sem desconsiderar esse também:

    1) a perda de nossa identidade, não por causa dos valores neoliberais, mas porque foi introduzida, a partir dos discursos lulistas de 2002, a noção do “nós contra eles” e o “nunca antes neste país”. De repente, os nossos heróis, as nossas referências, aquilo que nos fazia braileiros, caíram por terra. Deixamos de ser o país da miscegenação mais aclamada do mundo, um país de morenos, para sermos um país de maioria negra perseguida por racistasassumidos ou enrustidos, o país dos escravocratas crueis. Todos contra todos, todos intolerantes, fenômeno superampliado pelas redes sociais, que também se hipertrofiaram nesse período;

    2) a maior conectividade com o resto do mundo, que nos faz perceber que algo muito errado acontece no nosso páis. Simplesmente, não era para sermos assim, vis-a-vis todo o nosso potencial. Ora, se a percepção do tudo que há de errado no nosso país aumenta, e ao lado do conhecimento de que outro mundo é possíve e acessível, resta claro – como pragmático que o ser humano é, principlamente quando isso envolve sua descedência – que a saída para esse outro mundo não é só desejável como imperativo. Assim, que pode se manda;

    3) a profunda crise de valores que estamos vivenciando e ausência total de alguém que possamos ter como referência. E não me venha falar que o Lula seria essa pessoa, ele que é uma metamorfose ambulante, que se une a tudo que identificamos como nefasto em nome do que quer que seja. A derrocada ética do PT, e das esquerdas de uma maneira geral, feriu de morte a esperança – ingênua e utópica – de que seria possível modificar o organismo político. Resta-nos apenas recolher os caquinhos e prosseguirmos na labuta diária, na base do “cada um por si e deus( e o dízimo) por todos.”

    4) o andré fala da ausência de uma visão no coletivo, por parte das pessoas; é isso mesmo. A confiança está depositada nas relações familiares, o último baluarte frente à derrocada de todas as instituições. Estamos voltados para dentro de nossos círculos mais íntimos, buscando preservá-lo das intempéries cotidianas. A confiança no outro e nas instituições foi profundamente abalada. Não confiamos nos partidos de direita, por sabermos que as pessoas de lá só querem se locupletar; não confiamos nos partidos de esquerda, que possui um discurso profundamente ante-povo e pró-bandido, consiederado apenas uma vítima das circunstâncias; não confiamos na polícia; confiar em quem e para quê? O andré fala das doações dos ricaços americanos às suas instituições… caramba, quando aque aqui alguem vai doar algo se até a água  – em campanhas de correntes de algum flagelo – é desviada? Como doar em uma ambiente onde a corrupção e a desconfiança grassam?

    O Brasil precisa ser, de fato, refundado. Mas creio que essa refundação vai ser fruto muito mais do esforço individual, para que o cotidicano se torne funcional, do que por conta de um movimento institucional. Enquanto esse esforço – que vai levar gerações e gerações não acontece -não trouxer resultados, que aqueles quepossam sejam felizes lá fora.

     

    1. apenas uma suspeita

      Sem querer ofender, nem criar alguma crise de identidade, mas lendo vc de 1 a 4 fiquei com uma dúvida: vc tem certeza q vc não é o Ali Kamel?

    2. 1) a perda de nossa

      1) a perda de nossa identidade, não por causa dos valores neoliberais, mas porque foi introduzida, a partir dos discursos lulistas de 2002,

      Rapaz, Lula e o Pt tem muitos defeitos, mas dizer que a “perda da nossa identidade” é culpa do PT foi demais… Segue abaixo um vídeo dos anos 80, ou seja, muito distante de 2002, e tire suas conclusões a respeito da matriz da nossa falta de indentidade social.

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=OJgH40doBQo%5D

  11. É bem isso mesmo,  eu já

    É bem isso mesmo,  eu já percebi que muitos amigos e colegas vêem os EUA como uma espécie de Pasárgada, uma terra idealizada. Repetem clichês como “nos EUA isso nunca acontececria”, mas sem ter idéia que muitas vezes é o contrário.

     

    Acrescentaria a Europa nessa conta, embora os “sudacas” são muito mais marcados no Velho Continente, assim como os dekasseguis, mesmo quando os pais tem origens nesses lugares.

  12. comovente

    O texto chega a ser comovente.  Parece que esse “fenômeno” se dá também em relação à Europa, embora em muito menor intensidade.Em minhas relações, há muitos que vivem na Europa, com filhos até nascidos lá, mas que obtém os rendimentos de alugueres que recebem aqui no Brasil, muito mais que dos evetuais trabalhos deles. Uma família  “perdeu” uma empregada doméstica que exercia as funções dela lá, cooptada por outra família de brasileiros. Vieram para cá à pressas e até ansiosos, em razão da necessidade de encontrar outra pessoa “com igual dedicação”, porque lá onde moram (Suiça), isso é impossível. E falam horrores do Brasil, claro. A ponto de dizer que o país não produz, nem mesmo , “boas empregadas”!!!!???

  13. Ótima crônica dos cucarachas modernos

    Falam inglês ( com sotaque americano), adoram fazer shopping nos Malls americanos, nos últimos tempos tambem pensam no Canadá com destino, ignorantes sobre o Brasil e sobre os USA, “detestam” ( da bôca para fora) ter que morar no Brasil, com esta “gentinha” brasileira, usam expressôes em inglês para demostrar cultura, quando na verdade não conhecer o português, e tudo mais que vc apresentou. 

     

    NO FUNDO NÃO SÃO MAIS DO QUE CUCARACHAS PARA NOS IRMÃO DO NORTE!   

    1. Mães vão buscar seus filhos

      Mães vão buscar seus filhos no  colegio britanico St.Paul, no bairro do Jardim Paulistano.  Poucos metros adiante há uma loja chique da cadeia Pão de Açicar. As mães e seus filhos vão o supermercado e conversam entre si em inglês, as mães geralmente com péssimo inglês, cara de brazucas de cafezal mas se sentindo ladies porque deram um “upgrade” na educação

      de seus filhos que passa para as mães, agora  se acham  britanicas, é patético, muito patético.

      1. Cara de brazucas de cafezal mas se sentindo ladies

        Brazucas de cafezal deve ser uma donzela do naipe daquela que um dia eu perguntei se ela já foi à Europa e ela respondeu que foi não só à Europa mas a Portugal, Espanha, Itália e França.

    2. Que se mudem logo para Miami!

      Que se mudem logo para Miami! Só que não se espantem muito se daqui há alguns anos seus filhos forem convocados para lutar as guerras de cobiça do Império pelo mundo a fora…

  14. Bingo

    Bingo

    Desenhou bem

    E saber que nessa história, 99% do povo brasileiro se lasca na condição de escravo e colônia do Tio Sam…

    Hoje Lula come o pão que o diabo amassou, isso por ter ousado tornar esse pais soberano e pertencente ao povo brasileiro

    Ouvindo essa música não sei porque só consigo escutar a frase esse pais ainda vai se tornar um imenso canavial….

    https://www.youtube.com/watch?v=IauHEJCzZoo

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=IauHEJCzZoo%5D

  15. Será que não há um hacker

    Será que não há um hacker leitor do blog que possa pôr este – ou qualquer outro artigo do André Araújo sobre nossa elite miserável rs – num site dum estadão ou folha, no lugar reserva a Denis Rosenfield, Celso Ming, Reinaldo Azevedo e afins ???

     

     

  16.  
    O salário da classe média

     

    O salário da classe média sendo gasto nos EUA. Recebem aqui e gastam lá. Desemprego no Brasil e $$ para os EUA. Colônia é isso.

  17. Lembrei de um perfil escrito

    Lembrei de um perfil escrito há uns 10 anos pela Revista Piauí sobre FHC acompanhando-o alguns dias. Pelo texto, para mim ficou claro que FHC odeia o Brasil.

    1. “A vaidade (…) é o pescador mais astuto (…)” Pe. Vieira

      “A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto, e que mais facilmente engana os homens.” (Padre Antonio Vieira/http://www.citador.pt/frases/a-vaidade-entre-os-vicios-e-o-pescador-mais-astut-antonio-vieira-17068)

      Fiquei curiosa com o seu comentário e fui pesquisar. Achei um perfil, que deve o que voê menciona, escrito pelo também documentarista João Moreira Salles (alguém lembra da discussão em torno de seu documentário Santiago? – um predecessor da polêmica sobre a representação e os conflitos da opressão/subalternidade e as relações de afeto, o nó górdio da relação próxima entre as elites e o resto, que também envolveu, com o acréscimo da questão racial, o filme da cineasta Daniela Thomas, Vazante (2017)), que vale a pena reproduzir na íntegra aqui porque retrata com uma eloquência sumária o que o artigo do André Araújo descreve com aflição e incômodo por nós compartilhados. Nem a simpatia aparente do autor pelo personagem do perfil consegue disfarçar os constantes constrangimentos, patetismos, tacanhices, provincianismo (o verniz acadêmico do personagem não o disfarça, mesmo com o pedantismo calculado) e é impossível não rir (gargalhei algumas vezes porque determinadas situações são mesmo ridículas e jocosas) e até ter um pouco de compaixão pelo ridículo auto-imposto por alguém que desperdiçou a oportunidade de ser relevante e se transformou na caricatura medíocre do pseudo-intelectual moldado pelo mercado das idéias. O resultado é uma compreensão do ovo da serpente do que o país vive hoje, e da disputa que o futuro nos impõe. 

      O parágrafo final resume, por seu deboche descarado (numa aparente demonstração de alívio em se revelar depois de tanta pose e dissimulação para manter sua persona e os dividendos correspondentes)  e vaidade inconsequente uma parte considerável do (mau) caráter do sênior fhc (Fachada, Histrionismo, Conservadorismo):

      “Ruth Cardoso registra tudo, sem dar muita atenção. Se há alguém que não cai nos números do marido, é ela. Conta de uma viagem a Buenos Aires, quando passeavam pelo bairro da Recoleta e foram reconhecidos por um ônibus de turistas brasileiros. Confusão instalada, desceram todos e começaram a bater fotos. O sorriso de FHC se abre feito uma cortina. “Olha só pra ele”, alfineta Ruth Cardoso. “Deviam ser todos petistas, Fernando, e você não passava de atração turística.” Ele não se dá por vencido: “Em restaurantes de Buenos Aires eu sou aplaudido quando entro. É que eu traí os interesses da pátria, então lá eles me adoram”. A neta Julia balança a cabeça: “Como é que ele diz essas barbaridades…” “

      Abaixo, reprodução do perfil publicado na edição 11 de agosto de 2007 na revista Piauí, sob título: “O Andarilho”:

      “Plim! Fernando Henrique Cardoso girou a cadeira e se aproximou do computador: “Vejamos se é algo importante”. Não era. Ao término de sua temporada anual na Universidade Brown, no minúsculo estado de Rhode Island, ao norte de Nova York, as mensagens que chegavam pelo correio eletrônico eram todas meio sem graça: questões administrativas, pedidos de alunos para agendamentos de última hora. O ex-presidente pelejava por mudar o horário de seu vôo para Little Rock, a capital do Arkansas, onde teria de estar dentro de dois dias. Fernando Henrique se via às voltas com o mundo bizantino dos e-tickets e suas infinitas alternativas. “Estou mal acostumado, as pessoas tomam conta de mim. No Brasil, são praticamente babás”, resignava-se, arrastando sem muita desenvoltura o mouse.

      Era um tedioso dia de inverno, com largos intervalos de inatividade. Ainda assim, sua agenda indicava quatro compromissos: entrevista a um jornal da Flórida, duas conversas com alunos e jantar com o embaixador chinês nos Estados Unidos. FHC e os EUA não formam uma parceria ideal. A América, para ele, é como a madrinha excêntrica, que provê – convive-se com ela mais por necessidade que por gosto. Naquele dia, o ex-presidente se queixava dos hábitos alimentares de seus anfitriões: “Essa coisa de comer com as mãos, eu não sei fazer isso. E eles gostam de conversar enquanto comem sanduíche. Eu digo não: ou eu falo, ou eu como”.

      Às 11 em ponto, três pessoas entraram na sala. Não que soubesse do que se tratava. Seu modus operandi é simples: as pessoas ligam, ele marca e seja o que Deus quiser. Atende a todos com inegável paciência. “Sou professor at large, o que significa que posso fazer o que eu quiser”. Ele se levantou abotoando o paletó azul-marinho. Havia trazido dois ternos para a temporada americana – o outro, de risca de giz –, comprados por 400 dólares cada na liquidação da loja de departamentos Sacks Fifth Avenue (“Ótimo negócio”, congratulou-se). “É uma entrevista?”, perguntou ao ver um gravador. A jornalista se apresentou: Jane Bussey, do Miami Herald. “Ela já ganhou um Pulitzer”, acrescentou a moça que a acompanhava, meio a troco de nada. “Ah”, FHC sorriu educadamente.

      Durante a próxima meia hora, respondeu com entusiasmo a perguntas triviais, dando à jornalista a impressão de que suas perguntas eram melhores do que pareciam. Comunica-se com facilidade, apesar dos esbarrões no idioma. Ainda segue – e não abdicou de influenciar – a política no Brasil, mas longe do país suas preocupações são outras. América Latina, poder do sistema financeiro internacional e destino da democracia estão entre elas. Quando a jornalista chegou ao tema Hugo Chávez, FHC reagiu: “Vocês perguntam sobre a democracia na América Latina, mas a questão maior é o que acontecerá com a democracia americana. Marx e Tocqueville eram fascinados pela democracia de vocês, pela participação das pessoas na vida pública. Hoje estranhariam muito. Há uma grande mudança em curso. A força do sistema financeiro é tão grande, que acaba por transformar a essência do sistema. Como as corporações se integrarão a essa democracia?” Ele havia lido no Wall Street Journal daquele dia uma notícia que o impressionara: a tentativa de um grupo de investidores de tomar o controle acionário do New York Times das mãos da família Sulzberger, proprietária do jornal há mais de setenta anos. “É um perigo”, reclamou com a jornalista, que já guardava o gravador e agradecia.

      Em tempos de rebuliço político na América Latina, pedem-lhe cada vez mais que opine sobre Chávez. Lula deixou de ter graça nas universidades americanas. “Ele perdeu pontos quando decidiu ser sensato. A sensatez não apaixona. Lula não quebra, Chávez quebra. Esse pessoal de esquerda gosta dos nietzschianos. Lula é cartesiano – a seu modo, pelo menos. Está sempre do lado do senso comum.”

      Plim! “Vejamos”, disse, virando-se de novo na cadeira. Era a confirmação de que o vôo para Little Rock havia sido remarcado. Percebeu que teria de acordar às 5 e meia da manhã, o que de imediato o fez voltar aos desencontros com os Estados Unidos. “Ainda bem que aqui eu durmo cedo”, disse. “No clube em que fico hospedado, o jantar é servido das 17 às 20 horas. Mas me disseram que, se for muito necessário, podem fazer uma concessão.” Permitem-lhe jantar depois das 8? “Não”, esclarece com desalento. “Antes das 5.”

      Ao meio-dia, um rapaz apareceu na porta. De esguelha, FHC deu uma espiada na agenda. Daniel Ferrante, paulista, 30 anos, desde 2 000 nos Estados Unidos, doutor em física por Brown e agora aluno do pós-doutorado. Tinha hora marcada. “Como posso te ajudar?”, perguntou o ex-presidente, indicando-lhe a mesa redonda. Ferrante se ajeitou na cadeira e, em voz baixa, disse: “Presidente, eu quero voltar. Então a minha pergunta é: existe um projeto de nação no Brasil?”

       

      Fernando Henrique está instalado na sala 218 da Rhodes Suite, no Thomas J. Watson Jr. Institute for International Studies. É uma sala confortável e impessoal: bancada para o computador, mesa redonda para reuniões, duas fileiras de estantes repletas de journals de estudos latino-americanos, dezenas de exemplares do mesmo número. FHC guarda seus livros, não mais de vinte, na prateleira sobre o computador, ao alcance da mão. Uma grande janela dá para a rua. Brown significa honorários. “Quando deixei a presidência, fiquei assustado e me perguntei: como vou sobreviver?”

      Alguns meses antes de terminar o segundo mandato, Fernando Henrique convidou um grupo de empresários para jantar no Alvorada, explicou-lhes que pensava criar uma fundação nos moldes das bibliotecas presidenciais americanas – conservaria ali toda a sua documentação presidencial e promoveria palestras e debates sobre o futuro do país – e pediu contribuições. Do encontro nasceu o Instituto Fernando Henrique Cardoso, com dotação inicial de 7 milhões de reais, sua base de operações no Brasil.

      Fora do país, o ex-presidente firmou um contrato de cinco anos com a Universidade Brown. “Eles me pagam um dinheirão, 70 mil dólares por ano, com a obrigação de eu passar no mínimo quatro semanas aqui. Tirando os impostos, dá uns 5 mil por mês. Faz as contas, é muito bom. Antes recebi um convite de Harvard, não aceitei. Brown me pagava o dobro. A Ruth ficou indignada: ‘Mas é Harvard!’ Eu disse: ‘Ruth, a essa altura do campeonato, eu não preciso de glórias. Preciso é de dinheiro’. Nem sabia que dava pra ganhar esse dinheirão todo com uma palestra só. Fiquei cliente do Harry Walker, o mesmo agente do Clinton. Em média, me oferecem 40 mil dólares; ele fica com 20%. Minha vantagem é que eu me viro em quatro línguas, três delas muito bem. Em Praga, uma vez, como nós éramos um grupo de palestrantes, não cheguei a falar nem vinte minutos – pagaram 60 mil dólares. O Clinton chega a ganhar 150 mil.”

      Fernando Henrique está à vontade no mundo. Itamar Franco não se deu bem em Roma e voltou para Juiz de Fora. José Sarney foi até o Amapá para poder retornar ao Senado. Collor passou anos em Miami, voltou a Maceió e agora está de novo em Brasília. Com FHC, há sempre a suspeita de que suas afinidades eletivas estejam mais ligadas a Paris ou Madri que a São Paulo ou Goiânia. Fora do país, ele tem prestígio em círculos acadêmicos e entre ex-governantes. No Brasil, tem influência, mas não poder. Segundo ele, o poder se mede pela quantidade de votos futuros e, por essa conta, seu cacife é nenhum. “Meu tempo passou. Queriam que eu concorresse ao governo de São Paulo. Eu disse: aí eu ganho e no dia seguinte tem rebelião em presídio e prefeito querendo encontro. O Senado é igual. Aquela convivência é muito desinteressante. Chega.” Fala com convicção, parece sincero: depois de trocar idéias com Chirac e Clinton, deve ser meio desanimadora a perspectiva de puxar conversa com Epitácio Cafeteira.

      Por que, então, não se estabelecer no exterior? “Ainda me interesso pelo Brasil. É uma espécie de disciplina intelectual. Vivo bem em qualquer lugar, mas essa coisa de ser brasileiro é quase uma obrigação.” A palavra é forte. Significa, na lógica de FHC, comprometer-se com um país que continuará a ser medíocre: “Que ninguém se engane: o Brasil é isso mesmo que está aí. A saúde melhorou, a educação também e aos poucos a infra-estrutura se acertará. Mas não vai haver espetáculo do crescimento algum, nada que se compare à Índia ou à China. Continuaremos nessa falta de entusiasmo, nesse desânimo”.

       

      “Qual é a tua área?”, pergunta a Daniel Ferrante. “Física teórica, partículas elementares, altas energias…” “Mas isso está muito fora de moda!”, interrompe-o o ex-presidente: “Houve um avanço tremendo no campo da física de partículas, mas faz tempo”. Imediatamente dá meia-volta: “Eu entendo nada de física, mas fui vizinho do Mario Schenberg”. Se a conversa fosse um jogo de xadrez, esse primeiro lance levaria o nome de abertura FHC: primeiro movimento, impressionar o interlocutor; segundo movimento, desarmar-se em seguida, quando a primeira impressão já está sedimentada. Ferrante sorriu: “É verdade, no momento a minha a área não é a mais popular”. O ex-presidente se acomodou na cadeira e passou a responder. Falou sem nenhuma pompa. (Ferrante descreveria o encontro como uma “conversa de cozinha” que lhe trouxe “a sensação de paz interior”.)

      “Um projeto de nação…”, FHC começou. “A pergunta pressupõe que exista um centro decisório, alguém que planeja. Não há mais. O Brasil é um dos últimos países a ter Ministério do Planejamento; na América Latina, acabaram todos. É um dos efeitos do neoliberalismo. Dito isso, acho que tem lugar para você lá. Agora, você vai ganhar pouco…”

      Não é o que inquieta Ferrante: “Emprego eu consigo”, diz o rapaz. “O senhor me perdoa, mas existe o projeto da UniLula, em São Bernardo, eu podia ir pra lá. E sei que vou ganhar pouco. Minha pergunta é outra: existe curiosidade no Brasil? Existe desejo de ciência?” Ele hesita antes de completar: “É que eu sinto essa obrigação de devolver. Minha idéia é criar um fórum de discussão na internet, uma rede de divulgação científica para a comunidade lusófona. Quero tornar o conhecimento acessível a mais gente. É possível, ou eu vou morrer na praia?”

      “Não precisa morrer na praia, não. Mas repito: falta centro.” Fernando Henrique se aproxima de um dos temas que mais o têm ocupado, o da desintegração nacional: “Quais são as instituições que dão coesão a uma sociedade? Família, religião, partidos, escola. No Brasil, tudo isso fracassou. Na América Latina, em certos lugares, 50% das crianças não têm pai, a família se dissolveu. A religião preponderante é a católica, que vive uma crise danada depois que decidiu se lançar na política. As igrejas pentecostais são a própria expressão da fragmentação. Os partidos fracassaram. O último deles foi o PT, que cumpria um papel importante como aglutinador de entusiasmo. No meu governo, universalizamos o acesso à escola, mas pra quê? O que se ensina ali é um desastre. A única coisa que organiza o Brasil hoje é o mercado, e isso é dramático. O neoliberalismo venceu. Ao contrário do que pensam, contra a minha vontade”.

      O ex-presidente já abordara o tema: “Em que momento nos sentimos uma coisa só, uma nação? Talvez só no futebol. O Carnaval é uma celebração. A parada de 7 de Setembro é uma palhaçada. Quem se sente irmanado no Brasil? O Exército, e talvez só ele. Os americanos têm os seus founding fathers. Pode ser uma bobagem, mas organiza a sociedade. A França tem os ideais da Revolução. O Brasil não tem nada. Eu disse para os homens de imaginação, para o Nizan Guanaes: olha, a imaginação do povo é igual à estrutura do mito do Lévi-Strauss, ou seja, é binária: existem o bem e o mal. Eu fui eleito presidente da República porque fiz o bem – no caso, o real. O real já está aí, eu disse. Chega uma hora em que a força dele acaba. O que vamos oferecer no lugar? Ninguém soube me dar essa resposta. Eu também não soube encontrá-la”. E, oscilando entre Lévi-Strauss e Nizan Guanaes, Fernando Henrique encerrou o assunto.

      Daniel Ferrante agradeceu a conversa, embora tivesse saído da sala sem uma resposta clara. Meses depois, cumprindo seu plano original, estendeu a temporada nos Estados Unidos por mais um ano. Ainda não sabe quando volta para o Brasil e o que o espera aqui.

       

      Providence, uma cidade pequena, ostenta como sua maior façanha gastronômica o recorde de lojas de donuts dos Estados Unidos. Fernando Henrique costuma almoçar nas ruas adjacentes ao campus. Ao sair do Watson Institute, caminha dois quarteirões e entra no restaurante Spice, tailandês. O cardápio traz fotografias dos pratos, todos a menos de 10 dólares. “Aqui pelo menos eu como um arrozinho com frango que lembra um pouco a comida do Brasil”, disse ao pedir.

      Fernando Collor fizera dias antes seu primeiro discurso no Senado. Durante mais de três horas, comparara seu calvário ao de D. Pedro I, D. Pedro II, Getúlio Vargas e João Goulart, classificando de “grande farsa” o processo que o tirara da Presidência. Os parlamentares, quase sem exceção, se solidarizaram com o senador, Tasso Jereissati entre eles. A reação impressionou Fernando Henrique. “Li que o Collor sequer pagou os impostos sobre as sobras de campanha. Embolsou e pronto. Como pode? O pessoal do meu partido diz que o que ele fez é menos grave que os escândalos do PT. E isso lá é desculpa? O problema do Brasil não é nem o esfacelamento do Estado. É algo anterior: é a falta de cultura cívica. De respeito à lei. Sem isso, como fazer uma nação?”, pergunta, acabrunhado.

      FHC volta a pé pelas alamedas do campus. Cruza com Richard Snyder, professor de sociologia. Snyder pergunta se no dia seguinte ele poderia conversar com seus alunos. “Qual o assunto?”, quis saber o ex-presidente. “Liderança na América Latina. A sua experiência”, responde o professor. “Ah! Se é pra falar de mim mesmo, então é fácil.” E com um sorriso: “É uma das coisas que mais gosto de fazer”.

      Uma aluna o aguardava na porta da sala 218. FHC, como de hábito, não sabia do que se tratava. A garota, estudante de relações internacionais, havia marcado uma entrevista para o jornalzinho da faculdade e trazia um exemplar de The Accidental President of Brazil, as memórias de FHC, cheia de post-its espetados. O autor sorriu, garboso. As perguntas, quase colegiais – Por que o senhor publicou este livro? Qual foi a reação do público? O senhor escreve como ex-presidente ou como sociólogo? –, novamente receberam respostas elaboradas. A cada uma delas, a garota exclamava “Oh, thank you!” Ao explicar a recepção do público à obra, FHC não resistiu: “Na Amazon, os leitores avaliam os livros por um sistema de estrelinhas. My book is full of stars“. “Oh, thank you!”

       

      Presidencial, de terno escuro e sobretudo azul-marinho pesado, às 2 da tarde do dia seguinte Fernando Henrique atravessa o campus ao lado do professor Snyder. Tem as mãos enfiadas nos bolsos. “Odeio frio”, murmura. Faz 4 graus. Logo antes de alcançarem o prédio, Snyder informa: “O curso se chama Desenvolvimento, Mercados e Estados“. Lutando com os cabelos que uma rajada de vento tornara selvagens, FHC comenta: “Mercados e estados? É um diálogo de surdos”. Na sala de aula, apertada, há cerca de cem estudantes. Um deles veio cochichar no ouvido do professor: “A gente vai ter que sair mais cedo pra protestar contra a presença do embaixador chinês”. Snyder suspira. Leva o convidado até uma cadeira espremida entre a primeira fila e o quadro-negro, pede silêncio e faz uma breve apresentação do palestrante, “um dos grandes teóricos do desenvolvimento”. FHC se levanta.

      Abertura FHC II, a estratégia da auto-esculhambação: “Quero corrigir o professor de vocês. Não é verdade que estudo a questão do desenvolvimento há quarenta anos. Estudo há cinqüenta”. Funciona, em parte. Ouvem-se risadinhas.

      Toca um celular, alguém boceja, uma menina abre o caderno e, de caneta em punho, se prepara para anotar. FHC fará uma recapitulação do conceito de desenvolvimento, da década de 60 até o presente. “Nosso trabalho era uma crítica ao capitalismo. Falávamos em dependência, em subdesenvolvimento, nunca em países em desenvolvimento, porque os países centrais não desejavam o desenvolvimento dos periféricos.” Didaticamente, explicita a pergunta que dominou sua carreira de sociólogo: “Como se desenvolver nesse quadro?” Os modelos da época vislumbravam uma só alternativa: ruptura e revolução. Explica que sua contribuição foi “introduzir complexidade” na teoria. Países de economia mais diversificada, como o Brasil, seriam capazes de se desenvolver com capitais externos. A posição teórica de Fernando Henrique afastou-o da opção revolucionária. O livro que escreveu com o sociólogo chileno Enzo Faletto, Dependência e Desenvolvimento na América Latina, até hoje sua obra mais importante, abriu caminho para uma reforma do sistema, dentro do sistema. Sessenta minutos depois, usará na conclusão o que lhe restou do marxismo: “É preciso ter consciência de que todos os processos são históricos e, portanto, passíveis de mudanças. Ao mesmo tempo, é preciso saber que as estruturas são resistentes e limitam as alternativas. Quando mudei da academia para a política, sabia o que podia ou não fazer. Não sei se isso é bom. Conhecer de antemão as conseqüências e as limitações pode ser frustrante”. Certamente, não permite pensar o impensável, ou, para usar um termo dele, não permite “quebrar”. “A lucidez é um estorvo”, declarou.

      O grupo de alunos que vai protestar deixa a sala. Os que ficam fazem perguntas. Uma menina levanta a mão: “Qual a diferença entre ser ministro da Fazenda e presidente?” Ele não hesita: “O Brasil não tem guerras, não tem inimigos. É uma beleza ser chanceler. Nosso adversário era a inflação, e foi onde me jogaram, na Fazenda: é o pior emprego do mundo”.

      No final da aula, já fora do prédio, cinco alunos o rodeiam. Apesar do frio, um rapaz ruivo e sardento está de sandália de dedo, camisa havaiana e uma toalha molhada em torno do pescoço. FHC, tentando domar os cabelos, se vira à esquerda e à direita para atender à diminuta platéia. Não podia estar mais feliz. “Eles gostam muito disso”, comenta minutos depois, a caminho da palestra do embaixador chinês. Para entrar no auditório, é preciso atravessar um corredor polonês de jovens que protestam. Entregam-lhe um panfleto que proclama: “Genocídio em Darfur – A China é cúmplice”. Ele sorri: “Como eu ia dizendo, é bom ser brasileiro: ninguém dá bola”.

       

      No pequeno e tumultuado aeroporto de Providence, a fila no balcão da US Air se espichava em ziguezague até o meio do saguão. Passava um pouco das 7 da manhã. De terno, carregando na mão uma pasta e o sobretudo, o ex-presidente ia empurrando uma mala espantosamente vermelha. “As malas têm de ser berrantes, senão levam a sua sem querer.” Seu bilhete para Little Rock, com escala em Chicago, estava marcado para as 8 horas e 24 minutos. Quinze minutos depois, a fila não avançara um passo. FHC decide assuntar.

      Descobrindo que o vôo seria operado pela Delta Airlines, cruzou o saguão até o balcão da companhia. Não havia filas. Entregou o passaporte e a passagem e pôs a mala na balança: 28 quilos, oito a mais do que lhe dava direito a classe econômica. Vem a conta: 50 dólares. “Expensive, no?” Abre a carteira. Na esperança de um desconto, tenta passar uma conversa: “Estou aqui há um mês, sou professor, são meus livros…” Nada. Paga resmungando e, a pedido da funcionária, arrasta a mala até a esteira dos raios X. Na fila da segurança, tira os sapatos, põe o casaco na bandeja, os sapatos, a pasta. “Não, não tenho laptop”, responde ao agente. Passou pelo detector de metais, recuperou os sapatos, sentou-se para calçá-los. Não há porte presidencial que resista.

      “Eu podia pedir o acompanhamento do Secret Service” – privilégio pessoal, não necessariamente extensivo a todos os ex-chefes de Estado –, “o que evita essas filas, isso de tirar o sapato, mas aí os americanos sabem que estou aqui e vira uma chatice. Sou obrigado a ir a recepção, a jantar. Prefiro sozinho. Além do mais, não acho que minha honra ou a do Brasil caiam por terra abaixo quando tiro os sapatos…” Como não havia tido tempo de tomar café e o painel avisava que o vôo atrasaria, FHC entra numa lanchonete T.G.I Friday’s. Corre os olhos pelo cardápio gorduroso e, desanimado, encomenda um misto quente. Entre goles de um café hediondo, relembra alguns dos homens que conheceu no poder.

      “Tenho horror ao Bush, horror pessoal.” Tiveram o primeiro encontro na Casa Branca. “O Bush se gabou de que seria conhecido como o maior poluidor do planeta. ‘Vou abrir o Alasca para o petróleo. Podem reclamar, mas o mundo precisa que os Estados Unidos sejam fortes.’ O incrível é que ainda assim consegue ser um homem simpático, desses que dão soquinho no ombro da gente. Mas não sabe nada. Uma hora, falei da nossa diversidade racial, os espanhóis, portugueses, japoneses… Ele perguntou: ‘And do you have blacks?’ A Condoleezza deu um pulo: ‘Senhor presidente, o Brasil tem a maior população de negros fora da África!’ Ele não sabe nada”, recorda com desapreço.

      Bill Clinton, Nelson Mandela e Felipe González são os três líderes que FHC mais admira. “O González e o Clinton são assim: quando entram na sala, todos se viram. São naturalmente maiores. Agora, o Mandela é a força moral. Até o Clinton se sente humilde quando se aproxima dele.” Com Chirac, se dá muito bem. São ambos hedonistas, antipuritanos. Putin é outra coisa, um obcecado pela força: “Vai reconstruir a Rússia. É um autocrata que foi subestimado no início. Eu teria medo do Putin”.

      O avião decola com uma hora de atraso. FHC tenta cochilar, mas está num assento de corredor e é acordado duas vezes – a primeira, pelo passageiro da janela; a segunda, pelo do meio.

       

      Com 76 milhões de passageiros por ano, o Aeroporto O’Hare, em Chicago, é o mais movimentado dos Estados Unidos. Ao desembarcar no terminal A, Fernando Henrique é informado de que a conexão para Little Rock partirá do terminal C, dali a dezoito minutos. Para ir de um a outro, cruza-se por salões e corredores abarrotados. Tomam-se passagens subterrâneas. Escadas rolantes. Esteiras. Alças de conexão. Há gente por todo lado – dormindo, comendo, comprando, correndo, bocejando, gritando, espirrando, digitando. “Que venha a depressão”, murmura Fernando Henrique, olhando o relógio e apertando o passo.

      A placa indica que é por ali. Depois, que é por ali. Logo adiante, aparecem duas setas – em desacordo. Entra-se por um corredor, volta-se atrás. Às 11 horas e 27 minutos, o ex-presidente alcança enfim o portão C-18. Aproxima-se num quase trote, braço esticado, passagem e passaporte à mão. A funcionária balança a cabeça. O vôo das 11 horas e 25 minutos fora encerrado havia alguns minutos. Fernando Henrique olha pelo vidro. O avião está ali, à vista, inatingível. “E a minha mala, que foi etiquetada para esse vôo?”, pergunta serenamente. “Deve seguir no próximo avião para Little Rock”, responde a funcionária, sem tirar os olhos dos cartões de embarque dos que não perderam o vôo. “E quando sai o próximo?”, continua o ex-presidente, imune ao desinteresse da moça. Com um suspiro eloqüente, ela deixa os cartões de lado e analisa o monitor: “Dentro de três horas. Mas é preciso ver se não está lotado”.

      Na melhor das hipóteses, ele chegará para a palestra com folga de apenas uma hora e meia. Saca um celular da pasta – é a primeira e última vez que será visto com o aparelho nas próximas duas semanas – e tenta falar com Brown, para que o ajudem a avisar seus anfitriões sobre a conexão perdida. O telefone não funciona (ou ele não sabe operá-lo). Desiste, mas consegue remanejar a passagem. Como Inês é morta, decide investigar o cardápio de um restaurante italiano que descobre entre dois portões. Escolhe, e come sem pestanejar, um duvidoso fettuccine Alfredo, acompanhado de Coca light.

      Serão quase duas horas de Chicago a Little Rock. Apertado num avião regional fabricado por canadenses – “canadenses miudinhos”, segundo a comissária de bordo –, Fernando Henrique retoma a narrativa de seu trajeto político e intelectual. Ele pertence a uma geração que teve a ambição de mudar a história. Ao chegar ao poder, constatou que as possibilidades de transformação eram limitadas; acertadamente ou não, julgou que inexistiam alternativas. Levou adiante seu projeto de governo com convicção pragmática, mas sem adesão ideológica – é o que se infere. “Fiz o que fiz faute de mieux“, afirma. “Lamento não ter podido contar com melhores instrumentos. Imagine, eu ser confundido com a idéia de Estado mínimo…”

      Esse é seu drama. Quando está entre alunos e professores, gasta boa parte do tempo defendendo-se da tese de que sua agenda e seu legado pertencem ao ideário neoliberal. É enfático: “Acontece que nunca fui um idealista, no sentido de utópico. Sou um realista, sei até onde é possível ir. Há um momento em que a realidade se impõe. Sou um pragmático, no sentido americano. Diante do Estado inepto e da prevalência da burguesia estatal, privatizar era o jeito”. Tenta explicar: “Batizaram de Consenso de Washington a constatação de que o Estado estava falido e de que não se pode gastar o que não se tem; se tivessem batizado de Consenso de La Paz, não teria havido problema”.

      Por trás da retórica do pragmatismo, detecta-se uma lassidão. No 18 Brumário – um dos três livros que FHC recomenda ao leitor no prefácio das suas memórias –, Marx fala em “verdades sem paixões” e “história sem acontecimento”. O sentimento é semelhante.

       

      Oavião estava prestes a aterrissar em Little Rock. FHC espiou pela janela “Parece o Mato Grosso…”, disse, com um muxoxo. No desembarque, esperavam-no dois funcionários da Biblioteca e a argelina Danielle Ardaillon, sua assistente por anos, uma mulher bonita, de rosto anguloso, que viera a Little Rock apenas para a ocasião. Há um outro brasileiro na chegada. Também estava viajando há mais de dez horas. Reparava agora, aflito, que às 5 da manhã, zonzo de sono, vestira paletó e calça de ternos diferentes e que não daria tempo de passar no hotel para trocar de roupa. “Sem problema”, tranqüilizou-o Fernando Henrique, “do Brasil eles esperam tudo.”

      Com 200 mil habitantes, Little Rock seria desconhecida até dos americanos se não tivesse servido de trampolim para Bill Clinton, que está para a cidade como a torre Eiffel está para Paris. Na Clinton Avenue, pode-se entrar na Clinton Store e comprar bonecos Clinton que tocam sax, pequenos Clintons falantes (21 frases memoráveis do ex-presidente), camisetas e gravatas com seu rosto, livros de culinária com suas receitas prediletas. Ainda que o Arkansas seja a sede da Wal-Mart, a maior rede de varejo do mundo, Clinton é uma indústria de peso para o estado. O William J. Clinton Presidential Center domina a cidade. Inaugurado em 2004 a um custo de 165 milhões de dólares, reúne a biblioteca presidencial, escritórios administrativos e a Clinton School of Public Service, que oferece o único mestrado em serviço público do país.

      A agenda de FHC lembra as excursões que fazem doze países em sete dias. Cada hora é minuciosamente ocupada. Das 16 horas e 30 minutos às 17 horas e 30 minutos, levam-no a uma recepção no amplo apartamento pessoal de Clinton, no último andar da biblioteca, com vista infinita para a cidade, o rio e a planície. Clinton não está presente. Há políticos e empresários locais, gente da sociedade. Umas cem pessoas se espalham pelos cômodos. Todas sorriem institucionalmente. Um pianista negro tocando Garota de Ipanema. Em estantes repletas de livros meticulosamente arrumados, nota-se um ecletismo incapaz de refletir os interesses de um só leitor: madre Teresa de Calcutá ao lado de Naipaul, Edna O’Brien junto a tratados sobre protestantismo americano. A idéia de vigor e juventude, tão cara à imagem rock’n’roll que Clinton fez questão de projetar, se traduz em quadros de inspiração expressionista cujo tema quase invariável é o ex-presidente e seu sax; certos traços, elétricos, parecem ter sido feitos por um gato que, sem sucesso, tentou se agarrar à tela. Fernando Henrique é levado ao quarto dos Clinton: visita o guarda-roupa deles, o banheiro. Com rigor prussiano, o apartamento se esvazia às 17 horas e 25 minutos.

      Os próximos quinze minutos determinam uma visita à biblioteca presidencial. O anfitrião é Mack McLarty, um homem de 61 anos, baixo, impecavelmente educado e mãos muito pequenas. Amigo de infância de Clinton, foi chefe de sua Casa Civil. O roteiro é compacto: réplica em tamanho natural do Salão Oval, arquivos com a documentação presidencial e, por fim, num golpe de coreografia perfeita, um grande painel intitulado Comunidade Global, com imensas fotografias dos doze líderes de que Bill Clinton se sentiu mais próximo. Entre eles, dois ex-presos políticos (o checo Vaclav Havel e o sul-africano Nelson Mandela), um ditador (o chinês Jian Zemin), um rei (Hussein, da Jordânia, que contribuiu para a construção da biblioteca) e Fernando Henrique, que sorri, envaidecido.

      Das 17 horas e 45 minutos às 18 horas, descanso. FHC é levado a um quartinho com duas poltronas e um sofá curto. Tira a almofada da poltrona, ajeita-a na cabeceira do sofá, deita-se. Vira de lado e encolhe as pernas – a posição fetal é a única viável. Pede que apaguem a luz.

      Às 18 horas e 10 minutos, McLarty apresenta “o mais bem-sucedido presidente da história do Brasil”. Da soleira do grande salão, o homenageado ouve as palavras que costumam acompanhar discursos sobre o país: “Amazônia”, “Garota de Ipanema” e, novidade recente, “ethanol“. Na platéia, aguardam-no cerca de 300 pessoas, entre as quais o prefeito, o vice-governador, empresários e senhoras da sociedade local, além dos 21 alunos da Clinton School. O convidado está cansado, pede desculpas – gostaria de falar de improviso, mas estava viajando havia quase treze horas. Começa a ler sua palestra, “Desafio à democracia na América Latina”. Falta ao Brasil “a convicção profunda de que a lei conta”, dirá. Uma hora depois, encerra a conferência com um floreio retórico: “Hoje, só o mercado produz coesão. Mas o mercado é bom para produzir lucros, não valores”.

      É aplaudido de pé, e pelos vinte minutos seguintes autografará uma pilha de The Accidental President of Brazil, além de posar para dezenas de fotos de celular. Sorri em todas, mas desiste de arrumar o cabelo, que a essa altura adquiriu vida própria. Consulta a agenda numa brecha: das 19 horas e 30 minutos às 21 hora, jantar na casa de McLarty.

      Às 21 horas e 30 minutos, quinze horas depois de sair do seu quarto em Providence, FHC é deixado na porta do hotel. Faz seu próprio check-in.

       

      Sapatos, casaco, pasta, raio-X: às 8 horas e 45 minutos, estava a postos para o vôo Delta com destino a Atlanta, com conexão às 15 horas para Raleigh Durham, na Carolina do Norte. Desta vez, bilhete de executiva. O avião pousou às 11 horas em Atlanta, sem atrasos, o que significaria quatro horas de espera. Fernando Henrique buscou uma área tranqüila para rever seus papéis e fazer emendas na conferência programada para dali a dois dias, na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Sentou-se ao lado de uma senhora que folheava a revista People e chupava um picolé. Meia hora depois atinou que, se era executiva, então dava direito a sala VIP. “E eu sofrendo no meio do povo à toa”, deduz, recolhendo seus papéis à pasta.

      Às 13 horas e 30 minutos, sai em busca de um restaurante, sempre espantado com a quantidade de gente, com a obesidade generalizada, com o excesso de tudo. Ao avistar dois assentos vazios no balcão de um bar, instala-se antes que sejam ocupados. Acima de sua cabeça, há três TVs ligadas em três canais diferentes, um deles de rap. “Este é um país muito barulhento”, constata, quase gritando para ser ouvido. Sua salada Caesar lhe chega direto da geladeira, envolta em celofane. Ele ajuda com Coca light.

      Anima-se com o compromisso em Chapel Hill, onde estará em um de seus ambientes naturais. Suas reminiscências se dividem entre a vida acadêmica – que trata com seriedade – e a vida política – de que gosta, embora tente disfarçar com doses de ironia.

      “O melhor professor que tive no Brasil foi o Antonio Candido. As aulas, impecáveis, começavam e terminavam no horário, sem um minuto a mais ou a menos. Um raciocínio límpido, extraordinário. Candido é meu amigo, a ligação dele com o PT jamais foi um entrave. Nunca tive problemas com pessoas que discordaram de mim politicamente. Roberto Schwarz é meu amigo, esteve em casa outro dia mesmo. Agora, quando a divergência escorrega para o terreno pessoal, aí eu me desaponto. Quando dizem que fiz isso ou aquilo em busca de vantagem pessoal, acho imperdoável. Foi por isso que acabei me afastando de dois amigos – e só de dois: o Chico de Oliveira e a Maria da Conceição Tavares”, disse, referindo-se ao sociólogo que foi seu colega no Cebrap e à economista filiada ao PT.

      FHC sai em defesa de seu sucessor quando o tema são ataques pessoais. “Não acredito que Lula tenha práticas de enriquecimento pessoal”, diz. “O que há é que ele é um pouco leniente. O partido ajuda daqui, ajuda dali e ele vai deixando, acha que é normal. No fundo, não há nada de muito grave nisso. Mas era melhor dizer: fulano me ajudou a comprar o apartamento, o partido me deu tal dinheiro. Lula não pensa em dinheiro. Ele gosta do poder, e gosta da vida boa.” É semelhante sua opinião sobre José Genoino e José Dirceu: “Genoino não é desonesto, Dirceu também não. Dirceu é outra coisa…” Sorri. Espera o raciocínio se completar: “Dirceu é o Putin que fracassou”.

      Dentre amigos e colaboradores, é imensa a admiração intelectual por Pérsio Arida e André Lara Resende. Lamenta que tenham se retirado da vida pública e deixado de produzir: “Não deviam ter parado tão cedo. É que existe essa mania de ganhar dinheiro. Ganharam, e agora não sabem o que fazer. Eu digo: ‘André, você não pode ficar assim, volta a trabalhar’. Ele fica lá com o aviãozinho dele, pra cima e pra baixo. É uma loucura”, diz, enquanto fecha a conta. Não guarda canhotos de cartão de crédito. “Ruth guarda todos. Eu não, sou muito desorganizado”, gesto de quem não liga para dinheiro ou privilégio de quem não precisa mais se preocupar com essas coisas.

      Se há um político brasileiro de quem Fernando Henrique não gosta é Delfim Netto. Em seu cauteloso livro de memórias, A Arte da Política, trata praticamente todos os personagens com luvas de pelica. Delfim é a exceção. “Não gosto mesmo”, reitera. “Ele atrapalhou muito o real, mas isso não é o mais importante. Um brigadeiro me trouxe um documento, nem sei se isso mais tarde se tornou público. Era uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, Costa e Silva presidente. A questão era cassar ou não o Covas. O ministro da Marinha, Rademaker, era um duro, defendia a cassação. Costa e Silva, que no fundo era um bonachão, contemporizava: ‘Por que não cassamos sem tirar os direitos políticos?’ Rademaker argumentava que não ia adiantar, ele se reelegeria. Havia um impasse. Foi quando se manifestou o ministro da Fazenda, o Delfim: ‘Esse eu conheço, é de Santos, um comunista’. Aí acabou: cassaram. Delfim mentiu. Covas nunca foi comunista, não era sequer ligado à esquerda. Era um janista, um conservador. Tenho horror ao Delfim.”

      Delfim Netto nega a história com veemência. Afirma que não se faziam atas de processos de cassação e que chegou a ajudar Covas a arrumar emprego depois da cassação. “Que o Fernando apareça com a ata”, desafia, “ou vai passar por mentiroso.”

       

      Opresidente está hospedado numa residência que pertence à Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, a mais antiga instituição pública de ensino superior dos Estados Unidos. As instalações são estupendas. Chão de tábua corrida, solenes sofás de couro, poltronas de espaldar alto, mesas de jacarandá, retratos a óleo de personagens históricos, cenas de caça e uma mesa de bilhar de pano vermelho. O quarto de Fernando Henrique tem cama com baldaquino.

      Às 11 da manhã ele aparece no salão, de jeans. Junto à lareira, com uma equipe amadora de filmagem, espera-o o professor de sociologia Arturo Escobar. Ao se dar conta de que a entrevista será gravada, FHC declara: “Estos pantalones non son presidenciales“. Vai até o quarto e volta de blazer e gravata. As perguntas, bem elaboradas, retomam concepções que desenvolveu há décadas. Como de hábito, ele se vê desafiado a defender a continuidade entre suas idéias como sociólogo e as que implementou como presidente. O neoliberalismo é uma espécie de assombração que ele se vê forçado a exorcizar a cada entrevista.

      “O que houve não foi uma ruptura epistemológica no meu trajeto intelectual, mas uma ruptura ontológica no mundo”, afirma. “No final da década de 80, não estávamos mais enfrentando teorias, mas realidade. Olhamos o que existia e estava tudo aos pedaços. Estávamos falidos. Fomos forçados a privatizar, não havia outro jeito. Mesmo assim, não privatizei tudo – porque não era necessário. Acredito no papel do Estado.” Para Fernando Henrique, seu verdadeiro legado acadêmico é de ordem metodológica e não ideológica. Foi uma lição que aprendeu com Florestan Fernandes: “Colete todos os dados, compreenda todos os pontos de vista”, ensinava Florestan. “Minha mente não é tomista, estou sempre ligado à realidade, nunca me orientei por abstrações.”

      Reage à idéia de que a América Latina estaria se voltando para a esquerda: “Não é esquerda, é populismo: o líder falando diretamente com as massas, sem o intermédio das instituições”. Esse é um ponto crucial. Se Chávez é percebido como progressista, imediatamente FHC se torna um conservador, rótulo do qual tenta se livrar a todo custo. Repetirá inúmeras vezes que o populismo é autoritário e regressivo. “Esquerda clássica é o Allende, esse sim queria romper com o sistema capitalista. Chávez opera no nível ideológico. Na prática, ele vende para os americanos e a burguesia venezuelana está ganhando dinheiro”, argumenta.

      Antes de almoçar, volta ao quarto para repassar a programação. Entre aulas, almoços, palestras, conversas com alunos e jantares, a agenda prevê um compromisso a cada duas horas. Receberá honorários? “Acho que sim. Essas coisas eles não conversam comigo, mas vou perguntar lá no Brasil, porque do jeito que estão me fazendo trabalhar, tomara que o dinheiro seja bom.” Torce para que chegue a 10 mil dólares, no mínimo.

      Depois de três dias à base de lanchonetes de aeroporto, Fernando Henrique senta-se feliz à mesa de um restaurante de verdade. Como é domingo, o que encontra é um brunch. Desconfiado, investiga o conteúdo de salvas de prata e rescaldeiros. Pega um prato e se serve, não sem antes consultar o cartãozinho diante de cada iguaria. Evita combinações menos ortodoxas. Ao redor, pessoas misturam costeletas de carneiro com panquecas, salmão com rabanada. “A Ruth sempre diz que os Estados Unidos precisavam ler Lévi-Strauss. O cru e o cozido, o doce e o amargo, esses contrastes. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Eles misturam tudo”, diz, apontando um prato vizinho com indícios de peixe e melancia.

      Ele come lentamente. Fala das diferenças entre os dois grandes nomes de seu partido e, certo de que seu tempo ficou para trás, não precisa mais sopesar cada palavra. “Sou mesmo a única oposição, mas estou me lixando para o que o Lula faz. O problema é a continuidade do que foi feito. Serra quer ser presidente e então vai àquele encontro dos governadores em que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi posta em xeque. De concessão em concessão, a vaca vai pro brejo. Serra não disse nada porque vai se beneficiar com isso. Ele seria um bom presidente. Quebra lanças. Aécio é mais conservador, acomoda mais. Isso dito, politicamente Aécio é fortíssimo. Pode ser menos preparado que o Serra, mas é popularíssimo. Não precisa provar mais nada. Serra precisa. O governo dele em São Paulo é que decidirá, e o início não foi brilhante. Agora, o Aécio gosta demais da vida privada dele. Pode parecer banal, mas é assim que as coisas funcionam. Com a presidência, muda tudo. Como ele não poderia mais ter a liberdade de que goza hoje, prefere pensar que tem tempo pela frente.”

      Fernando Henrique atravessa o campus em direção ao clube, onde descansará até o próximo compromisso. Gosta de conversar enquanto caminha a passos lentos, as mãos trançadas nas costas: “Sou cartesiano com um pouco de candomblé. Porque, no Brasil, sendo só cartesiano não se vai longe. Já o Lula é o Macunaíma, o brasileiro sem caráter, que se acomoda”. A frase não soa pejorativa nem parece comportar um juízo moral. Para ele, Lula é aquele que se amolda, que nunca bate pé ou explicita suas posições. Um camaleão.

      FHC é capaz de elogiar adversários históricos e criticar aliados. “Os militares fizeram coisas bem-feitas. De certa maneira, construíram um Estado. Telecomunicações é coisa deles. Collor, este sim, seguiu uma receita neoliberal burra e destruiu o Estado. Mas, antes dele, quem realmente desmanchou a máquina do Estado fomos nós da oposição, o PMDB, no governo Sarney. Foi quando começou o loteamento dos cargos, todo mundo querendo uma fatia, uma sede tremenda e o Sarney entregando. Tudo foi trocado contra favores, uma vergonha. O regime militar tinha ocupado as empresas estatais, militares reformados em diretorias, essas coisas. Com o PMDB, o que se loteou foi a máquina do Estado: ministérios, hospitais, todo tipo de órgão, até o mais insignificante, tudo. O Estado desapareceu, virou patrimônio dos políticos.” O próprio Fernando Henrique, no entanto, ao chegar à Presidência, parece ter concluído que política no Brasil era assim mesmo. Protegeu os três ministérios que considerava essenciais – Saúde, Educação e Fazenda – e entregou o resto aos de sempre, sob o argumento de que era isso ou a paralisia. Acomodou-se, a seu modo. Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça.

      Depois do almoço, novo encontro, agora com alunos escolhidos por mérito e excelência. FHC chega às 16h em ponto e troca palavras com quem já está ali. Quando chega finalmente a professora, traz um exemplar de Dependência e Desenvolvimento. Para espanto de todos, Fernando Henrique estica o braço e, fulminante, furta-lhe o livro. “Vejamos que edição é esta”, diz. “É que eles nunca me informam qual a edição e não me pagam” – abertura FHC III, a do homem comum. Os vinte e tanto alunos estão ganhos. Diante de seu realismo cético, um rapaz quer saber: “Quem explica o mundo de hoje?” “O maior erro dos pensadores sociais clássicos foi o sonho de produzir um mundo homogêneo. Isso jamais acontecerá. Hoje, o que falta é uma síntese, uma atualização de Marx e os outros. Quem sabe você não a faz?”, devolve ao rapaz. “Se fizer, por favor me cite.” E encerra com o velho sorriso do sedutor em tempo integral.

       

      De banho tomado e terno repassado, FHC assumia na noite seguinte o pódio do auditório de Chapel Hill. Era o seu quarto compromisso do dia, uma palestra para 500 pessoas. Numa sala adjacente, outra centena o acompanharia por um telão. Falou durante uma hora, lendo vinte páginas de texto. Estava cansado, as palavras em inglês se atropelavam. Para adiantar o expediente, foi comendo etapas do raciocínio, acrescentando and so on and so forth, “e assim por diante”, às opiniões sobre Hugo Chávez, Evo Morales, globalização, fracasso da democracia. Aplaudiram-no de pé, talvez mais como reconhecimento ao esforço evidente e à simpatia que à clareza das idéias. Depois de uma longa sessão de fotografias – a invenção dos celulares que fotografam foi um mau momento para as celebridades, mesmo as acadêmicas –, terminou a noite numa lanchonete de estudantes especializada em pizza em fatias. O jantar custou 6 dólares.

      Às 8 horas da manhã, comia com gosto um prato de panquecas regadas a maple syrup, seguidas de morangos com iogurte. Ia respondendo a perguntas: como comem os supremos mandatários? Banquetes de Estado são suculentos? Como é a comida em Buckingham, por exemplo? “Péssima!”, garante. “Agora, é de uma formalidade extraordinária. Primeiro, a rainha vem te receber em Victoria Station. Aí nós entramos numa carruagem para o trajeto até o palácio. Como estava frio, eles estenderam uma manta. Eu do lado da Elizabeth, a manta por cima da gente. Pensei: Ai, meu Deus, agora é que minha perna encosta na da rainha.” No palácio, foi apresentado a seus aposentos: “Ela mostra tudo: abre as gavetas, abre os armários, mostra o banheiro, mostra o chuveiro, é estranhíssimo. Depois vem a troca de presentes. Só que o Itamaraty nunca me dizia o que eu ia dar e eu peguei o primeiro que estava na minha frente. Ela ficou espantadíssima: ‘But it is my horse!‘ – era um óleo do cavalo dela. Fiquei contente, ela havia gostado. Só então me dei conta do desastre: eu tinha acabado de presentear a rainha com o presente que ela ia me dar. O Rubens Barbosa, o embaixador, preparara durante meses o jantar de homenagem que ofereceríamos na nossa embaixada. Os royals chegaram todos, e nos sentamos à mesa. A Margareth, que é meio diferente, às tantas gritou para a rainha, lá do outro lado da mesa: ‘Lilibeth, this wine is very bad!’ – aquele silêncio. A rainha ficou vermelha, furiosa. E não é que tinha razão? O vinho havia passado do ponto. Ela é divertida. Durante a recepção, apontava a Elizabeth e repetia: ‘The queen wants a dry martini‘. E a rainha respondia, cada vez mais vermelhinha, bravíssima: ‘I do not want a dry martini‘.”.

      Fernando Henrique é Cavaleiro da Ordem de Bath: “Minhas filhas podem se casar na catedral de Westminster, eu posso ser enterrado lá e tenho direito a tomar banho com a rainha”. Não pretende exercer o terceiro privilégio e tentou em vão convencer a filha Bia a fazer uso do primeiro. Quanto ao segundo, “já disse à Ruth: junto o meu dinheirinho e quando morrer vou pra lá de avião, direto pra Westminster”. Ele brinca, mas gosta das liturgias do Velho Mundo. No Brasil, seria difícil manter qualquer sonho hierático. “Parada militar no Brasil é pobre pra burro”, observa o homem que teve de presidir a oito festejos de 7 de Setembro. “Brasileiro não sabe marchar, eles sambam. Somos o povo menos marcial do planeta.” Chateação sem tamanho: “A cada bandeira de regimento, a gente tinha de levantar, era um senta-levanta infindável”, lembra-se com um esgar de pavor. Sem falar dos cabelos: “Em setembro venta muito em Brasília, então o cabelo fica ao contrário”.

      Fernando Henrique termina o café e segue para o aeroporto. Seu destino é Madri, com escala em Nova York, em classe executiva na travessia do Atlântico. Depois do jantar a bordo, alterna a leitura de A Marcha da Insensatez, da historiadora americana Barbara Tuchman (em tradução), com um thrillerestrelado por Nicolas Cage. No Aeroporto de Barajas, de manhã, pela primeira vez recebe tratamento de ex-chefe de Estado. Um carro e dois funcionários do Itamaraty o aguardam na pista. É levado a uma sala onde alguém se encarrega dos trâmites de imigração e alfândega.

      Dali a seis horas estaria sentado em torno de uma mesa em forma de U, numa sala confortável no subsolo do hotel Grand Meliá Fénix. Era a reunião do comitê executivo do Clube de Madri, que já presidira. A organização reúne 66 ex-governantes. Clinton é presidente honorário, o gigante ausente sobre o qual todos falam. Estão ali, entre outros, dois ex-presidentes da Colômbia, Andrés Pastrana e César Gaviria, que não larga o celular; as ex-presidentes da Irlanda e da Islândia, a severa Mary Robinson e a silenciosa Vigdis Finnbogadóttir; o ex-presidente de Moçambique Joaquim Chissano; os ex-primeiros-ministros da Bulgária e da Romênia Philip Dimitrov e Peter Roman (que passa parte da reunião folheando um jornal). À direita de FHC, está o ex-primeiro-ministro da Noruega (“Esse é novo, caiu há pouco tempo”, explicará mais tarde). Ricardo Lagos, do Chile, é o novo presidente do Clube.

      É uma reunião árida. Questões administrativas, financeiras e de agenda são tratadas ao longo de três horas. O aperto fiscal parece premente. César Gaviria, dadas as dificuldades financeiras, chega a sugerir que o Clube vá buscar recursos junto a empresas espanholas. “Podíamos até pôr o logotipo delas naqueles painéis atrás de nós quando a gente fala em eventos…” A sugestão é prontamente rechaçada por Mary Robinson, com voz de chumbo: “Não me agradaria ver o Clube associado a determinadas empresas”.

      Fernando Henrique sugere restringir um pouco a extensa agenda do ano: aquecimento global, Darfur, apoio à reforma constitucional no Equador, liberdade de associação em países muçulmanos da África, construção de uma sociedade democrática no Kosovo. Passam a uma longuíssima discussão – quarenta minutos – sobre a situação kosovar. Está em causa a conveniência ou não de enviar um representante do Clube a um seminário sobre a independência da região. Alguns membros fincam olhares perdidos nas paredes brancas, outros se distraem com rabisquinhos em papel timbrado do Clube.

      À noite, Fernando Henrique vai a um restaurante especializado em cabrito, sua primeira refeição européia. Para quem veio de uma temporada nos Estados Unidos, a alegria é grande.

       

      Oex-presidente dormiu bem aquela noite. Tão bem que, às 9 da manhã, um ônibus com todos os ex-governantes a bordo esperava por ele – em vão. O Clube de Madri co-patrocinava uma conferência internacional sobre cidades globais e era imperativo que seus membros chegassem na hora, sob pena de fazer naufragar o evento. Ricardo Lagos abriria a conferência. A responsável pelo protocolo, uma moça eficientíssima, decidiu que não esperava mais. O ônibus partiu com quinze minutos de atraso, a reboque de batedores que lhe abriam caminho para o centro de conferências. FHC surgiu no lobby do hotel a tempo apenas de ver o comboio se afastar. Esticou o braço e foi de táxi.

      A primeira mesa-redonda, “Protagonismo da grande cidade e o papel das políticas públicas”, dura quase duas horas. Na primeira fila, César Gaviria dorme à larga, a cabeça para trás. Fernando Henrique cochila discretamente, com o rosto apoiado na mão, como se refletisse. Na segunda mesa, “Instrumentos ‘suaves’ de política urbanística”, caberá a ele sintetizar as idéias expostas. Duas horas depois, assume o microfone: “Não tenho muito a acrescentar porque minha única experiência com cidades foi a eleição que perdi para prefeito de São Paulo”, desdenha, numa típica abertura FHC II. Passa então a rechear sua fala com a “coesão mecânica” e a “coesão orgânica” de Durkheim (mais tarde, no táxi: “É o bê-á-bá da sociologia. Olhei em volta, vi que não tinha um sociólogo, mandei ver”), e citações ao sociólogo alemão Tönnies, que explora os conceitos de sociedade e comunidade ou, no original, Gemeinschaft e Gesellschaft, como soltou Fernando Henrique em bom sotaque. Foi o quanto bastou para inspirar pasmo e aplausos de admiração. (No mesmo táxi: “São as únicas palavras que sei em alemão”.)

       

      No dia seguinte, Ruth Cardoso e a neta Julia juntaram-se a Fernando Henrique. A menina acabara de completar 18 anos e passaria uma semana viajando pela Espanha com os avós. Por volta das 11 horas, foram ao Museu Thyssen-Bornemisza, ver uma exposição temporária de retratos. Fernando Henrique faz fila diante do caixa, paga e volta exultante: “É a vitória do proletariado. Só 10 euros, pra mim, Ruth e Julia! E a moça ainda me pediu a carteira de identidade, pra comprovar se eu tinha mesmo 75 anos”.

      O presidente admira um Picasso neoclássico – Olga na Cadeira, de 1924, à moda de Ingres –, o que lhe dará ocasião de praticar um de seus divertimentos prediletos: implicar com as idéias progressistas de dona Ruth. “Mas isso é absolutamente acadêmico”, ela se choca. “Ele só pintou porque ela estava cansada de ser retratada com dois olhos do mesmo lado. Deve ter pedido: ‘Faz um retrato bonito, vai’. Aí, ele fez.” FHC rebate: “Não é isso, não. É que Picasso é absolutamente genial. Dá cambalhota. É Deus”. Dona Ruth: “Gênio, mas não por isso. Pelo que pintou antes”. Ele: “É gênio, Ruth. Faz de tudo”. E, antecipando o gostinho, encerra o sparring: “Aliás, eu me identifico muito com Picasso”. Dona Ruth se vira para a neta e aconselha: “Não ouve isso, Julia”.

      À noite, amigos convidam a família Cardoso para um show de flamenco. A mesa é colada ao palco. A cada arranco do dançarino, que bate furiosamente os pés no chão, o presidente recua na cadeira, assustado.

      Para o último jantar de FHC em Madri, no dia seguinte, ele, dona Ruth, Julia e um casal de amigos vão a um restaurante simplíssimo, quase um botequim. Oito mesas, se tanto. O ex-presidente vai direto para a cozinha e volta feliz: “Ganhei quatro votos”, anuncia. As paredes são cobertas de fotografias – toureiros, políticos, o príncipe das Astúrias. “Vou ver as fotos”, diz, e levanta de novo. Chegam croquetes, morcela, aspargos, queijo. Ele se farta. “A Ruth tinha essa educação comunista com os filhos, essa história de dividir tudo, inclusive a comida boa que de vez em quando eu trazia pra casa. Depois de um tempo, passei a lamber o chocolate na frente deles, pra ninguém meter a mão.” “O camembert ele escondia no armário”, confirma Ruth Cardoso. De sobremesa, Fernando Henrique derruba um prato de arroz-doce e se encanta quando descobre que ali servem rabanada também. Come rabanada a valer. Ao saber quem é o cliente, dono e funcionários do restaurante pedem fotos. FHC volta à minúscula cozinha e, junto do forno, posa com quatro empregados, todos com cara de mexicano. “Pronto, agora consolidei o voto”, comemora. Alguém comenta: “Consolidou. No México”.

      Ruth Cardoso registra tudo, sem dar muita atenção. Se há alguém que não cai nos números do marido, é ela. Conta de uma viagem a Buenos Aires, quando passeavam pelo bairro da Recoleta e foram reconhecidos por um ônibus de turistas brasileiros. Confusão instalada, desceram todos e começaram a bater fotos. O sorriso de FHC se abre feito uma cortina. “Olha só pra ele”, alfineta Ruth Cardoso. “Deviam ser todos petistas, Fernando, e você não passava de atração turística.” Ele não se dá por vencido: “Em restaurantes de Buenos Aires eu sou aplaudido quando entro. É que eu traí os interesses da pátria, então lá eles me adoram”. A neta Julia balança a cabeça: “Como é que ele diz essas barbaridades…”

       

      JOÃO MOREIRA SALLES

      João Moreira Salles é documentarista e editor da piauí. Dirigiu Santiago, Entreatos e Nelson Freire, entre outros “

      (http://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-andarilho/)

       

      Sampa/SP, 27/02/2018 – 15:44

  18. A Rodésia é aqui?

    Prezado André, sei que você vai entender uma frase ferina, mas verdadeira, que ouvi de meu irmão há mais de uma década, quando falávamos de temas próximos ao de sua coluna: “antigamente, os brancos eram melhores”. Ele se referia exatamente aos anos 1920/30/40, em relação ao campo cultural e econômico.

    Hoje, Ian Smith se sentiria em casa nos condomínios fechados desse pessoal que você descreve.

  19. “Vai, coxinha!” (E esquece o caminho de volta)

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=QNvwllSqmwU%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=QNvwllSqmwU

     

    De uma grande Artista, Marina Lima, cuja vivência nos EUA em seu período de formação infanto-juvenil não a “desbrasilizou”: ninguém melhor para fazer uma das candidatas a hino desta realidade “sociológica” – FHC, segundo o articulista, é o responsável por esta guinada sociocultural, seu grande feito como sociólogo, desbrasilizar o Brasil, hahaha (o substrato cultural da privataria tucana e golpista) – cenário que oferece, por outro lado, a oportunidade de o país expurgar gradual e persistentemente essa herança tão bem caracterizada em Machado de Assis e Lima Barreto como marca da petulância risível e patética dos grupos sociais que ascendem aos poderes político e econômico. 

     

    Como sempre, o que a má política destrói a boa cultura recupera – auto-estima, consciência, bom humor, a derrota simbólica do adversário através de seu desvelamento. 

     

    Viva o Brasil Brasileiro! (me junto ao articulista na necessária diferenciação entre ser nacionalista e cosmopolita sóbrio e  praticar a xenofobia tacanha; curiosamente esses brasamericans, como bem expressado, exercem um tipo caricato de xenofobia reversa (considerando suas supostas raízes; se considerar a identidade que assumem, a xenofobia é a mesma do provinciano Trump), ao desprezar o país onde estão suas alegadas origens – me refiro ao título de eleitor … – na vã esperança de assim serem adotados, a fórceps, por uma realidade cultural idealizada, falsificada e vazia, a elite globalizada do livre fluxo de capitais e passaportes (“A cultura do novo capitalismo” e “A corrosão do caráter”, ambos do arguto intelectual americano de ascendência russa, Richard Sennett – o artigo, aliás, é mais uma valiosa contribuição à análise sociológica a ser feita da sociedade brasileira e latino-americana do final do século XX, aos moldes do último livro citado, principalmente da idéia de seu título). 

     

    Sampa/SP – 26/02/2018 – 13:18

    1. de acordo

      Não esqueçamos que Erico Verissimo viveu muitos anos no exterior assim como seu filho.

      H. Vila Boas, A C Jobim e muitos dos musicos de sua geração também não voltaram americanizados.

      Muito pelo contrário.

       

       

       

    2. Tribos

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      https://www.youtube.com/watch?v=9RbBPVPybpY

      O que vitimiza as periferias do Rio de Janeiro atualmente, a intervenção civil-militar – está genialmente expresso na análise da Professora e Filósofa Marilena Chauí, há 6 anos e especificamente sobre São Paulo, ao falar do que é a chamada “classe média” deste país, que é a responsável direta e indireta pela situação de caos que vivemos todos e de que o Rio de Janeiro é o cartaz midiático 24 horas (outdoor globélico em seu próprio quintal, depois de esgotada e desmoralizada a mobilização nevrálgica dos coxinhas amarelo CBF na Paulista-domingo-à-tarde com transmissão ao vivo – melhor abafar o caso Fifa e retomar o poder sobre sua sede territorial em ano eleitoral: que Brizola nos proteja!). 

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      https://www.youtube.com/watch?v=kNFw5ADJfTc

       

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      https://www.youtube.com/watch?v=TlYparcz7KM

       

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      https://www.youtube.com/watch?v=OxNqpcoq–I

       

      Impossível pensar e entender o mundo sem a mediação cultural da arte. 

       

       

      Sampa/SP –  26/02/2018 – 17:30 (envio original às 16:20)

  20. Parabéns.
    Esse artigo

    Parabéns.

    Esse artigo simplesmente sintetiza toda essa triste história dos brasileiros que comportam-se como estrangeiros por aqui.

    Além dos “brasamericans”, devemos também levar em conta os “brasamericans wannabe”. Esses, em grande parte assalariados que pensam ser classe média alta (muitos deles, funcionários públicos ou de estatais que pregam a privatização – vai entender …)

    Nesse final de semana, em um churrasco em varanda-gourmet, um conhecido ficou surpreso quando o assunto da conversa da roda foram as mazelas dos EUA: racismo (o fato de brancos não se misturarem com negros e muito menos latinos fora do ambiente de trabalho), a atual realidade de Detroit e Michigan em geral (Sendo a Downtown de Detroit, bem como certos pontos de Troy áreas proibidas à noite), o incrível nível de ignorância do americano médio (que os brasamericans parecem copiar fielmente), o fato de engenheiros americanos fugirem da industria automobilística regular (considerada por eles obsoletas) etc. O cidadão em questão não ficou surpreso, mas MUITO surpreso.

    Aliás, ao longo dos últimos 20 anos tenho aprendido muitas coisas tristes observando nossa classe média em geral. Me lembro bem em minha primeira viagem internacional, no Canadá, de notar que os brasileiros eram as únicas pessoas que “malhavam” o próprio país para extrangeiros – não vi um único coreano, indiano, suíço, francês falando mal do próprio país.

  21. Melhor análise que há no
    Melhor análise que há no dibte a elite do atraso, esses demônios sugadores de tudo que você já no país – qualquer vida, qualquer beleza, qualquer grandeza eles amesquinham ao delas se apropriar, e vão deixando um rastro de miséria por onde passam. Como pudemos permitir esses cavaleiros da morte tomar o leme do país, como? Obrigada por suas excelentes informações e análises. Vera Queiroz

    1. Excelente

      Melhor análise que li a respeito dessa elite do atraso, esses demônios sugadores de tudo que viceja no país – qualquer vida, qualquer beleza, qualquer grandeza eles amesquinham ao nível deles para de tudo se apropriar, e vão deixando um rastro de miséria por onde passam. Como pudemos permitir a esses cavaleiros da morte tomar o leme do país, como? Obrigada por suas excelentes informações e análises. Vera Queiroz

  22. Melhor análise que li no
    Melhor análise que li no debate sobre a elite do atraso, esses demônios sugadores de tudo que você há no país – qualquer vida, qualquer beleza, qualquer grandeza eles amesquinham para delas se apropriar, e vão deixando um rastro de miséria por onde passam. Como pudemos permitir a esses cavaleiros da morte tomar o leme do país, como? Obrigada por suas excelentes informações e análises. Vera Queiroz

  23. Prezado André
    Grande texto!

    Prezado André

    Grande texto! Quando você fica irritado com “chicks” mimetizando o comportamento de “ladies” (do “bas-fond”), diz as verdades de um modo muito legal e engraçado

    1 – Além dos autores dos quais você fala, há um grande livro que gerou um grande filme sobre a depressão econômica dos EUA, com uma críttica social violenta é As Vinhas da Ira (Livro: John Steinbeck, Diretor do filme: John Ford). Temos também, bem antes, mas na Inglaterra Charles Dickens (talvez o Brasil dos sonhos dos neoliberalóides daqui sejam a Inglaterra dickensiana). 

     

    2 – Um segundo livro (Desagregação,  George Packer) também aborda o mesmo processo que você comenta em seu post, o do declínio dos EUA e aumento de pobreza e miséria. Coincidentemente, o processo começa com a Reaganomics (corte de benefícios, salários, redução de impostos (para os ricos), e aumento de impostos (para a bugrada))

     

    3 – O que fala para estes patetas que voltam detonando o Brasil e achando os EUa o máximo é o seguinte: você pode ter todo o dinheiro do mundo e ser ‘Dotô”, mas vai ser sempre um cucaracha. Tenho uma amiga cuja filha é publicitária, e volta e meia a agência faz eventos nos EUA. A menina volta babando de lá (tudo é muuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiito barato, tuuuuuuuuuuuuudo funciona, etc), mas não percebe que os EUA (com o capital financeiro dando as cartas por lá) viraram um WalMart gigante: empregos rasos, precários e mal-remunerados (exceto para a elite financeira, e agora para esses advogados de compliance que infernizam os cucarachas); tudo é importado (afinal ,é mais barato fazer fora) e descartável

     

    4 – Este processo começou mesmo com fHc e seus economistas neoliberalóides (não se esqueçam de elena landau, tão ruim e pior quanto estes caras); mas o símbolo maior do desprezo pelo Brasil (que é visto como um caixa automático, onde o cara vem sacar – ou saquear – sua grana) é JP Lemann. Este sujeito (e seus parças) é o anti-midas, tranforma em merda as empresas onde põe a mão. Destruiu nossa indústria de cerveja, arregaçou a Heinz (os americanos estão putos com a voracidade com que destrói empregos e aumenta lucros por lá), transferiu o domicílio para a Suíça (duvido que faria por lá metade do que apronta por aqui) e posa de “empreendedor social” porque oferce bolsas de doutrinação. Um excremento humano

    1. Concordo com sua avaliação

      Concordo com sua avaliação desse pessoal do Leman, são corsarios, destruidores de empresas e empregos, estão fazendo miseria na Heinz, fecharam sete fabricas, inclusive o historico frigorifico Oscar Mayer, o mais antigo dos EUA, cortaram milhares de empregos, eles tem o fanatismo de CORTE DE CUSTOS mas não tem criatividade para subir as vendas.

      As vendas da cerveja Budweiser cairam 7% depois que eles compraram a Anheuser Bush, maior cervejaria americana, vc tem razão, o que eles tocam vira merda, as cervejas Antartica e Brahma faziam parte de nossa historia, uma boa  rivalidade entre pulistas e cariocas, eram personagens de livros e sambas, incorporadas a nossa cultura popular, tudo isso foi destruido pela asquerosa Ambev que tambem compra cervejarias artesanais para liquidar com a originalidade do sabor.

      A Ambev nasceu enganando o CADE e se enrolando na bandeira brasileira, sem ninguem perceber mudaram a sede para a Belgica, os donos se mudaram para a Suiça, o Brasil não ganhou nada com essa fusão.

      Nossa  unica defesa e evitar os produtos desse grupo ,  não pisar nas pocilgas Lojas Americanas, que quando abriram no Brasil

      eram uma delicia de ambiente e cortesia, hoje viraram pardieiros com pouquissimos funcionarios mal treinados e com cara de fome, é a negação de alguma coisa civilizada, tem mais calor humano numa banca de feira do que nesses pés sujos do varejo.

  24. “Felizmente, a Historia não é

    “Felizmente, a Historia não é tão simples, a tensão social é dinâmica e não estaciona no tempo, os países grandes são muito mais complexos do que patotinhas de happy hour podem supor.”

    Com as instituições brasileiras em frangalhos só posso apelar: “Deus te ouça, André”.

    Joaquim Barbosa e Luiz Barroso tem apartamentos em Miami. Fazem companhia para Carla Perez, Bispa Sonia, Juliana Paes, Luciano Camargo, Roberto Carlos, Luciano Huck etc. Tristes trópicos como disse Lévi -Strauss onde as autoridades jurídicas tem a mesma necessidade social/intelectual de artistas rasos e exploradores da fé.

  25. André você tocou num ponto

    André você tocou num ponto interessante que eu sempre vi na minha estadia na Europa que é de brasileiros, pelo menos até ha pouco, não tinham vergonha de falar a propria lingua e a maioria sempre se mostrou nacionalista, apesar das criticas etc. Eu vi portugueses, principalmente os que cresceram na França, não querendo falar portugês. Evitavam a todo custo falar a lingua de origem. Porque na historia da integração portuguesa na França, eles se sentiram inferiorizados… Acho que ha uma nova geração brasileira, levemente idiotizada, que tal qual a geração de imigrantes portugueses, tem vergonha de ser brasileiro. E vivem nessas bolhas.

  26. “Elite”

    Enorme prazer a leitura de um texto como esse, onde o autor retrata com toda a clareza parte destacada da nossa sociedade. Mas sinto-me incomodado toda vez que vejo tal classe (casta?) de pessoas ser enquadrada como “elite”. Claro, nao se pode culpar o autor, pois isso ja se tornou recorrente nesta sociedade dominada pela Elite (de novo) do Atraso, desnudada por Jesse de Souza. Mas elite, etimologicamente, refere=se aos melhores. E nao da para deixar de incluir esses “brasamericans” entre os piores do ponto de vista da nossa nacionalidade. P.S.: desculpem a falta de acentos.

    1. Relaxe Edson. O conceito de

      Relaxe Edson. O conceito de “elite” significando algo melhor, caducou, meu caro. Aliás, diria, por culpa dos próprios papais disso em que resulta esse rebotalho que o André chama com propriedade, de “brasamericans.”  Veja outros derivativos disso ai:  observe-se o papelão dos concurseiros da elite do MP, da PF e dos homens do vergonhoso judiciário brasileiro. Em especial, daquelas pseudo sumidades abrigadas no STF. Claro que há os bons. Mas, ao se manterem calados…

      E nem vou falar dos grandes lideres empresarias, dos grandes banqueiros, das grandes construtoras e dos volumosos portefólios de bandalheiras desses senhores e de suas magníficas empresas, digo, arapucas.

      A verdadeira ELITE do país, é o povo brasileiro. São aqueles que sustentam toda essa canalha com o suor da cara e, recebem em contrapartida, pontapés. Mas…Como dizem, não há desgraça que dure pra sempre. Nem bem bom que nunca acabe. Portanto, convém aos que ainda acreditam serem marias antonietas da elite, que ponham as barbas de molho.

      Orlando

    2. Usei a expressão “”elite” em

      Usei a expressão “”elite” em um sentido ironico, é claro que essa turma NÃO é elite no conceito classico do termo.

    3. Z’elites (as elites do Brasil com Z)

      Sua definição de elite se prende à sua origem etimológica estrita; a que foi usada no artigo e é popularmente utilizada em comentários políticos e sociais se deve à circulação do termo para estas esferas de significado e representação. Abaixo, excertos de livros que falam do tema, cujo conteúdo foi acessado em versões digitalizadas na internet. Trocando em miúdos, no popular, é só ouvir a música “Xibom Bombom”, do grupo “As meninas”. Acho que é compreensível para a maioria das pessoas qual das acepções (original, supostamente pura, e a derivada, vista como pejorativa) está em uso pelo contexto a que se refere e, no fundo, o desejo ou condição de se apartar da maioria, que caracteriza o termo em qualquer dos usos, por boas ou más razões, talvez seja a predisposição moral que explique a deriva do termo conforme a maneira como esse desejo ou condição foi concretizado.

       

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=XFEU05audmc%5D

      https://www.youtube.com/watch?v=XFEU05audmc

       

      “A Elite: Conceito e Ideologia A palavra “elite” era empregada no século XVII para designar produtos de qualidade excepcional. Seu emprego foi posteriormente estendido para abranger grupos sociais superiores, tais como unidades militares de primeira ordem ou os postos mais altos da nobreza.1 1. Ver o Dictionnaire de Trévous (1771), onde o sentido original de elite consta corno sendo “Ce qu’il y a de meilleur dans chaque espèce de marchandise”; e se acrescenta, então, que “ce terme a passe de la boutíque des marchands à d’autres usages … (troupes d elite, l’élite de la noblesse).” (Citado em Renzo Sereno, “The AntiAristotelianism of Caetano Mosca and Its Fate”, Ethics, XLVIII (4), julho de 1938, p. 515.) No século XVI, de acordo com Edmond Huguet, Dictionnaire de la Zangue française du seizième siècle, a palavra elite significava simplesmente choix (uma escolha); faire elite queria dizer “escolher”. Vide também, sobre o uso inicial do termo em si e da idéia de elites, Hans P. Dreitzel, Elitebegriff und Sozialstruktur, e H. D. Lasswell et al., The Comparative Study of Elites. A idéia de que a comunidade deveria ser dominada por um grupo de indivíduos superiores figura com destaque no pensamento de Platão e ainda mais nas doutrinas de casta brâmanes que regulavam a antiga sociedade hindu. Com outra forma, mas possuindo também uma importante influência sobre teorias sociais, muitas crenças religiosas têm expressado a noção de uma elite em termos de os “eleitos de Deus”. A concepção moderna, social e política, de elites talvez possa ser remontada à defesa de Saint-Simon do governo de cientistas e industriais; porém no trabalho de Saint-Simon a idéia sofre diversas restrições, especialmente devido ao seu reconhecimento da existência de diferenças de classe e da oposição entre ricos e pobres, o que permitiu aos seus seguidores imediatos desenvolver seu pensamento na direção do socialismo. Foi na filosofia positivista de Auguste Comte que os elementos elitistas e autoritários do pensamento de SaintSimon, juntamente com as idéias de De Bonald, tiveram sua proeminência restaurada, influenciando assim diretamente os criadores da moderna teoria das elites, Mosca e Pareto. Na língua inglesa o primeiro uso conhecido de “elite”, de acordo com o Oxford English Dictionary[08], data de 1823, quando já era aplicado para referir-se a grupos sociais. Entretanto, o termo não se tornou amplamente utilizado em literatura social e política na Europa senão bem para o final do século XIX, e na década de 1930 na Grã-Bretanha e na América, quando se difundiu através das teorias sociológicas das elites, especialmente através da obra de Vilfredo Pareto. Pareto definiu “elite” de duas formas diferentes. Principiou com uma definição bem geral: “Suponhamos que em todos os ramos de atividade humana seja atribuído a cada indivíduo um índice que represente um sinal de sua capacidade, de maneira semelhante àquela pela qual se conferem notas nas diversas matérias em exames escolares. Ao tipo superior de advogado, por exemplo, será dado nota dez. Ao homem que não consegue um cliente será atribuído nota um — reservando-se o zero para o que foi completamente idiota. Ao indivíduo que tiver auferido milhões — honestamente ou não, conforme o caso — daremos um dez. O que chegar à casa dos milhares receberá um seis. Os que apenas conseguem deixar de ter de ir para um asilo de indigentes terão nota um, reservando-se o zero para os que não o conseguirem… E assim por diante em todos os ramos de atividade humana.. . Reunamos, pois, em uma categoria, as pessoas que possuem os índices mais altos em seus ramos de atividade, e a essa categoria daremos o nome de elite”. 2 2. V. Pareto, The Mind and Society, III, pp. 1422-3 (tradução inglesa do seu Trattato di Sociologia Generale). O próprio Pareto não vai além na utilização desse conceito de elite; serve apenas para acentuar a desigualdade de atributos individuais em todas as esferas da vida social, e como um ponto de partida para uma definição de “elite governante”, seu verdadeiro objeto de estudo.”

      (“As elites e a sociedade”, Thomas Bottomore, tradução de Otávio Guilherme C. A. Velho, Zahar Editores, 2ª edição, Rio de Janeiro:1974, digitalizado pelo Projeto Prometheus [https://elitespoderpolitico.files.wordpress.com/2014/08/t-b-bottomore-as-elites-e-a-sociedade.pdf])

       

       

      “ Teoria das Elites.

       

      I. DEFINIÇÃO DE ELITE.

       — 

      Elites, Teoria das.

      I. DEFINIÇÃO DE ELITE. — Por teoria das Elites ou elitista — de onde também o nome de elitismo — se entende a teoria segundo a qual, em toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada. Uma vez que, entre todas as formas de poder (entre aquelas que, socialmente ou estrategicamente, são mais importantes estão o poder econômico, o poder ideológico e o poder político), a teoria das Elites nasceu e se desenvolveu por uma especial relação com o estudo das Elites políticas, ela pode ser redefinida como a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder político pertence sempre a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas para todos os membros do grupo, mesmo que tenha de recorrer à força, em última instância. A formulação, hoje tornada clássica, desta teoria foi dada por Gaetano Mosca nos Elementi di scienza política (1896): “Entre as tendências e os fatos constantes que se acham em todos os organismos políticos, um existe cuja evidência pode ser a todos facilmente manifesta: em todas as sociedades, a começar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que são apenas chegadas aos primórdios da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre a menos numerosa, cumpre todas as funções públicas, monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estão anexas; enquanto que a segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira, de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitrário e violento, fornecendo a ela, ao menos aparentemente, os meios materiais de subsistência e os que são necessários à vitalidade do organismo político” (I, p. 78). A fortuna do termo Elite, porém, remonta a Pareto, que alguns anos depois, por influência de Mosca, enunciou, na introdução aos Systèmes socialistes (1902), a tese segundo a qual em toda a sociedade há uma classe “superior” que detém geralmente o poder político e o poder econômico, à qual se deu o nome de “aristocracia” ou Elite.

      (…)

      VII. CARACTERÍSTICAS POSITIVAS E NEGATIVAS DA TEORIA. — Não obstante as divergências que dividem os defensores da teoria das Elites, pode-se indicar, a título de conclusão, alguns traços comuns que servem para distinguir esta teoria, que há dezenas de anos representa, com sucesso alternado, uma tendência constante na ciência política; 1) em toda sociedade organizada, as relações entre indivíduos ou grupos que a caracterizam são relações de desigualdades; 2) a causa principal da desigualdade está na distribuição desigual do poder, ou seja, no fato de que o poder tende a ficar concentrado nas mãos de um grupo restrito de pessoas, 3) entre as várias formas de poder, o mais determinante é o poder político; 4) aqueles que detêm o poder, especialmente o poder político, ou seja, a classe política propriamente dita, são sempre uma minoria; 5) uma das causas principais por que uma minoria consegue dominar um número bem maior de pessoas está no fato de que os membros da classe política, sendo poucos e tendo interesses comuns, têm ligames entre si e são solidários pelo menos na manutenção das regras do jogo, que permitem, ora a uns, ora a outros, o exercício alternativo do poder; 6) um regime se diferencia de outro na base do modo diferente como as Elites surgem, desenvolvem-se e decaem, na base da forma diferente como se organizam e na base da forma diferente com que exercem o poder; 7) o elemento oposto à Elite, ou à não-Elite, é a massa, a qual constitui o conjunto das pessoas que não têm poder, ou pelo menos não têm um poder politicamente relevante, são numericamente a maioria, não são organizadas, ou são organizadas por aqueles que participam do poder da classe dominante e estão portanto a serviço da classe dominante (a teoria da sociedade de massa é a contrapartida da teoria das Elites e ambas se desenvolveram neste último século paralelamente). Negativamente, o que as várias teorias elitistas têm em comum é, por um lado, a crítica da ideologia democrática radical, segundo a qual é possível uma sociedade em que o poder seja exercido efetivamente pela maioria, e, por outro lado, a crítica da teoria marxista, segundo a qual, estando o poder ligado à propriedade dos meios de produção, é possível uma sociedade fundada sobre o poder da maioria, ou seja, sobre o poder de todo o povo, desde o momento em que a propriedade dos meios de produção seja coletivizada. Como teoria realista da política, ela mantém firme a tese segundo a qual o poder pertence sempre a uma minoria e a única diferença entre um regime e outro está na presença de minorias em competição entre si. Ideologicamente, nascida como reação contra o advento temido da sociedade de massa, e portanto não só contra a democracia substancial mas também contra a democracia formal, a sua principal função histórica, mais do que esgotada, foi a de denunciar, de vez em quando, as sempre renascentes ilusões de uma democracia integral. Se na sua face ideológica pode ter contribuído para obstacular o avanço de uma transformação democrática da sociedade (no sentido em que democracia e existência de uma classe política minoritária não são incompatíveis), na sua face realista contribuiu e contribui, ainda hoje, para descobrir e colocar, a nu, o fingimento da “democracia manipulada”.”

       

      (verbete “elites, teoria das”, in Dicionário de política, de Norberto Bobbio, N. Matteuci e G. Pasquino, tradução de Carmem C. Varrialle, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira (coordenador da tradução), Luís Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini, Editora da UnB/Imprensa Oficial do Estado, 11ª ed., 1998, autor do verbete → Norberto Bobbio [https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/145096/mod_resource/content/1/BOBBIO.%20Dicion%C3%A1rio%20de%20pol%C3%ADtica..pdf])

       

      Sampa/SP, 26/02/2018 – 20:30 

  27. …”não são nem brasileiros e

    …”não são nem brasileiros e nem americanos, uma espécie de ameba indefinível, falta-lhe a lealdade nacional, mas tampouco são americanos de raiz, ao fim não são nada, apátridas não de passaporte, mas de alma.”…

     

    Magnífico o texto de André Araujo. É muito oportuno tratar dessa grave disfunção que ameaça esgarçar com a maior velocidade e amplitude, e tornar mais dificultosa a tecitura do tecido social brasileirol. Esse notável arranjo, verdadeira obra de artesanato amoroso, a despeito das enormes mazelas, obra de tantos brasileiros, à qual alude em seu extraordinário  artigo .

    De fato.  É muito desconfortável  assistir os filhos mais mimados, justo aqueles aos quais os brasileiros mais destinam recursos.  Venham a ser estes, os  novos vira-latas e agentes do mais nocivo e destrutivo desmonte do país. Bem mais grave e, de reversão  mais improvável que a entrega privatista do patrimônio brasileiro promovido pelos canalhas do miShell treme.

    A incisiva denúncia-alerta  que identifico no artigo do André, mesmo sem afirmar, deixa a perspectiva de terminarmos dando com os costados num enorme Haiti. Pois, trata ali nas reflexões que faz,  da entrega  de cérebros que poderiam ser brasileiros, sendo transformados em amebas apátridas. E, digo eu atiçado pelo texto do AA, com amebas não se edifica uma nação. Se ao menos existisse no país um Ministério da Educação e Cultura.

    Orlando

  28. Bob Fields e os canalhas

    ” Sou chamado a responder rotineiramente à pergunta: haverá saída para o Brasil? Respondo dizendo que há três: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo.”

    Roberto Campos

    O maior legado intelectual de Roberto Campos foi o de ter criado as condições para o saque indiscriminado do Brasil sem despertar qualquer crise de consciencia. Um dos grandes mentores do governo fhc, Campos foi dos principais criadores do conceito que naturalizou a pilhagem e o saque do Brasil : liberalismo.

    1. Meu caro, Roberto Campos era

      Meu caro, Roberto Campos era de outra estirpe. Nada tem a ver com o arrivismo brega dos atuais Brasamericans.

      Ele era diplomata, viveu decadas no exterior mas tinha uma visão clara  de Pais que perto dos privatistas de hoje seria até nacionalista. O BNDES saiu cabeça dele e esse banco é instrumento de um projeto nacional por ação do Estado.

      Os privatistas de hoje tem horror ao BNDES, querem acabar com o banco. É do tempo dele como Ministro do Planejamento

      a criação de muitas estatais, do BNH e origramas de habitação popular, do Fundo de Garantia, da petroquimica nacional,

      Campos gostava da cultura brasileira, seu apartamento no Arpoador tinha um andar inteiro de quadros de pintores brasileiros

      que ele curtia muito, a diferença entre ele e os Brasamericans é uma enorme cultura e interesse pelo Brasil.

      Eu diria que a ideologia de Campos era mais “modernizadora” do Brasil do que privatista ou estrangeirista.

      1. não duvido

        Andre, eu não duvido que as intenções de Roberto Campos eram as melhores possíveis. 

        Me lembro de um artigo de Campos no estadão, onde conclamava a cidadania a fazer frente à avalanche liberal que se aproximava com a globalização. Naquele tempo se acreditava no conceito de “cidadania”, e em sua santa ingenuidade , Campos acreditava que seria suficiente para fazer frente as forças de mercado.

        Roberto Campos era bem intencionado, realmente havia uma esquerda jurássica a ser contraposta. Entretanto um intelectual como Campos não poderia ignorar a força que de fato sempre ditou as regras neste país , a elite do saque.

        No final de sua vida , Campos foi muito mais um ideologista do que um intelectual. Se havia a necessidade de modernizar o Brasil por um “choque liberal capitalista” , também havia a possibilidade da sua ideologia ser cooptada pelas forças que sempre dominaram este país. Foi o que aconteceu. Campos foi afoito, imprudente e juvenil. E é este legado que ficou para história. 

  29. Parabéns, André Araújo. Um

    Parabéns, André Araújo. Um dos melhores textos que já li sobre aqueles que você chama de “apátridas”.

  30. Brasiamericans…..

    Onde estão as promessas da Anistia de 1979? 40 anos de Redemocracia. Quem construiu esta realidade, nestas décadas todas? Quem construiu ou viabilizou Condomínios Fechados, que isolam a cidade e criam guetos e isolacionismo? Exisita tal realidade, até os anos 80, em tamanha profulsão e abrangência? Não estaríamos todos sob a proteção de uma pretensa Constuição Cidadã? O resultado não é o que criamos? Então quem criou? Não é muito Fatalismo? Não é muita Conversa de Lunáticos? 2018 não é a realidade que construímos com o desembarque dos Militares na década de 1980? O pior de tudo é não assumirmos nossas responsabilidades. O Brasil é isto que criamos. abs.   

    1. Até os anos 80 também não existiam carros em tamanha profusão

      Na década de 80 existiam carros em tamanha profusão e abrangência?

      Num futuro não muito distante, não haverá mais lixo do que há agora?

      What a mierda!

  31. Quando o Complexo de Vira-lata dos Brasileiros Saiu de Férias…

    O maior feito do governo Lula, provavelmente o que levou o ‘monitor do SNA’ marcar, além amarelo, no vermelho da máxima atenção, no quesito ‘Risco Soberania’, com certeza foi quando brasileiros estufaram o peitoral e o que habita à caixa craniana, ao começarem a sentir a auto estima de serem brasileiros, esquecendo do broxante ‘complexo de vira-lata’. Nitroglicerina pura, seiva que mantém viva e soberana uma nação. 

    Não bastavam, BRICS, Mercosul e agora a ‘auto-estima em ser brasileiro’, aí já era demais.

    Veio o golpe ‘hondurenho-paraguaio e a ressurreição dos ‘coxinhas master’, magnificamente retratados no parágrafo abaixo, que sózinho vale pelo texto:

    “Voltam americanizados e muitos se casam com colegas brasileiras que conheceram lá ou que também fizeram cursos nos EUA, formando casais BRASMERICANS que já pensam nos filhos como ligados à cultura americana. A partir daí as escolas bilíngues reforçam essa desnacionalização, gerando tipos híbridos, não são nem brasileiros e nem americanos, uma espécie de ameba indefinível, falta-lhe a lealdade nacional, mas tampouco são americanos de raiz, ao fim não são nada, apátridas não de passaporte, mas de alma.”

     

  32. Qual é a fisionomia dos EUA para os americanos hoje?

    O que os norte-americanos tem feito ultimamente acerca de questões profundas como essa? 

    Para além de um resposta simplória do tipo “você viu quem é o presidente do país hoje”, a pergunta acima é pano de fundo para o documentário American Creed (“Crença Americana” – desculpe pela tradução livre), que passará essa semana na rede pública PBS, restrita aos EUA, mas que certamente estará disponível brevemente. 

    Este trabalho é um projeto de fôlego, capitaneado pela professora da Universidade de Stanford e ex-Secretaria de Estado Condoleezza Rice e pelo historiador, também de Stanford, David M. Kennedy.  O projeto começou a partir de discussões em sala de aula com os alunos desta univesidade e tem como pano de fundo a tentativa de identificar aquilo que seria o atual  “caráter nacional” norte-americano. 

    Não quero fazer julgamento acerca desse trabalho, mas simplesmente demonstrar o quanto questões profundas como essa estão sendo posto em relevo pelos próprios americanos, enquanto, por aqui, os admiradores deste país aqui ainda se contentam com a perspectiva raza, frívola e superficial. 

    https://news.stanford.edu/thedish/2018/02/19/rice-and-kennedy-help-inspire-the-american-creed-documentary/

    https://www.americancreed.org/

  33. Eterno Retorno

    Parabéns pelo conteúdo. Pontuo somente o dito no início do texto: “Está se formando um núcleo de executivos e advogados brasileiros na faixa dos 30 aos 40 anos, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, que vivem no Brasil como estrangeiros”. Este fato é coisa velha por estas bandas. Basta nos lembramos dos filhos dos coronéis, senhores de engenhos, fazendeiros do café, elites comerciais e outros congêneres que zarpavam para a Europa, Paris principalmente,nos séculos XVIII/XIX e retornavam com a visão da empresa colonial. Estes executivos e advogados brasileiros são a versão moderna dos integrantes das elites no período colonial. São os sinhozinhos e sinhazinhas pós modernos com toda a parafernália tecnológica importada ao seu dispor. Infelizmente nunca deixamos de ser colônia de algum outro país. Nunca tivemos, em época alguma, uma assim chamada “elite” que se propusesse a por fim ao monstruoso abismo social que aqui se pratica desde a época do descobrimento. Ainda somos, por incrível que pareça, uma versão moderna da empresa colonial. Como a rede Globo faz questão de veicular diariamente: “ Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é tudo”. 

  34. Sou medica e morei nos EUA

    Sou medica e morei nos EUA por 3 anos por conta de um fellowship e pesquisa. Discordo de voce em muitos pontos e concordo em varios. Hoje, morando em Toronto e  muito feliz de viver no Canada, vejo que existe um vies preconceituoso no que voce descreve. A maioria das pessoas que encontro aqui e que encontrei nos EUA partiram sobretudo por conta da violencia urbana. Portanto, brega na minha opiniao e fazer o juizo da motivacao do imigrante sem conhecer ou viver na pele a experiencia. Mas eu digo, viver de verdade, nao apenas viajar rapidamente pela America do Norte e ter uma visao superficial da beleza dessas terras. Assim como o Brasil, existe historia, amor e problemas. Nao me incomoda que voce pense assim, o que me entristece e o traco de uma inveja descomunal que vem de saber-se em um pais corrupto e afundando em fezes pelos anos de PT, PSDB e outros.

    1. Enquanto há tanta gente morrendo à mingua no Brasil…

      por falta de profissionais na área de saúde, a médica brasileira vai para a América do Norte, onde deve ser tratada como uma pária pelas autoridades e população local.

       

      Diria o Cazuza que:

      “A burguesia fede
      A burguesia quer ficar rica
      Enquanto houver burguesia
      Não vai haver poesia

      A burguesia não tem charme nem é discreta
      Com suas perucas de cabelos de boneca
      A burguesia quer ser sócia do Country
      A burguesia quer ir a New York fazer compras

      Pobre de mim que vim do seio da burguesia
      Sou rico mas não sou mesquinho
      Eu também cheiro mal

      A burguesia tá acabando com a Barra
      Afunda barcos cheios de crianças
      E dormem tranqüilos

      Os guardanapos estão sempre limpos
      As empregadas, uniformizadas
      São caboclos querendo ser ingleses

      A burguesia não repara na dor
      Da vendedora de chicletes
      A burguesia só olha pra si
      A burguesia é a direita, é a guerra

      A burguesia fede
      A burguesia quer ficar rica
      Enquanto houver burguesia
      Não vai haver poesia

      As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
      Vai haver uma revolução
      Ao contrário da de 64
      O Brasil é medroso
      Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
      Vamos pra rua
      Vamos pra rua

      Vamos acabar com a burguesia
      Vamos dinamitar a burguesia
      Vamos pôr a burguesia na cadeia
      Numa fazenda de trabalhos forçados
      Eu sou burguês, mas eu sou artista
      Estou do lado do povo, do povo

      Porcos num chiqueiro
      São mais dignos que um burguês
      Mas também existe o bom burguês
      Que vive do seu trabalho honestamente
      Mas este quer construir um país
      E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
      O bom burguês é como o operário
      É O MÉDICO QUE COBRA MENOS PRÁ QUEM NÃO TEM
      E SE INTERESSA POR SEU POVO
      Em seres humanos vivendo como bichos
      Tentando te enforcar na janela do carro
      No sinal, no sinal

    2. Nunca me referi a brasileiros

      Nunca me referi a brasileiros que emigraram e moram nos EUA, hoje são mais de 2 milhões. O artigo se refere a uma categoria especial de executivos que passaram pelos EUA e voltaram com defeitos da cultura americana e não de suas virtudes.

      Tampouco me refiro a brasileiros que estudaram nos EUA sem nunca perder de vista seu amor ao Brasil, caso de minha mãe, irmãos e sobrinhos, que não viam a hora de vboltar ao Brasil porque sempre acharam que aqui é seu Pais.

      Eu mesmo desde os sete anos de idade passei as ferias de dezembro e janeiro nos EUA em casas de meus tios,

      a maior parte de minha familia materna é nascida nos EUA, minha irmã mora em Dallas, meu cunhado e sobrinhos são americanos, tenho seis primos irmãos americanos natos, fui CEO de multinacional americana no Brasil, portanto aqui no artigo me refiro apenas a uma classe muito especial de brasileiros e não  qualquer brasileiro com ligações com os EUA.

  35. Brasiamericans

    Não consigo entender. Mesmo com esse complexo de Miami e de Tio Sam, são pessoas educadas, escolarizadas, com formação superior (in USA), viajados, com recursos que lhes permitem acesso a todo tipo de informação, então, como e porque, entregaram o país nas mãos de criminosos? Como podem achar que o resultado disso irá livar a algum lugar?

  36. Além de Campos, consagremos os tucanos!
    Nassif, não deixa de ser irônico que a frase “Aqueles que não conhecem a própria História estão condenados a repeti-la” seja atribuída ao fundador da direita ou conservadorismo moderno, Edmundo Burke. Mesmo repetida mais tarde por Che Guevara, a mesma não foi levada em conta pelo PT, que mesmo dirigido por um jornalista nada fez para democratizar as razões pelas quais o povo brasileiro escolheu um trabalhador para dirigir o país, dando as costas aos intelectuais comandados por seu príncipe, FHC. Por isto, é de se louvar a presença de Dilma Roussef no lançamento da Enciclopédia do Golpe – O Papel da Mídia, em março próximo. Antes tarde do que nunca, quem sabe tenhamos mais obras similares, para evitar que a atual amnésia coletiva nos leve a continuar deificando personagens que nos anos 60 personificavam, como Roberto Campos, o supra-sumo do que hoje chamamos de neoliberalismo. Atribuir-lhe a criação do BNDES, convenhamos, é fazer pouco do presidente da República responsável pelo mesmo, o Getúlio Vargas que ele assessorava à época, assim como ser injusto com o próprio Bob Fields, que sugeriu a criação do organismo por ser o que preceituava o mundo econômico de então, a começar por Eugenio Gudin, seu companheiro na Conferência de Breton Woods, de onde surgiram o Banco Mundial e o FMI. Pouco depois, RC foi para os Estados Unidos como diplomata, acabando por se tornar embaixador brasileiro em Washington no Governo Jango Goulart, antes de apoiar o Golpe de 64 e se tornar ministro do Planejamento do marechal Castelo Branco. Qualquer inferência possível sobre a participação de Tio Sam e Bob Fields nesse golpe iria requerer um mergulho na história dos anos de chumbo e na contracultura oponente aos mesmos, via O Pasquim e todos homens públicos que, como Brizola, o forçaram a participar da criação do BNH, FGTS e Estatuto da Terra, consagrando lutas anteriores. Criou também o chamado cruzeiro novo e de uma Lei 4380 que liberalizou a remessa de lucros em 64, um Código Tributário ou reforma fiscal que fazia do corte de gastos públicos “a política de desmonte do Estado”, segundo Brizola e redigiu todos artigos econômicos da Constituição de 67, “a menos inflacionista do mundo” a seu ver. Deputado e Senador, guaxupeense por adoção, Roberto Campos sem sombra de dúvida jamais teria ousado em transformar a Amazônia em base militar norteamericana, pois teria sido voto vencido, assim como quando votou em Maluf para a presidência e foi derrotado por Tancredo Neves, assim como quando o Mar Territorial de 200 e não 13 milhas colocou sob domínio brasileiro o mesmo pré-sal que agora pertence aos norte-americanos em sua melhor parte. Como repórter septuagenário, dou a mão à palmatória, Roberto Campos foi um estadista se comparado aos tucanos que o substituíram, mas em nome desses não podemos perdoar seu norteamericanismo xiita, sob pena de reconhecer o octogenário José Serra como precursor visionário da atual lua de mel entre Brasil e Estados Unidos, desde que ali se refugiou na condição de presidente da UNE, fugindo de toda luta que culminou com o fim daquela ditadura e – por desconhecermos a história contemporânea que deveria tê-la retratado – seu reinício em versão togada. Entretanto, como a história é contada pelos vencedores, nada impede que José Serra, Aécio Neves, FHC, Temer, Aloysio Nunes e outros próceres da Brasamericans sejam imortalizados como responsáveis por nossa anexação formal aos Estados Unidos, bem como seu aguerrido exército de indômitos paneleiros e fiéis seguidores dos patos paulistas da Fiesp, injustamente batizados de “coxinhas”, pois, afinal, não passam de ratazanas criadas e nutridas pela falta de uma imprensa digna desse nome, capaz de dar espaço aos brasileiros que sempre se opuseram à atual bestificação entreguista da Nação ao domínio ianque.

  37. Aula.

    Sr. André Araujo, considero esse artigo uma aula e desde já agradeço pela postagem. É raro encontrar várias cátedras em um mesmo texto. Filosofia, Economia, Sociologia e outras estão contidas nesse. Parabéns.

  38. “Operação Lava Jato é pró-mercado”
    Quando O PGR do Brasil diz uma coisa dessa numa conferência internacional e não vai preso, é porque a coisa está feia. O mínimo que deveríamos er perguntado era o seguinte: Cadê a Constituição Procurador?

  39. Menos nacionalismo, mais socialismo

    É triste constatar que o discurso socialista histórico, baseado no internacionalismo, na solidariedade de classe e superação do Estado Nacional acabou. O que temos hoje na dita “esquerda” é apenas o discurso de uma burguesia nacionalista, em oposição à burguesia internacional. Veja essa trecho:

    “Um das mais tristes figuras da humanidade é o APÁTRIDA, (…) Sem identidade nacional jamais haverá solidariedade social, os mais ricos não estão minimamente preocupados com seus concidadãos mais pobres, não há um vínculo de destino comum que faz uma NAÇÃO.”

     

    É de doer em que já cantou o hino da Internacional Socialista. É o sujo falando do mal lavado. :'(

  40. Obrigado AA
    Você nos trouxe um panorama que ignoramos na essência pois nossa mídia hoje preocupa se em “educar” estes brasamericans ocultando o Brasil e mostrando um Brazil Que só existem nos “shops” e nos ultra condomínios fechados. Lendo este teu artigo me caiu a ficha de uma colega da uso que mora em um condomínio no morumbi que tem portão direto para uma das principais escolas da elite Paulista. Lamentável.

  41. A “elite estadounidense”

    A “elite estadounidense” também não parece se importar muito com a educação, saúde e futuro do “seu próprio” povo 

    https://www.politico.com/story/2018/02/19/pentagon-buildup-troop-recruiting-shortage-351365  

     

    “Nearly three-quarters of Americans age 17 to 24 are ineligible for the military due to obesity, other health problems, criminal backgrounds or lack of education, according to government data”

     

    O núcleo duro da elite imperial – os grandes financistas e acionistas das grandes multinacionais anglo-americanas – não parece ser realmente estadunidense e nem britânico. Para esse núcleo duro, o povo dos EUA ou do Reino Unido parece ser tão – ou quase tão – estrangeiro quanto nós. 

    Haveria uma dicotomia no que diz respeito a imaginário e pertencimento entre esse núcleo duro e as camadas periféricas da elite dos países, sendo que o imaginário do primeiro estaria, nesse momento histórico, conquistando o segundo?

  42. Como distorcer a realidade
    Curioso, essa fuga de brasileiros para os States, assim como para Portugal e QQ outro país que ofereça um mínimo de segurança e condição de vida digna começou depois que o trator PT arrasou a economia brasileira. Depois de 14 anos de PT no poder, tempo mais que suficiente para se instituir uma educação básica decente, sofremos com uma onda de violência selvagem praticada pelo que vocês, petistas, chamam de vítimas da sociedade… ora, uma sociedade que o próprio PT criou em seu tão propalado legado. Não só os ‘coxinhas’ estão fugindo do país, meus queridos. Muita gente está se arriscando a morar fora porque o país de terra arrasada que o PT deixou está insuportável… Pena que aquela classe social que o PT botou nos aviões não possa fazer o mesmo porque agora não tem dinheiro nem para uma passagem de ônibus!

    1. Não acredito que li isso…

      Em DEZEMBRO de 2014, no FINAL do primeiro governo Dilma atingimos o MENOR DESEMPREGO DA HISTÓRIA e em 2015 o Brasil ganhou o WorldSkills, competição internacional de escolas técnicas em que, das 27 medalhas conquistadas, 25 foram DE ALUNOS DO PRONATEC, ficando na frente da Coréia do Sul, país que mais investe em educação NO MUNDO, mas você é que deve estar certa, né?????????

    2. Em 500 anos, a direta não instituiu uma educação básica decente

      A Molhada aí de cima está indignadérrima porque o PT, que passou apenas 14 anos no governo, não no poder, não instituiu uma educação básica decente.

      Acho que ela gostava da economia brasileira quando o Brasil figurava no mapa da fome, quando o salário era ainda mais desvalorizado e a riqueza mais concentrada. Essa Senhora deve ser uma Coxinha muito tapada.

      Panelas que batem panelas contra petistas não batem panelas contra golpistas ladrões.

  43. Elite do Atraso
    O texto descreve muito bem o comportamento de nossa classe média alienada, mas esse fenômeno não é uma novidade.
    O complexo de vira-lata foi se consolidando há quase um século, a partir de leituras pseudo-científicas do Brasil que ficaram consagradas no imaginário social. São as teorias da velha escola sociológica brasileira que, habilmente usadas pela elite econômica, produziu essa classe de alienados que tem profundo desprezo por seu país, como tem explanado Jessé de Sousa.

  44. Do soutien ao baby doll
     

    André, não obstante o tom lamuriento e inconformado do seu artigo, o desrespeito pela cultura local, a “glamourização”da cultura estrangeira pelas nossas elites vem desde o descobrimento.

    Veja o termo “glamourização” , por exemplo, é  um emergente galicismo proveniente da influência francesa do século 19, quando da vinda da família real portuguesa para a colônia brasil, fugindo de Napoleão.

    Tomando-se toda a informação que se tem sobre educação no país a partir do século 19, quando o brasil deixou de ser colônia(1822) toda a elite estudava da França. Os papis mandavam os filhotes para lá.

    Qualquer livro escrito nessa época até meados do século 20 (início dos anos 50), tem como personagens “riquinhos” pessoas que enviavam seus filhos para a “belle cap” e o “chic” era falar francês.

    O deslumbramento com a moda, os vestidinhos, os chapéus, os sapatinhos, os buffets, os pratos, os talheres, as rendas, os paetês, os trejeitos, os modos de comer, a educação, os costumes franceses eram “trés chic” para os nossos.

    Quem não podia muito, estudava em Coimbra,  ou de Lisboa para engordar a cultura, mas a cultura era a francesa.

    Fernando Henrique, que pela sua faixa etária deve ter iniciado seus estudos  no final dos anos 30, início dos anos 40,   assim como os de sua época, estudaram, por força de curriculum escolar, francês e espanhol como segundo idioma, sendo o inglês opção quase apócrifa.

    A influência anglo-americana em nossa educação só passou a ser mais forte a partir dos anos 60 , embora a Inglaterra e depois os Estados Unidos tenham feito grandes incursões pelo país implantando indústrias, estradas de ferro, iluminação  e cultos religiosos.

    Os estudantes de direito na época em que FHC estudou ainda aprendiam latim e grego, além do francês do segundo grau, tudo aqui, em terra brasilis, que nunca ensinou tupi , nem guarani, nem culturas africanas.

    Portanto, amiguinho, nada de novo no front.

    Brasileiro sempre foi macaca de auditório de estrangeiro, porque brasileiro, enquanto povo “tolo e leviano”, gosta mesmo é de novidade!

    Por força de sua  estupidez (será herança genética dos ancestrais lusitanos?) o brasileiro sempre acha que a grama do outro lado da cerca é mais verde, e com isso, não cuida do próprio jardim.

     

  45. BrasAmericans

    Prezado Andre, em que pese eu tenha gostado de seu artigo, não posso concordar com a sua informação de que nossa elite não enviava antes seus filhos para estudar fora. Quem era Santos Dumont e o que ele estava fazendo em Paris? 120 anos antes um dos líderes da Conjuração Mineira (ou Inconfidência), já estava la em Paris onde se formou e veio de lá trazendo na bagagem livros e teorias da Revolução Francesa e ideias da Independência dos EUA… Enfim a lista é grande.

    Nada mudou por aqui, sempre tivemos uma elite entreguista, apátrida e vendilhona.

  46. Muito difícil ler um artigo tão mentiroso.

    Brasil não foi o único império da América, México também foi e vários outros países na América AINDA são monarquias, sendo o Canadá o maior.

    Pura mentira dizer que “o primeiro País de dimensão continental no Hemisfério Ocidental” e que “quando o Brasil já era um grande País os EUA nem tinham nascido”. Alguém aí precisa checar as datas. Veja aqui o tamanho dos EUA quando o Brasil declarou sua independência: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/ee/United_States_Central_change_1822-03-30.png/1200px-United_States_Central_change_1822-03-30.png

    Os EUA também possuem “cultura multiétnica e multirracial”, mas imagino que o autor provavelmente ignoraria a escravidão brasileira para dizer o quanto os EUA são “mais” racistas.

    O Brasil foi o único Pais latino-americano a lutar na Segunda Guerra…seguindo o exemplo e pressão dos EUA. Dizer que o Brasil é “País fundador das Nações Unidas logo depois dos EUA” ignora a participação de dezenas de outros países na fundação da ONU para desonestamente criar a impressão de que o Brasil foi mais influente do que realmente foi. De fato, a ideia primeiro foi discutida entre EUA, Reino Unido, União Soviética e China.

    “as mazelas, cruezas, durezas, ignorância que aflige boa parte dos americanos” não são tão grandes quanto as brasileiras. Afirmar que os EUA são mais pobres/desiguais que o Brasil é sintoma de esquizofrenia ou extrema desonestidade.

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