Joao Furtado
João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, 62 anos, tem 3 filhos.
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Como enfrentar 2023?, por João Furtado

Enquanto a economia retoma, com as políticas sociais revigoradas e estas ações de investimento, ganha-se tempo para a elaboração de projetos mais robustos

Como enfrentar 2023?

por João Furtado

Como estará a economia mundial em 2023? É impossível saber. E uma das dúvidas envolve os gargalos produtivos – estarão ou não resolvidos? Impossível saber. E só essa única dimensão tem efeitos muito decisivos para a estratégia brasileira a partir de 2023. Se não há nenhuma garantia de que as cadeias estejam restabelecidas, muitos setores estarão ainda mais retraídos com relação a investimentos de aumento de capacidade, mesmo que o ambiente seja desanuviado.

Algumas notícias dão conta de que a crítica feita ao início do governo em 2003 (“houve consumo, não houve investimento”) foi absorvida e agora o relançamento da economia seria pelo investimento. Podemos supor, com otimismo benevolente, que o governo possa desencadear um grande pacote de investimentos em curto intervalo de tempo. Dois problemas aparecem aí: primeiro, os investimentos públicos não vão puxar investimentos privados, porque há muitas incertezas, agravadas pelo rompimento das cadeias globais (que finalmente mostraram as suas fragilidades, sempre anunciadas pelos críticos, sempre negadas pelos defensores).

O segundo problema é mais difícil. Os investimentos públicos são indispensáveis, sem dúvida, e eles precisam ser retomados urgentemente. Mas os grandes investimentos públicos têm inicialmente o efeito de estimular a demanda e as demandas derivadas (efeitos de segunda ordem e sucessivos), e só depois (muito depois) produzirão aumentos da oferta. Se tudo corresse bem, esses investimentos não estariam prontos a tempo de produzirem efeitos durante o mandato (2023-2026).

Há um duplo perigo aqui. Os investimentos públicos ficam desgarrados e não arrastam os investimentos privados; e os aumentos de oferta, intensos e muito difundidos, podem provocar tensões em muitos preços. Sem cair em conspiracionismo, as tensões políticas podem agravar ambos os perigos.

Vem deste cenário tenso o desafio de criar um conjunto de investimentos que viabilize resultados de aumento de oferta intervalos de tempo mais curtos do que aqueles associados aos grandes projetos. Fazer múltiplos investimentos, de pequena escala e mais espraiados pelo território, com prazos de maturação mais curtos, favorece um complemento econômico para as políticas sociais que serão reativadas e revigoradas, ao mesmo tempo em que combate possíveis efeitos inflacionários. Nessa vertente, enquanto a economia retoma, com as políticas sociais revigoradas e estas ações de investimento, ganha-se tempo para a elaboração de projetos mais robustos, que tenham consistência, que possam ser executados no orçamento e no cronograma. Está longe de ser trivial fazer projetos de investimento ambiciosos e que sejam executados no tempo e com o orçamento previstos. 

E como se dá contornos concretos a esta proposição? Vejamos alguns exemplos.

1)            Crédito habitacional para as famílias reformarem, ampliarem, urbanizarem e instalarem gás e painéis fotovoltaicos nas residências. Isso aumenta rapidamente a oferta de habitação, reduzindo em alguma medida pressões sobre aluguéis; desloca o consumo da família de produtos que estão com restrições de oferta (automóveis, eletrodomésticos) para outros que estão com níveis elevados de capacidade ociosa, além de criarem mais empregos; reduz a demanda de energia (automóvel) e aumenta a oferta (gás e solar); e aumenta o patrimônio das famílias.

2)            O aumento da oferta de mobilidade deveria ser uma preocupação do próximo governo. Uma ação mais ágil poderia ser rapidamente construída em parcerias com prefeituras, criando corredores e melhorando o acesso à cidade e o seu desfrute por pessoas de regiões mais periféricas. Isso é mais viável e ágil do que grandes obras (por exemplo, metrô, que pode ser planejado com mais cuidado). Uma segunda ação poderia ser a conversão dos aplicativos cooperativos nascidos em vários pontos (Araraquara, por exemplo) em bens comuns nacionais, aumentando o rendimento dos motoristas, melhorando a oferta do serviço (e reduzindo as remessas ao exterior).

3)            Alimentos foram, no período recente, uma das fontes de pressão inflacionária, nos EUA e no Brasil. É possível aumentar a oferta de alimentos de mesa em curto intervalo de tempo utilizando programas conhecidos e testados – do apoio à agricultura familiar de pequenas propriedades e dos cinturões urbanos às compras para a merenda escolar. Esse aumento de oferta cria rendimentos para famílias, em cadeias curtas (e mais sustentáveis), com efeitos sobre o poder de compra das famílias e ganhos ambientais significativos.

4)            Obras de saneamento são demoradas, mas há muitas alternativas de soluções locais e autônomas. Isso tem paralelo com etapa inicial do programa de cisternas, quando ele envolvia a comunidade e a Articulação do Semiárido. Melhorias de qualidade de vida, da disponibilidade para o trabalho e ganhos dos sistemas de saúde podem ser conseguidos em tempos mais curtos do que por meio das grandes obras (que devem ser feitas, mas demoram para apresentar resultados).

5)            As empresas de todos os tamanhos estão atrasadas em seus processos produtivos e organizacionais. São raras as exceções. E mesmo quando apresentam balanços sólidos, há muito o que fazer para atualizá-las depois de tão longo período de subinvestimento e atraso. Uma iniciativa de revirogamento empresarial deveria ser priorizada, com massificação de serviços de apoio, extensionismo, promoção, inovação, desenvolvimento tecnológico e apoio a exportações. Nesta diretriz, fundamental para a retomada, é necessário capacitar o empresariado e transformar os sistemas de formação técnica e profissional dos trabalhadores.

Precisamos aprender com as lições de 2003, mas também precisamos atualizá-las à luz do cenário atual.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Joao Furtado

João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, 62 anos, tem 3 filhos.

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