Da dimensão trágica do fanatismo na concepção do ser, por Eduardo Ramos

De todas as tragédias que podem acometer uma existência, tirando a fome, as misérias aviltantes, a pior delas é essa: o evento do fanatismo

Da dimensão trágica do fanatismo na concepção do ser

por Eduardo Ramos

Gosto de escrever sobre coisas em que penso ao longo da vida, mas confesso uma “fraqueza”: cometo poucos textos baseados nessas reflexões permanentes, prolongadas. Talvez pela personalidade compulsiva, vulcânica, e pela preguiça e paralisia que minhas melancolias me trazem – há décadas… – acabo arranjando forças e prazer em escrever quando surgem os “insights”, – em minha semântica íntima, um pensamento que surge de uma fonte externa a mim, pode ser uma música, um comentário lido, uma entrevista de alguém assistida, etc… – normalmente um sentimento intenso, que envolve um pensamento surgido repentinamente, e a paixão pela “primeira frase”, a primeira ideia nascida desse evento, se desdobra em texto. É assim que escrevo minhas crônicas, poemas, ensaios, artigos políticos.

Essa breve – e talvez desnecessária – introdução é só para vocês entenderem porque quis, num impulso, escrever sobre esse tema: o fanatismo como uma dimensão trágica na concepção do ser.

Estava assistindo vídeos no Youtube sobre Economia, Política, banalidades, e me deparei com uma breve entrevista com a cineasta Maria Augusta Ramos, diretora do filme “Amigo Secreto”, o documentário que desnuda a Lava Jato e expõe suas entranhas, seus vícios, crimes e parcialidades perversas, o mal que representou para o Brasil. Logo depois, em outro vídeo com a diretora, um jornalista dá seu testemunho, lembrando de como era ser profissional da área em Curitiba, o deslumbramento e o êxtase de seus colegas, de repente próximos do epicentro que fazia o Brasil tremer, a adesão cega, quase religiosa ao processo da Lava Jato, o orgulho de se tornarem free lancers dos maiores jornais do país…

Me veio de imediato a imagem de um REBANHO, as pessoas se perdendo de si mesmas, perdendo “suas almas”, de certo modo, ao menos parcialmente, nas áreas “danificadas”, bloqueadas pela doença do fanatismo. Não é só “maldade íntima” que provoca ações e reações inacreditáveis, de tão maldosas, desonestas, farsescas, em pessoas normalmente “boas” – O FANATISMO É UMA DOENÇA SORRATEIRA, QUE UMA VEZ INOCULADO NO CÉREBRO DOS MEMBROS DE UM REBANHO QUALQUER, AS LEVA A PERDEREM PEDAÇOS DE SUA PERSONALIDADE, PEDAÇOS DE SEUS VALORES MAIS BASILARES, PEDAÇOS DE SEUS PRINCÍPIOS DE VIDA, ATÉ ENTÃO SEGUIDOS NUMA EXISTÊNCIA QUE ERA NORMAL ATÉ O ADVENTO DO FANATISMO!

Vi isso acontecer dezenas e dezenas de vezes, arrasado emocionalmente, perplexo até a medula, com a mudança de alguns comportamentos, antes inaceitáveis para eles, em familiares e amigos que eu sei, absolutamente incapazes de tais pensamentos, sentimentos, ações, reações, um rasgo de tempo antes do tumor da manipulação de massas atingir nosso país, com o veneno da Globo, da Veja, da Folha, do Estadão, cuspido nos olhos e mentes dessas pessoas, dia e noite, dia e noite, num processo tão maligno, tão demolidor da persona, da personalidade humana de cada um…

Como é simplório aquele que, irado – justamente – com essas transformações, coloca a conta toda sobre uma “provável maldade de alma que já estava lá, habitava aquela pessoa… A Lava Jato, a manipulação da mídia, apenas trouxe à tona um mal que já existia…” – como se todos não fôssemos, ao menos parcialmente, ao menos os que não têm na verdade e sua busca uma paixão íntima constante e honesta, esponjas vivas, de certo modo. Passíveis, portanto, que “UM NOVO OLHAR, PENSAR, SENTIR, AGIR E REAGIR, MALIGNOS, SEJAM EM NÓS PLANTADOS E FLORESÇAM”, mudando coisas antes basilares em nós, UMA METAMORFOSE, e não simplesmente esse tal “aflorar o que já existia…” – o que não nego como presente igualmente, em todo esse processo social e político porque passamos no Brasil nessa última década.

Assistir o magnífico filme “Um Homem Bom”, sobre um alemão comum tornando-se parte do sistema infernal aos poucos, a alma devorada, pode trazer compreensão do que tento explanar nesse artigo.

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Foi assim que vi, assustado, duas amigas angelicais “de nascença”, doces, civilizadas, rindo em histeria quase selvagem, aqui no Face, na noite em que Aécio atacou de modo covarde a então candidata Dilma Rousseff, – eleição de 2014, o inferno dominando nossa sociedade tosca, rasa, deseducada… – com o dedo em riste e ofensas variadas, uma agressão psíquica tão monstruosa que Dilma desmaiou logo após o evento grotesco. Lembro do meu susto, a violência daquela contradição, duas pessoas de educação extremada, amadas e admiradas por todos, de repente portando-se como cães selvagens, rindo pelo fato de uma pessoa que elas HAVIAM APRENDIDO A ODIAR E SENTIR NOJO, ser esmagada em um debate que, de político, nada teve… O auge da destruição de tudo o que é civilizado e civilizatório ali, na tela da TV, e minhas amigas comemorando, porque “SATANÁS” tinha sido “PISADO” e humilhado, sofrido dores, desmaiado na frente do “herói”, misericórdia, estamos falando de Aécio Neves….

O que leva milhões e milhões de pessoas, sim, além das que revelam o que já eram ao florescer na sociedade o ambiente fétido, imundo, propício a isso – vide o bolsonarismo, filho dileto do lavajatismo… – a se deixarem transformar de modo tão perverso e trágico, em “coisas” que antes não eram, não fazia parte de seus pensamentos, sentimentos, ações, reações…? Além do NARCISISMO DE CLASSE – causa que não abordarei nesse artigo, e a essência do livro que estou planejando há décadas… – só os mais obscuros mecanismos de manipulação de massa, geradores dessa mistura tenebrosa, que une medos, nojos, preconceitos, ignorância, até que tudo isso, inoculado nas veias e artérias das pessoas, criem o monstro do FANATISMO!

Uma vez criado esse monstro, como um ALIEN, ele devora a pessoa de dentro pra fora, num processo tão absurdamente triste e dramático – porque a pessoa jamais se percebe nesse processo… – que muitos morrem sem jamais terem a noção do terem sido tornadas num desumano e despersonalizado REBANHO HUMANO, o que não é detectado por elas pelo simples fato de que, NAS ÁREAS NÃO AFETADAS PELA DOENÇA, seguem sendo as pessoas encantadoras, civilizadas, bondosas, que foram vida afora…

O ALIEN do fanatismo é tão devastador por esse motivo também: não precisa “destruir” a pessoa, aniquilá-la, ou mesmo desfigurá-la no todo – basta-lhe atuar, agir e dominar as áreas mentais e emocionais ligadas aos temas, assuntos, objetivos diretamente ligados àquela manipulação e transformação do ser em um triste “FANTOCHE ÚTIL”.

O segundo “gatilho” que provocou esse texto nessa madrugada, foi a lembrança das falas de amigos e familiares que sentem esse nojo de Lula e da esquerda em geral, mas foram incapazes de abraçar o bolsonarismo por resquícios de civilidade e humanidade em si, sobre o resultado das eleições de 2018. TODAS, sem exceção culpam quem pela tragédia? Sim, inacreditavelmente, a culpa é dele, o “SATANÁS-MOR” de suas almas enfermas: Lula!

Fico pensando no homem perseguido, massacrado, a esposa morta provavelmente devido a todo o horror e violências – que eles são INCAPAZES de reconhecer e sentir qualquer tipo de empatia… – a família exposta, o sofrimento pela espera de um julgamento, condenação e PRISÃO inevitáveis, diante do quadro social entorpecido e totalmente dominado por forças indomáveis, uma vez preso, É IMPEDIDO DE PARTICIPAR DAS ELEIÇÕES, e ele, que sofreu todos os horrores desse processo, a Lava Jato, ele, de dentro da cadeia, contas bloqueadas, ameaçado de ser jogado por uma juíza desprovida de qualquer dignidade ou ética numa prisão comum em São Paulo, esse homem, e não Moro, Dallagnol, Globo, a covardia do STF, a própria sociedade, a mídia ordinária, seria o grande “culpado” pela vitória de Bolsonaro. Ah, sim, “porque não foi humilde para apoiar Ciro Gomes”, o louco destemperado que atacava Lula e o PT diariamente… e que, mesmo assim, convidado num gesto de grandeza de Lula para ser o vice de Haddad, ou vice-versa, recusou o convite feito… O QUE MAIS, SE NÃO O MAIS CEGANTE DOS FANATISMOS, IMPÕE TAMANHA FARSA A UM CÉREBRO HUMANO NORMAL, INTELIGENTE…???

De todas as tragédias que podem acometer uma existência, cada vez mais eu creio, tirando a fome, as misérias aviltantes, a pior delas é essa: o evento do fanatismo comendo, devorando, dominando, sim, como um ALIEN silencioso, a alma de um homem, que “deixa de ser”, parcialmente que seja, perde, vejam, quão dramático isso pode ser, o esplendor de suas possibilidades enquanto PERSONA, enquanto pessoa única, criada por si mesmo para a vida, perde suas POTENCIALIDADES EXISTENCIAIS, porque nas áreas infectadas por essa doença maldita, um filtro que ele nem percebe, deturpará a verdade, a justiça, o belo, o civilizado, o humano, o solidário, o fraterno, contaminando o ser, contaminando a liberdade de pensar, sentir, ser lúcido, livre, soberano…

É essa, e creiam-me, escrito com “tintas leves”, a trágica dimensão do fanatismo na concepção, o nascimento em si, de um ser humano.

O fanatismo

é o inferno

trazido

à terra…

(eduardo ramos)

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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