Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Entre o Raiz e o Nutela, a saudade do Estadão da ditadura, por Armando Coelho Neto

Entre o Raiz e o Nutela, a saudade do Estadão da ditadura

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Num editorial de 19 de Maio, o jornal Estadão veiculou editorial chamando a atenção para o grave momento da vida nacional, que vai entrar para a história “como aquele em que a irresponsabilidade e o oportunismo prevaleceram sobre o bom senso e sobre o interesse público”. A crítica diz respeito à “irresponsabilidade na divulgação de trecho pontual das gravações clandestinas feitas por Joesley Batista”. Condena quem o fez, por ignorar os reflexos na economia, repetindo advertência feita pelo jornalista Luis Nassif, neste GGN, nos primórdios da operação Carne Fraca. Crítica válida, aliás, para a devastação provocada pela Farsa Jato no cenário econômico nacional e internacional.

O jornal detona atitudes tomadas “por gente que julga ter a missão messiânica de purificar a política nacional”. Mas ignora a seu papel na Farsa Jato, quando os vazamentos foram e são convenientes e pouco importou a contribuição para “a instabilidade permanente, que trava a urgente recuperação do País e joga as instituições no torvelinho das incertezas – ambiente propício para aventureiros e salvadores da pátria”. Ora, ora! Está a reclamar de seu próprio papel na desestabilização no país, quando ajudou a criar no seio da opinião pública o clima propício para o golpe. Alheios a 54 milhões de votos, o Estadão e seus asseclas criaram o clima para “qualquer coisa menos Dilma/Lula/PT”. Hoje, o editorial quer fazer de “Michel Qualquer Coisa” uma vítima.

Por cinismo ou inocência, aquele veículo diz que “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente”. E os vazamentos feitos pela Farsa Jato, inclusive com exclusividade para os Mesquitas, teriam sido acidentes? Não consta autocritica nesse sentido em suas páginas, pelo menos em mesmo grau. Mais à frente, critica quem, dentro dos órgãos teria acesso e interesse (“sabe-se lá por quais razões”) em gerar turbulência, justo no momento em que o impostor Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para aprovar reformas (ou seriam deformas?). Bom lembrar que foi exatamente o que fizeram com Dilma Rousseff, nos dias que antecederam o golpe, que o Estadão se recusa a tratar como tal.

De pérola em pérola, aquele editorial é recheado de “mi mi mi”, tais como “modus operandi do vazamento”, “fragmentos de frases transcritas de uma gravação clandestina”… “explosivo material”, em nítida defesa do impostor. Mais chorosa ainda é a lamúria quanto ao debate político chulo, cheio de “disse que disse frívolo das redes sociais”. Ops! Qual foi mesmo a postura do Estadão quando Sérgio Moro divulgou ilegalmente conversas telefônicas da presidenta Dilma? Ao que consta, o principal era o conteúdo, coisa e tal. Eis o conflito do que hoje deu de se chamar “canalhice Nutela e de Raiz”, sem que o editorial do Estadão dê elementos para que o leitor sério e ou “pato da Fiesp” saibam qual dos dois vazamentos é merecedor de bênção.

De queixume em queixume, o jornal critica o “vazamento a conta-gotas das delações dos executivos da Odebrecht que envolvem quase todo o Congresso Nacional, mantendo o mundo político em pânico…”. Em lânguidas linhas, o jornal repudia “o fato de que Joesley Batista e outros delatores sairão praticamente livres, pagando multas irrisórias, embora tenham cometido – e confessado!”. Ooooh! E o mais cruel é que “Para honrar tão generoso acordo com o Ministério Público, o empresário saiu por Brasília a armar flagrantes, com gravador escondido no bolso, a serviço dos que pretendem reformar a política na marra”. Mais uma vez o fenômeno “Nutela/Raiz”. O que dizer de rascunhos de e-mails, papeis sem assinaturas e recibos de pedágio sem nome?

Estadão à parte, estaria a esquerda a ver como troféu o que antes era golpe em relação a Dilma? Ou seria o Estadão que vê como golpe o que antes seria troféu moral? Enquanto isso, Rodrigo Janot está rindo de todo mundo, ao mesmo tempo em que rouba circunstancialmente a cena de Sérgio Moro, que indeferiu 21 perguntas incriminariam Fora Temer. Seria um Janot X Moro? Que importa? Ambos têm em comum não estarem nem aí com a democracia ou economia. Vale a ortodoxia do Direito (Moro). O resultado é a alimentação do caos promovido pelos vazamentos, que, aliás, enfiaram a TV Globo numa grande armadilha da qual parece não consegue se desvencilhar, agravado pelo atoleiro que só o capital estrangeiro pode salvar.

A rigor, o editorial dos Mesquitas não está errado. É apenas cínico e oportunista, pois são palavras que caberiam na boca de qualquer petista até pouco mais de um ano. O quadro objeto de crítica do jornal, além do aspecto econômico, revela que o processo político foi substituído pelo processo penal num casamento com a imprensa. O Estadão foi estrume nisso tudo e nisso tropeça e escorrega, ao constatar que armaram, sim, para o impostor Temer, tanto quanto o fizeram contra Dilma. Com diferenças essenciais: o impostor foi pego com a mão na botija e não tem legitimidade (Dilma é exatamente o inverso). Temer traiu Dilma e a vida se encarregou de dar o troco: foi traído pela cozinha do golpe, por Joesley e os Marinhos.

Coroando o cinismo crônico do editorial, na mesma edição em que foi veiculado, há uma leviana chamada – “Lula e Dilma tinham US$ 150 milhões em ‘conta-corrente’ de propina da JBS, diz Joesley”, Nota: com menos suporte que um rascunho de email.

Que saudade da ditadura militar! Não por ela em si, mas pelas receitas de bolo que o Estadão publicava.

http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-hora-da-responsabilidade,70001794253

 

 

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

13 Comentários

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  1. A forca sindical está

    A forca sindical está abandonando o barco. Na manifestação de quinta feira, várias bandeiras e militantes e o Golpista Paulinho da forca fazendo discurso contra o atual governo. HIPÓCRITAS!

  2. Muito boa a análise. O

    Muito boa a análise. O Estadão é um jornal decadente, pouco importando a saudade que sente do tempo da ditadura militar. Jornaleco desprezível.

  3. Balzac já dizia há quase 200 anos atrás…
    O jornal, em vez de ser um sacerdócio, se tornou um meio para todos os partidos; de meio, virou comércio, e, como todos os comércios, não tem moral nem princípios. Todo jornal é, como diz Blondet, um armazém onde se vendem ao público palavras da cor que ele quiser. Um jornal não é mais feito para esclarecer, mas para adular opiniões. Assim, todos os jornais serão, mais cedo ou mais tarde, covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos; matarão as ideias, os sistemas, os homens, e florescerão exatamente por isso. Terão o benefício de todos os seres da razão: o mal será feito sem que ninguém seja culpado por ele. (Balzac – Ilusões Perdidas – 1837)

  4. Cestas de gatos às segundas

    Impressionante parte da imprensa internacional que cobre o Brasil, tipo El País, Le Monde etc…até hoje pela manhã seus articulistas não conseguiram distinguir entre as investigações e acordos firmados em Brasília – derivada das carnes podres, fracas e o BNDES – com seus corruptores e corruptos, da tal de Lava Jato de Curitiba. Para eles é uma coisa só. Realmente o Brasil não é para amadores. Não sei se por má fé, ignorância ou mau jornalismo mesmo.

    Alguém poderia avisá-los que tem vários lados nessa porra:

     (1) Estadão, Folha e suas sucursais estaduais tipo O Tempo de MG tentando “salvar” Temer, Aécio e a turma do Gilmar e o centrão a direita, a elite desinformada e contra o PT e esquerdas;

    (2) Do outro lado a Globo e suas sucursais + os rentistas donos do capital nacional e internacional + o Barroso e os que vestem a camisa amarela da CBF e prega contra a corrupção e contra o PT e as esquerdas;

    (3) De outro lado o que resta da Lava Jato e os Moros-boys com seus delegados, alcacoetes, o TRF4, o PSDB, o Fachin e os movimentos de direitas lobotobolsanoristas e contra o PT e as esquerdas;

    (4) Os jornalistas independentes brasileiros tentando ainda entender quem está contra, quem está à favor do que, quando e onde; de vez em quando dá porrada também nas esquerdas e no PT;

    (5) o PT e as esquerdas a favor do PT;

    (6) as esquerdas contra o PT;

    (7) o povão, de manhã a favor dos golpe militar, à tarde a favor da direita e após às 20:00 horas contra o PT;

    (8) os correspondentes estrangeiros que não entendem de porra nenhuma de Brasil.

  5. O editorial revela a podridão

    O editorial revela a podridão moral dos “Mesquitas” e sócios. O material que eles produzem tem uma utilidade: recolher cocô de cachorro. 

  6. É mais do que ciínico, o

    É mais do que ciínico, o Estadinho é corrupto. Defende o MT porque este lhe dá dindim, propina. E ao contrário do caso do Lula e Dilma, há provas. Está lá no diário oficial. Tantos milhões para o jornaleco dos Mesquita.

    A grande imprensa brasileira além de ser de péssima qualidade é tão corrupta quanto o Cunha.

  7. Caro Armando

    Lendo seu artigo, em que pese ser urgente, imprescindível e importantíssimo denunciar a canalhice que grassa solta nesse momento em nosso país, denúncia esta como a você aqui está fazendo, me ocorre duas questões:

    1 – O “jornal” não detona, não ignora, não critica. O “jornal” é papel e tinta, imagem numa tela de computador. Como é o nome das pessoas que detonam, ignoram e criticam?

    2 – Adianta alguma coisa a gente reclamar do que fazem os donos das empresas privadas? Fosse um órgão estatal, ok: somos todos co-donos do que é público, que é feito para nos atender. Mas será que por conta de protestarmos, os donos daquelas empresas reverão seus modos de pensar, sentir e agir, mudarão o que fazem através de suas firmas?

    Fossem firmas como “OESP”, “Globo”, “Abril”, “Folha” e demais do Instituto Millenium, Mises, MBL e outras associações de alcova que-tais, produtoras de comida, por exemplo, e não entretenimento noticioso, já estariam seus consumidores mortos por envenenamento faz tempo. Por outro lado, texto e foto de alta toxidade, ainda que artificialmente coloridos e aromatizados através de ingredientes como estilo e um outro, que nós mesmos fornecemos, transformam seu consumidor em verdadeiros zumbis. O ingrediente que fornecemos: credibilidade. Gostamos de gostar de firmas grandes através de seus produtos, “Estadão”, “Jornal Nacional”, e outras monstruosidades parecidas, será que não?

    Como diz nosso colega Rui Daher, “é preciso fulanizar o recheio do câncer”: https://jornalggn.com.br/blog/rui-daher/e-preciso-fulanizar-o-recheio-do-cancer-por-rui-daher

  8. Ficaram triste que pegaram o

    Ficaram triste que pegaram o candidato deles praticando crime?

    O Estadinho consegue ser pior que a veja

  9. Em 1916 Gransci escrevia Os jornais e os Operários

    “É a época da publicidade para as assinaturas. Os diretores e os administradores dos jornais burgueses arrumam as suas vitrines, passam uma mão de tinta pela tabuleta e chamam a atenção do passante (isto é, do leitor) para a sua mercadoria. A mercadoria é aquela folha de quatro ou seis páginas que todas as manhãs ou todas as tardes vai injetar no espírito do leitor os modos de sentir e de julgar os fatos da atualidade política que mais convém aos produtores e vendedores de papel impresso. Estamos dispostos a discorrer, com os operários especialmente, sobre a importância e a gravidade daquele ato aparentemente tão inocente que consiste em escolher o jornal que se pretende assinar?

    É uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recorda-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação. Mas o pior reside nisto: em vez de pedir dinheiro à classe burguesa para o subvencionar a obra de defesa exposta em seu favor, o jornal burguês consegue fazer-se pagar pela própria classe trabalhadora que ele combate sempre. E a classe trabalhadora paga, pontualmente, generosamente. Centenas de milhares de operários contribuem regularmente todos os dias com seu dinheiro para o jornal burguês, aumentando a sua potência. Porquê? Se perguntarem ao primeiro operário que encontrarem no elétrico ou na rua, com a folha burguesa desdobrada à sua frente, ouvirão esta resposta: É porque tenho necessidade de saber o que há de novo. E não lhe passa sequer pela cabeça que as notícias e os ingredientes com as quais são cozinhadas podem ser expostos com uma arte que dirija o seu pensamento e influa no seu espírito em determinado sentido. E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, que outro é interesseiro, que o terceiro, o quarto e quinto estão ligados a grupos políticos que têm interesses diametralmente opostos aos seus. Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos, facciosos, malfeitores.

    O governo aprova uma lei? É sempre boa, útil e justa, mesmo se não é verdade. Desenvolve-se uma campanha eleitoral, política ou administrativa? Os candidatos e os programas melhores são sempre os dos partidos burgueses. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disto, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites. É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente para a mão do ardina é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária.

    Se os operários se persuadirem desta elementaríssima verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais dos operários, isto é, a imprensa socialista.

    Não contribuam com o dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinaturas, feitas por todos os jornais burgueses. Boicotem, boicotem, boicotem!”

    Antonio Gramsci

  10. Ah, o Estadão…. Mas e o Sergio Moro, hein!

    Quando vi a bomba que Janot e seus procuradores em Brasilia armaram para Temer e cia. com direito a um Jornal Nacional inteiro dedicado ao caso, fiquei pensando na cara dos palermas de Curitiba (chamar o golpe da lava jato de republica de Curitiba, eu sempre achei que era dar muito crédito para os yuppies de Curitiba). Queixos cairam por la. Sera que Sergio Moro derramou uma lagrima pelo Aécio e irmã ? E o Temer, que ele cumprimentou em evento com tamanha satisfação, parecia o Bozo, com sorriso de orelha à orelha. Eita vida bandida! ::)) Imagino que ja estejam a procura de uma nova forma de retomarem o protagonismo. E da-lhe Lula isto, Lula aquilo. Vida que segue.

    1. Lula condenado por ter sido fotografado ao lado do Léo Pinheiro

      A única prova de que Lula é o dono do Triplex do Guarujá é uma foto na qual o Lula está ao lado do Léo Pinheiro. Pois, bem, se alguém é criminoso apenas por ter sido fotografado ao lado de um criminoso, o $érgio Moro foi fotografado ao lado do Aécio Neves. Se o Moro condenar o Lula com base na prova fotográfica, ele também deve ser condenado.

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