Esquerda será colocada à prova com segundos turnos dolorosos, por Gustavo Conde

Haverá muitas feridas abertas em um possível apoio a Boulos. E será uma faca de dois gumes: se o PT apoiar Boulos, a imprensa vai começar a atacar ferozmente a candidatura Boulos e, consequentemente, Covas estará eleito.

Esquerda será colocada à prova com segundos turnos dolorosos

por Gustavo Conde

Haverá surpresas nas eleições de hoje. Como ficou claro nos EUA, a metodologia das pesquisas de opinião está defasada. Não acompanhou as mudanças estruturais da comunicação digital e acusa uma defasagem na atualização dos dados socioeconômicos. Em tempos de Temer e Bolsonaro, as cidades empobreceram muito rapidamente e as subdivisões sociais perderam parte da validade.

Some-se a isso o aparelhamento dos órgãos de pesquisa sob o comando federal, como o IBGE. É evidente que os profissionais competentes do IBGE seguem na luta contra a truculência do governo federal, mas essa luta e assimétrica.

Outro ponto: abstenção. Ninguém projetou ou sabe projetar o percentual de comparecimento às urnas, sobretudo nas faixas-etárias que correspondem aos grupos de risco. A segunda onda da covid vem com força em um país que fez tudo errado do começo ao fim no combate à pandemia e que só não viu uma catástrofe em massa ainda maior em função do SUS.

Há ainda as milícias – cada vez mais fortes – e as fake news propagadas pelo WhatsApp. Não se pode esquecer também o jogo baixo de alguns candidatos em pagar direcionamentos criminosos nos mecanismos de busca do Google fustigando candidaturas concorrentes que disputam o mesmo nicho eleitoral.

Mas o resultado deste protocolo canalha, as pesquisas já captaram, sobretudo na cidade de São Paulo.

Em tempo: se houvesse justiça eleitoral no país, essa candidatura supracitada – que todo mundo sabe qual é – teria de ser devidamente impugnada.

Mas, estamos no Brasil.

Dito isso – e apesar disso -, algumas pesquisas podem fatalmente se confirmar. E, a se confirmar, teremos uma mudança brusca no tabuleiro político.

Se o Psol ganhar em algumas cidades importantes, terá de governar. Será beneficiado pela imprensa convencional, que segue firme em seus ataques ao PT – e que, por isso, irá proteger o Psol -, e pelas mídias alternativas, já meio cansadas de defender o legado do PT.

O Psol, a rigor, já se transformou no novo “partido dos intelectuais”.

Esse coquetel conjuntural tenderá a descaracterizar de vez aquilo que já está meio descaracterizado no Psol: sua intransigência e combatividade.

É natural. Isso aconteceu com o PT, ainda que em outras proporções e dentro de um processo bem diferente.

O PT, mesmo tendo uma perfomance melhor que em 2016 será taxado de derrotado. O melodrama em torno de um possível apoio a Boulos poderá implodir a energia social gigantesca reacumulada com a prisão política de Lula. O Psol sempre quis essa energia para si e – me parece – vai acabar conseguindo.

Haverá muitas feridas abertas em um possível apoio a Boulos. E será uma faca de dois gumes: se o PT apoiar Boulos, a imprensa vai começar a atacar ferozmente a candidatura Boulos e, consequentemente, Covas estará eleito.

Por outro lado, a possibilidade de o Psol não querer o apoio do PT – pelas razões acima descritas – não é pequena. Boulos é uma coisa. O Psol, outra, completamente diferente.

É cenário proibido para cardíacos. O tabuleiro político está prestes a dar um cavalo-de-pau.

As vitórias do PT em outras capitais importantes, como Recife e Fortaleza, poderiam arrefecer o ímpeto do enquadramento da derrota. Lembremos que o PT é bom de eleições e é bom de segundo turno.

Também é bom lembrar que o ódio histérico – sic – ao PT materializado no Psol lavajatista de 2013, nas ofensas de Ciro Gomes e na habitual canalhice da nossa direita, também arrefeceu (basta dizer que parte do Psol até apoiou – pasmem – a campanha Lula Livre).

Manter o PT vivo, por incrível que pareça, também faz parte do cardápio megalomaníaco das nossas redações: como continuar atacando o PT, se ele estiver tão enfraquecido?

Como diria a já surrada frase de Tom Jobim, “o Brasil não é para amadores”.

Noutra ponta deste iceberg cenográfico prestes a eclodir, estará a estratégia da imprensa em significar a vitória sobre Bolsonaro nessas eleições municipais como uma vitória do centro político. Isso prepara o terreno para Luciano Huck e João Doria em 2022.

Se a esquerda ficar assistindo esse protocolo de construção narrativa, lamento dizer, ela será atropelada.

O candidato anti-Bolsonaro está sendo construído com muito investimento técnico, digital e editorial neste momento. É a sequência lógica do golpe: arranca-se o PT, devasta-se o país e abre-se espaço para um salvador da pátria neoliberal, bem nascido, de discurso vazio e bem comportado, representação sedutora para um eleitor cansado de tentar raciocinar diante de tanto ódio e incompetência.

O Brasil é grande e complexo e o nosso maior partido real de oposição, o PT, também. Tudo pode acontecer, inclusive nada.

Mas o cenário político está em ebulição nesse momento em que se constrói o cenário pós-Bolsonaro.

Sem investimento em ciência (da linguagem), sem atenção para as redes sociais, sem a coragem de romper com as burocracias internas já gastas – com uma estrutura partidária que clama por renovação conceitual -, sem a combatividade habitual de ir para cima dos detratores que disputam o mesmo espaço político, o PT pode, de fato, abrir uma temporada de enfraquecimento.

Eu não acredito muito nisso, porque o PT sabe se reinventar. Está no seu DNA essa capacidade de adaptação.

Mas há peças que estão espanando, sobretudo aquelas que controlam a burocracia do partido. É um choque geracional. Diante do medo de perder poder e da constatação óbvia de que redes sociais são um departamento impermeável para certos vícios históricos, o PT segue depositando todas as suas fichas na genialidade e na simbologia agregadora de Lula.

O recado é: até essa dimensão épica de Lula já está sendo disputada por outras legendas. Seria bom abrir os olhos.

Redação

2 Comentários

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  1. ” se o PT apoiar Boulos, a imprensa vai começar a atacar ferozmente a candidatura Boulos ” , simples , o PT apoia Covas , a mídia o ataca e assim elege Boulos !!!

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