Manuel Domingos Neto
Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, mestre pela Universidade de Paris III e Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense
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Sociedade deveria temer não a capacidade, mas o propósito da espionagem militar, diz especialista em Forças Armadas

Estivessem as fileiras voltadas para dissuadir possíveis agressores estrangeiros, não lhes sobraria disposição para tutelar o Estado e a sociedade

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Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press. Brasil. Brasilia – DF. Politica. Cerimonia Dia do Soldado. Presenca do Presidente Jair Bolsonaro com o comandante do Exercito Leal Pujol. Local. Setor Militar Urbano de Brasilia.

Medo injustificado

Por Manuel Domingos Neto

Ontem, houve quem arrepiasse de medo ao ler a reportagem da Folha de São Paulo: “Exército compra equipamento para acessar celulares e silencia sobre motivos”.

Nada mais compreensível, neste momento em que a democracia magrinha que nos sobrou está ameaçada.

O jornal insinua que o Exército se prepara para extrair “dados de telefones celulares, de sistemas de nuvem dos aparelhos e de registros públicos armazenados em redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram”.

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Ora, isso é comezinho na inteligência militar. O jornal reportou que a galinha come milho. Impossível corporações armadas se manterem avisadas sem recursos técnicos básicos.

O jornalista diz que, “pela primeira vez”, o Exército compra tal tipo de ferramenta. O coronel da reserva do Heraldo Makrakris emendou: trata-se de “mais uma” ferramenta.

A reportagem é tão rasteira e enganosa que outro coronel, Marcelo Pimentel, ironizou: o jornalista devia ganhar um Pulitzer.

O repórter fez o leitor pensar em ladroagem ao informar que a compra foi efetuada sem licitação. Não sabia que é bizarro anunciar esse tipo de compra? E que, se houve publicidade, foi intencional, como alertou o coronel Marcelo Pimentel?

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O repórter fez ainda o pobre leitor imaginar planos terríveis, ao destacar que a compra foi autorizada pelo general Paulo Sérgio, hoje ministro da Defesa dedicado a fustigar o TSE por conta de urnas eletrônicas.

Nesses assuntos, as reportagens necessárias deveriam tratar das intenções dos vazamentos de notícias, ensina Piero Leirner, obstinado pesquisador da guerra híbrida.

A atuação dos militares está dirigida para condicionamentos da sociedade. Interessa-lhes criar ambientes que chamam de “psicossociais” e, neste sentido, usam sorrateiramente a imprensa desavisada ou de má fé.

Não cabe aos brasileiros temer a capacidade de espionagem das corporações militares. Guerreiros, quanto mais informados, melhor se preparam para suas missões.

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O que deveria preocupar são os propósitos da espionagem. Seria para acompanhar o passo a passo dos numerosos agentes estrangeiros imiscuídos em nossos negócios?

O que deve deixar o cidadão inquieto é a obcecada preocupação do militar com o “inimigo interno”, que o transforma, para a alegria do potencial agressor estrangeiro, em caçador de cidadãos descontentes com o ordenamento socioeconômico.

O que mete medo é o distúrbio de personalidade do militar brasileiro que, ao se dedicar à manutenção da lei e da ordem, abandona sua função precípua de preparar-se para enfrentar o estrangeiro hostil.

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O que deve assombrar os brasileiros é a dependência das corporações militares em armas e equipamentos de potências estrangeiras. Em outras palavras: a incapacidade de defender o país com armas próprias e o permanente beneficiamento de complexos industriais-militares que aterrorizam o mundo.

Ao ocupar a mente dos brasileiros com potocas, jornalistas não ajudam a luta democrática. Atuam como transmissores de desígnios castrenses.

Será que um dia veremos grandes jornais enviando repórteres à Washington para nos relatar o que diabo fazem as comissões das Forças Armadas brasileiras nos Estados Unidos? Isso, sim, amedronta.

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Desde a Segunda Guerra Mundial mantemos escritórios militares permanentes neste país. Os recursos públicos esbagaçados bastariam para mudar o rumo da prosa em política de Defesa.

Estivessem as fileiras voltadas para dissuadir possíveis agressores estrangeiros, não lhes sobraria disposição para tutelar o Estado e a sociedade. A democracia estaria melhor protegida.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

*Manuel Domingos Neto é historiador, professor, pesquisador na área das Forças Armadas. Também foi deputado federal pelo Piauí

Manuel Domingos Neto

Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, mestre pela Universidade de Paris III e Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense

4 Comentários

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  1. Por que as nossas Forças Armadas não utilizam esses equipamentos como instrumentos de contraespionagem externa, oriunda dos USA , Rússia, China e Inglaterra, ao invés de investir internamente contra a própria nação, conspirando para denegrir a imagem e a segurança do seu povo, que é quem paga os seus soldos.

  2. Esse episódio lembra a velha piada do espião de poucos neurônios. O sujeito que comprou uma câmara fotográfica minúscula. Espionou, revelou o filme e descobriu que havia tirado 36 fotos do próprio olho.
    No caso atual, o olho é privado, mas quem banca a bisbilhotice fardada é o surrado orçamento público.

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