Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Medo, Raiva e o Crescimento da Extrema Direita, por Jorge Alexandre Neves

Medo, Raiva e o Crescimento da Extrema Direita

por Jorge Alexandre Neves

Sejamos sinceros, a maioria de nós da esquerda ou do centro democrático tomou um susto com o crescimento recente da candidatura do deputado Jair Bolsonaro. Para quem é pró-PT, a estratégia de transferência de votos de Lula para Haddad funcionou como um relógio, quase à perfeição, totalmente dentro das margens de variabilidade razoável que todos prevíamos. Todavia, para a grande maioria de nós analistas, o crescimento do voto em Bolsonaro estourou o teto que imaginávamos.

Felizmente, contudo, há tempo para lidar com a surpresa. É muito provável que haverá segundo turno. Primeiramente, porque a rejeição a Bolsonaro continua extremamente elevada. Em segundo lugar, porque sua rejeição é muito sólida – por exemplo, a pesquisa XP/IPESPE, que saiu há pouco, mostra que, entre os 27% de entrevistados que rejeitam Bolsonaro e Haddad, 42% admitem votar em Haddad no segundo turno, ao passo que apenas 16% votariam em Bolsonaro. Terceiro, porque os dois fenômenos (uma reação inesperada ao movimento do #Elenão e a adesão de várias denominações evangélicas à sua candidatura) – que, tudo indica, causaram a surpresa do seu forte crescimento de ao longo desta semana final de primeiro turno – já estão em seus efeitos finais.

Portanto, o importante, agora, é olhar para frente. Como vencer Bolsonaro no segundo turno? Podemos aprender muito com alguns tipos de análises científicas e experiências de outros países.

Sheri Berman, professora de Ciência Política da Universidade de Columbia (EUA), publicou há poucos meses um artigo no jornal The Guardian que pode ser muito útil para pensarmos sobre o embate de segundo turno. Seu artigo é quase que um pequeno manual do que não se deve fazer na hora de uma disputa política com um candidato de extrema direita.

O artigo de Berman está cheio de citações a excelentes trabalhos de cientistas sociais experimentais. A abordagem experimental nas ciências sociais está, em minha opinião, revolucionando várias das nossas disciplinas, em particular a psicologia social, a economia e a ciência política (infelizmente, entre nós sociólogos, a abordagem experimental ainda é muito menos expressiva do que nessas outras três ciências sociais). Na economia, por exemplo, os chamados “economistas comportamentais” estão conseguindo mostrar empiricamente o que importantes teóricos “heterodoxos” apontaram, há décadas atrás, em suas reflexões críticas do chamado “homo economicus” (vale a pena citar duas referências desses antigos trabalhos teóricos: o artigo de Amartya Sen intitulado “Rational Fools” e o artigo de Albert Hirschman intitulado “Against Parsimony”), qual seja, que a ação dos atores econômicos é muito mais complexa do que se pode prever a partir da simplória teoria neoclássica.

Berman argumenta que a eleição de Trump foi uma surpresa, porque as pesquisas vinham mostrando que o racismo tem diminuído de forma constante, nos EUA. Todavia, ela encontra a explicação em um interessante artigo do psicólogo social Jonathan Haidt, da NYU, publicado na revista the American Interest, segundo o qual: “Algumas pessoas têm um botão nas suas nucas e, quando esse botão é apertado, elas imediatamente se concentram na defesa dos interesses de seus pequenos grupos de referência… Mas, quando elas não se sentem ameaçadas, seus comportamentos não são particularmente intolerantes. Portanto, o segredo está em descobrir o que aciona o botão”. Tanto o artigo de Berman quanto o de Haidt indicam um fator que é candidato a ser o acionador do botão: o medo.

Podemos encontrar outro fator. Dan Ariely (importante economista comportamental da Universidade Duke, nos EUA) em seu livro “Previsivelmente Irracional”, descreve um instigante experimento que fez com alunos da Universidade da Califórnia-Berkeley. Ele tinha a intenção de manipular a raiva para mensurar o efeito desta sobre o nível de moralidade dos alunos na hora de responder um questionário sobre valores relacionados à tolerância e à democracia. Como considerou muito perigoso manipular experimentalmente a raiva, decidiu substituí-la pela excitação sexual. Ele, então, fez um experimento com algumas dezenas de alunos do sexo masculino (pois considerou que seria muito difícil manipular experimentalmente a excitação sexual das mulheres). Não entrarei nos detalhes do trabalho experimental dele (há alguns bastante curiosos), mas suas conclusões são as de que houve uma diferença estatisticamente significante nas respostas dadas pelos estudantes ao questionário quando esses foram respondidos em um auditório da universidade ou em seus alojamentos em situação de excitação sexual. Mais especificamente, os questionários respondidos no auditório mostraram um nível médio de tolerância e comprometimento com valores democráticos significativamente maior do que aqueles respondidos nos alojamentos. A conclusão de Ariely é a de que o mesmo se pode esperar do estado emocional de raiva. Ou seja, indivíduos com raiva se tornam menos morais, são menos solidários e tolerantes.

Portanto, é razoável concluir que tanto o medo quanto a raiva funcionam como ativadores do botão sugerido por Haidt. Ocorre que as pesquisas eleitorais feitas recentemente (em particular as do Datafolha) mostraram que a maioria dos eleitores brasileiros se declara estar com medo e com raiva (curiosamente, maiorias semelhantes declararam um apoio inédito à democracia, o que só aproxima o caso brasileiro daquele identificado por Berman, nos EUA, quanto ao racismo). Esses dois estados de espírito tornam alguns desses eleitores mais propensos a se afastarem de valores tipicamente democráticos (como tolerância e solidariedade) e se aproximarem de valores típicos da extrema direita.

Como, então, lidar com essa realidade? Berman deixa muito claro o que não se deve fazer e sugere o que se pode fazer. Na primeira categoria está acusar a liderança da extrema direita de fascista, machista, racista, misógino ou homofóbico. Isso só lhe torna mais forte e o vitimiza diante de quem está propenso a lhe dar apoio.

Na parte final do seu artigo, Berman sugere, basicamente, duas estratégias para tentar desligar o botão de Haidt. A primeira é buscar se conectar com os apoiadores (principalmente os menos convictos) da extrema direita a partir de pontos que se possa ter em comum com eles. A segunda é buscar reduzir seu medo (e, penso eu, com base em Ariely, sua raiva).

Portanto, acredito que, para vencer Bolsonaro no segundo turno, Fernando Haddad e o PT precisam distensionar os eleitores e dar a eles esperança. Penso que Haddad é uma figura ideal para fazê-lo. Do ponto de vista pessoal, é calmo e propenso ao diálogo. Tem uma família estável, com uma esposa companheira e filhos bem sucedidos. Do ponto de vista político, tem um histórico de conciliador e de iniciativas de sucesso, inclusive o que considero uma das PPPs mais exitosas que já tivemos no Brasil, o Prouni, que, a partir da colaboração entre o estado e as instituições privadas de ensino superior, conseguiu impactar positivamente a vida de milhões de famílias.

Fernando Haddad tem toda condição de, no segundo turno, propor um novo pacto social no Brasil, como foi feito por Lula. Para isso, precisa ter um embate sereno com Bolsonaro, mostrando de forma clara que tem as propostas que este não tem para impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento no Brasil, criando assim, mais uma vez, a esperança que pode vencer o medo e a raiva que muitos eleitores brasileiros sentem hoje!

Jorge Alexandre Neves – Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), Professor Titular do Departamento de Sociologia da UFMG, Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin (EUA) e da Universidad del Norte (Baranquilla, Colômbia), pesquisador do CNPq e articulista do jornal Hoje em Dia. Especialista em desigualdades socioeconômicas, análise organizacional, políticas públicas e métodos quantitativos.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

7 Comentários

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  1. IMAGINAÇÃO POUCO PRODUCENTE. 88 ANOS DE FASCISMO DE ESQUERDA

    É o fim do Getulismo juntamente com Elites Esquerdopatas que apoiaram e prolongaram o Golpe Civil-Militar Ditatorial Fascista de 1930. Não é a barbarie 2018. São 88 anos construindo o atraso, a desindustrialização, a Indústria da Pobreza. Plantaram jiló queriam colher cenouras? 

      1. Não é papoula, meu caro Iroca…

        É que o Brasil nos primeiros 30 anos do século XX, naquele tempo da república do Café com Leite, era um país avançadíssimo, industrializado, urbano, com uma classe média pujante e praticamente sem pobres.

        Valha-me Deus… já não é a primeira vez que vejo essa opinião do camarada. Que dó!!

        1. FIM DO FASCISMO DE ESQUERDA. O DESESPERO BATE….

          Realmente bem melhor que Voto Direto e Facultativo de Governos Republicanos Eleitos foi um Golpe. Ditadura. Fascismo. Governo Militar. Caudilhismo… O Brasil naquele tempo não era o paraíso na Terra. (Presidente Negro, meio século antes que EUA considerassem um Negro como Cidadão). Vivia um processo histórico na vanguarda da Humanidade, que foi abortado pelo Governo Fascista acima citado que Esquerdopatas vangloriam atée hoje.(Mas 64 não servia?) Enquanto já éramos uma Democracia Eleita, comparem com o que acontecia no restante do Mundo? Como os “Civilizados e Desenvolvidos” Europeus, NorteAmericanos, Russos, Japoneses,… lotavam navios (como os Africanos fazem hoje) para fugirem do Fascismo, do Nazismo, da Miséria, do Atraso, da Fome, das Doenças e Parasitas,… E corriam para onde? Um país que não conhece sua própria história… Pobre país rico.      

  2. balela, analise politica é melhor que ‘experimentos’

    Experimentos sociais com grupos de controles pequenos e isolados, em condições não controladas como se fazem em experimentos físicos. Isso é balela, não leva em conta a macro-estrutura social, a sociedade é muito mais complexa que estudantes em alojamentos, pessoas não são ratos.

  3. O pacote Bolsonaro
    Votar na besta do Boçalnaro não é só apoiar o fascísmo, são também os religiosos fundamentalistas estelionatários, a máfia e o governo falido de Temer, a intolerância, a estupidez, a violência, a corja de corruptos do Congresso, os mercenários, especuladores, a indústria de armazenamentos, a ditadura. É um ser obtuso, limitado, agressivo.

  4. O botão dos ciristas

    Assim como desarmar o botão da raiva e do medo dos eleitores de Bolsonaro, me parece importante buscar desarmá-lo nos apoiadores e eleitores de Ciro Gomes, candidato que se utiliza desse mesmo mecanismo, surfando na onda do antipetismo, para atingir seus objetivos eleitorais. Será que Ciro conseguirá desarmar o botão de seus eleitores no segundo turno?

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