Multa irrisória – lucro estrondoso, por Martin Mayr

De agosto de 2014 (notificação da infração) até junho de 2021 (pagamento da multa), o grupo Horita colheu sete safras na área autuada

Agência 10envolvimento

Multa irrisória – lucro estrondoso

por Martin Mayr

No final do ano de 2002 Lula já tinha sido eleito Presidente da República, mas não estava empossado ainda. Nesta altura, o fantasma “desapropriação de terras improdutivas” apavorava os latifundiários. Aceleraram os desmatamentos nas áreas nativas, apostando numa estratégia velha de grileiro desmatador: Que o Judiciário considere a remoção do mato nativo como prova de domínio e posse da gleba.

O empresário Ronald Guimarães Levinsohn, padrão superior da “Fazenda Cachoeira de Estrondo” (315.000 hectares no Cerrado de Formosa do Rio Preto) e notificado pelo INCRA como mega-grileiro de terras públicas, optou pela mesma estratégia.

Para tanto, Levinsohn conseguiu corromper a então Gerência Regional do IBAMA em Barreiras. José Marcos Cardoso, gerente executivo na época, liberou o desmatamento de 49.000 hectares de cerrado nativo entre os rios “Preto” e “Riachão”, através de 69 autorizações, todas assinadas no dia 18 de novembro de 2002. Posteriormente, a engenheira florestal Edna Piau passou um dia na área imensa, para munir a decisão do gerente com pareceres técnicos oportunos.

Das autorizações, só ficaram as vias repassadas à CMOB. No arquivo do IBAMA, todos os protocolos e documentos referentes às 69 autorizações sumiram. Em 2003, o IBAMA instaurou um procedimento de apuração interna. José Marcos Cardoso foi submetido a um processo administrativo disciplinar (PAD) e a um processo judicial por improbidade administrativa. Edna Piau foi demitida.

Muitos anos depois a “Repórter Brasil” procurou sobre as consequências para o “Condomínio Estrondo”. No dia 15 de dezembro de 2017, o IBAMA lançou uma nota afirmando: “As autorizações concedidas por ele (i.e. José Marcos Cardoso) foram anuladas. Os autos de infração aplicados pelo IBAMA às três empresas detentoras do “Condomínio Cachoeira do Estrondo” totalizam cerca de R$ 55 milhões. Nenhum valor foi pago até o momento.”

No dia 14 de agosto de 2014 uma inspeção técnica do INEMA constatou um enorme desmatamento novo na área da CMOB: 25.153 hectares de cerrado nativo, derrubado por “correntão”.

A supressão vinha sendo efetuada por máquinas do grupo Horita, arrendatário da CMOB. A área cai justamente dentro dos 49.000 hectares autorizadas fraudulentamente pelo IBAMA em 2002.

Não obstante, Celso Sanderson, consultor ambiental que responde pela empresa CMOB, afirmou, no dia 15 de agosto de 2014, que a área inicialmente teria sido aberta com a autorização do IBAMA. Outra parte teria sido enquadrada como objeto de “Dispensa de Autorização de Supressão Vegetal – DASV”.

O INEMA julgou como ilegal as supressões e fraudulentas as declarações no DASV. Qualificou a infração deflagrada como “gravíssima” e penalizou a CMOB com a multa de R$ 25.153.000,00 (vinte e cinco milhões e cento e cinquenta e três mil reais) – R$ 1.000,00 por hectare ilegalmente desmatado.

O “Relatório de Fiscalização Ambiental – RFA”, apresentado em 06 de outubro de 2014, acrescentou: “Considerando as informações falsas prestadas acerca do estado de preservação da área na DASV, que dizia que a área estava antropizada, o Sr. Celso Sanderson, consultor ambiental do empreendimento, também sofrerá auto de infração de multa, este no valor de R$70.000,00 (setenta mil reais), por elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso.”

Se foram quase cinco anos até o INEMA emitir, no dia 12 de julho de 2019, o Auto de Infração Nº 2019-005225/TEC/AIMU-050 mediante o qual aplicou a multa de R$ 25.153.000,00. Como explicar essa demora?

Apesar de alegar de não ter sido notificada sobre a multa, a CMOB apresentou recurso contra a penalização, no dia 07 de fevereiro de 2020. Finalizou a petição com “pedidos sucessivos”, “caso não se faça justiça e o auto subsista”. Entre tais pedidos: a “readequação da multa para o valor de R$ 200.000,00.”

Um mês depois, Leonardo Sepúlveda, Procurador Chefe do INEMA, opinou que o valor da multa deva ser diminuído mesmo, para R$ 200.000,00. Alegou que a infração tinha sido qualificada como “gravíssima”, mas só cabia a qualificação “grave”. Para infrações “graves”, entretanto, a legislação prevê R$ 200.000,00 como multa máxima – independentemente das dimensões quantitativas da infração.

No dia 19 de março de 2020, a Diretora do INEMA Márcia Teles homologou a multa de R$ 200.000,00. Demorou mais um ano até a notificação da multa sair. No dia 30 de junho de 2021, a CMOB pagou.

Pagou então R$ 200.000,00 – ou seja: R$ 8,00 por hectare de Cerrado nativo ilegalmente desmatado.

De agosto de 2014 (notificação da infração) até junho de 2021 (pagamento da multa), o grupo Horita colheu sete safras na área autuada. Aplicando um preço médio da soja pelas últimas sete safras, pondo muito pra baixo o ganho médio por hectare, pode-se fazer a seguinte conta:

15 sacos de soja (ganho líquido por hectare) x 25.153 hectares (área desmatada ilegalmente) x 7 safras (tempo entre autuação e pagamento da multa) x R$ 90,00 (preço médio de um saco de soja) = R$ 264.106.500,00 (duzentos e sessenta e quatro milhões e cento e seis mil e quinhentos reais).

O Governo da Bahia continua pautando-se pelo lucro estrondoso de poucxs. A multa irrisória pelo prejuízo de todxs não passa de gozação.

Martin Mayr

Agência 10envolvimento

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

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  1. Um absurdo que estão deixando passar: governo da Bahia, seus órgãos, a complacência com irregularidades, e com a desterritorializacao de povos tradicionais.

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