O brasileiro idolatra político?, por Francisco Fernandes Ladeira

É preciso identificar quem financia os políticos, quem se beneficia com certas medidas e quem realmente lucra com o saque aos cofres públicos.

O brasileiro idolatra político?

por Francisco Fernandes Ladeira

Atualmente, com a polarização ideológica de nossa sociedade – simbolizada nas figuras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do inelegível Jair Messias Bolsonaro – muito se tem falado que “brasileiro idolatra político”. Trata-se de um discurso difundido, sobretudo, por aqueles indivíduos que se consideram como “não radicais”, “moderados”, “avessos aos extremos” ou “nem direita, nem esquerda”.

Em suma, o famoso “isentão”, nada mais do que um direitista enrustido: eleitor de Bolsonaro em 2018 (“o importante era tirar o PT”), mas jura que a culpa do caótico governo do “mito” não foi sua, pois “votou em João Amoêdo”.

Mas… voltando a pergunta/título desse texto: o brasileiro, em geral, idolatra político?

Para responder a essa questão, recorro ao pensamento de Jessé Souza (talvez o principal sociólogo do país hoje). Assim, é possível afirmar que, no Brasil, há mais a “demonização da política” do que propriamente “a idolatria a políticos”. Isso não significa, evidentemente, considerar que os políticos são todos honestos ou que não há corrupção nessa esfera.

No entanto, como diz o dito popular: “o buraco é mais embaixo”. É preciso identificar quem financia os políticos, quem se beneficia com certas medidas e quem realmente lucra com o saque aos cofres públicos. Isso requer desvelar “onde” ocorre a maior corrupção, ou seja, “dar nome aos bois”.

Segundo Jessé Souza, se formos fazer uma analogia entre a corrupção no Brasil e o tráfico de entorpecentes, políticos são meros “aviãozinhos”.

Os “chefões do tráfico” – no caso desse exercício metafórico, os “verdadeiros corruptos” – são os grandes empresários e banqueiros (genericamente designados como “grande capital” ou “mercado”), que vivem como espécies de parasitas sugando os recursos do Estado brasileiro, se locupletando cada vez com as estratosféricas taxas de juros que imperam por estas terras. Não por acaso, o Brasil é mundialmente considerado como “paraíso para os especuladores” (Paulo Guedes que o diga!).

Diante dessa realidade, alguém pode se perguntar: mas por que o grosso da população não tem o mínimo conhecimento sobre esse processo de usurpação de nossas riquezas?

É aí que entra a chamada propaganda ideológica, realizada, principalmente, pela imprensa hegemônica, porta-voz dos interesses do grande capital. Assim, nos noticiários, somos diariamente bombardeados com matérias/reportagens/editoriais que associam a corrupção somente ao setor público. Por outro lado, as práticas nefastas dos agentes privados – sonegação, especulação, manipulação de mercados, contratos privilegiados etc. – são estrategicamente ocultadas. Puro distracionismo feito sob medida para a indignação (seletiva) da classe média moralista.

Em suma, se há alguma instituição que é “idolatrada” no Brasil, pelo menos no “discurso hegemônico”, não é o “Estado”, mas o “mercado” (e todos pressupostos ideológicos que com ele caminham, como a chamada “racionalidade neoliberal”).

Isso explica, por exemplo, o porquê de muitos donos de pequenos comércios se consideraram grandes empresários, determinados indivíduos das classes baixas serem contrários ao aumento da oferta de serviços públicos e o fiel evangélico acreditar que sua ascensão econômica foi mérito próprio, com ajuda divina (e não fruto de políticas sociais).

Portanto, parafraseando o ativista estadunidense Al Hajj Malik Al-Shabazz, mais conhecido como Malcolm X: Se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as políticas sociais, e idolatrar o “mercado”, que tanto saqueia os recursos nacionais.

***

Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de catorze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV).

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