O governo Temer acabou e as esquerdas nem perceberam, por Aldo Fornazieri

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O governo Temer acabou e as esquerdas nem perceberam

por Aldo Fornazieri

O abandono da reforma da Previdência e a intervenção federal no Rio de Janeiro representaram o fim antecipado do governo Temer. O governo já havia acabado em duas frentes. Primeiro: soçobrou no lodo da imoralidade. Fruto de um movimento que queria moralidade na política, que levou ao golpe, logo a sociedade percebeu que aquele movimento fora comandado por moralistas sem moral, desde o corrupto e fascistóide MBL, passando por Aécio Neves e outros tucanos de alta plumagem, chegando  à cúpula inteira do PMDB e findando nos líderes dos partidos do centrão. Quase todos os principais protagonistas do golpe viram-se envoltos em graves denúncias de corrupção. Até juízes e membros do Ministério Público, que pousavam como paladinos do combate à corrupção, perderam a credibilidade ao se revelarem moralistas sem moral, beneficiários de privilégios inescrupulosos e criminosos. Em suma: o que se produziu foi um governo formado por uma quadrilha, chefiado por um presidente denunciado duas vezes como chefe de quadrilha.

O governo já havia se transformado também em pó político. As suas investidas contra direitos e contra o sentido civilizador do país afogaram as possibilidades de Temer e do governo de se tornarem um centro gravitacional significativo em termos de alternativa para as eleições de 2018. As pesquisas indicam qualquer candidato que se apresente ligado a Temer será inviável. Outro aspecto da derrota política do governo consistiu na demora para a retomada da economia, o que impôs elevados sacrifícios à sociedade, particularmente na destruição de postos de trabalho.

O abandono da reforma da Previdência representa uma derrota programática do golpe, pois esta era o principal ponto do seu programa, visando atender os interesses do mercado financeiro. O impacto foi imediato nas agências de classificação de risco. Só não houve uma oscilação no mercado de ações e de câmbio porque os seus operadores operam embebedados pela crença de que Lula está fora das eleições e de que surgirá uma alternativa de centro, orientada para as exigências do mercado e que ela será vencedora nas eleições.

O governo não tem mais nada a oferecer. Acabou. Temer não tem mais tempo, não tem mais poder de barganha e nem poder de chantagem. As 15 medidas econômicas apresentadas pelo Planalto não passam de uma marmita azeda, mofada e agora requentada. A intervenção no Rio paralisou o avanço de qualquer proposta de reforma constitucional no Congresso e a caminhada para as eleições vai esvaziando a Câmara e o Senado, com tendência de crescente fricção nas hordas da base aliada que, de aliada, terá pouca coisa.

A intervenção no Rio de Janeiro foi um ato de desespero, uma jogada de toalha, uma cortina de fumaça para esconder  fim e o fracasso do governo ilegítimo. O aspecto mais evidente deste ato é a sua crueldade na guerra contra os pobres, que se traduz em violações recorrentes dos direitos individuais e civis consagrados no artigo quinto da Constituição. Revistar crianças, fichar idosos e inocentes, querer viabilizar os mandatos coletivos de busca, prática inconstitucional e de regimes de exceção, é a face mais grotesca desse ato de desespero, pensado e executo na irresponsabilidade do improviso e da total falta de planejamento.

Os militares sensatos sabem que se trata de uma tentativa de auferir dividendos políticos em face da credibilidade de que gozam as Forças  Armadas; sabem que esta credibilidade, construída pelo legalismo pós-redemocratização, pela profissionalização e não sem sacrifícios de projetos importantes, está em risco pela aventura desesperada e irresponsável de um governo que vive o seu ocaso. Sabem também que nada de muito importante poderão fazer para solucionar os problemas estruturais da violência. A sua ação será performática: tropas aqui, tanques ali e solução nenhuma.

Talvez, o mais significativo que os militares possam fazer seja reestruturar as polícias. Mas é preciso manter os interventores sob vigilância firme: qualquer violação dos direitos humanos e das garantias constitucional deve ser objeto de ampla denúncia nos fóruns nacionais e internacionais e de adoção de medidas judiciais cabíveis. Retrocessos e violações não poderão passar impunes.

A desorientação das esquerdas

As esquerdas, viciadas em operar na defensiva, sobressaltadas nas suas vacilações e indecisões, amedrontadas na sua falta de coragem – com exceções em tudo isso, claro – sequer perceberam o fim do governo Temer e não conseguem avançar em um momento que lhes é favorável. Os editoriais do Estadão e da Folha perceberam o que as esquerdas não viram: Temer mergulhou no momento do desgoverno.

Analistas de esquerda produziram formulações desastradas. Uns, viram uma “jogada de mestre” de Temer. Outros, anteviram “intervenções” em vários estados e generais tomando conta do país. Terceiros, perceberam Temer apostando alto e as esquerdas em dificuldade. Quartos, sustentaram que a intervenção criaria uma narrativa salvacionista, que deslocaria Bolsonaro e que abriria espaço para o surgimento de uma candidatura defensora da lei e da ordem, dura, mas num plano legalista. Nada disso é plausível. Se Bolsonaro cair, cairá porque cavalga uma candidatura insustentável desde o início.

As direções dos partidos de esquerda não são capazes de executar a sua função precípua: dirigir, imprimir rumo e sentido aos movimentos, às lutas e às causas. De modo geral, as direções são burocráticas, fracas e desconhecidas, não só das massas, mas de boa parte dos ativistas sociais. Essas direções fracas carecem de reconhecimento para dirigir. O que há é uma enorme crise de direção, pois o país passa por um momento crítico, existem muitas causas, existe ânimo de luta no ativismo social, mas tudo isto está emaranhado pela falta de rumo, de orientação, de compreensão e de sentido.

Não por acaso, as manifestações políticas no Carnaval – Paraíso da Tuiuti, invasão do Aeroporto Santos Dumont, o apoio a Lula etc., – produziram um efeito catártico nas esquerdas, nos progressistas e democratas. Elas preencheram um vazio deixado pelos partidos, confortaram e animaram sentimentos carentes de rumo e sentido. A rigor, as direções partidárias, estão sendo ultrapassadas pelo espontaneísmo das massas, incapazes que são de colocar-se em sintonia com as exigências do momento e de apontar caminhos promissores para o futuro.

É preciso ver, também, na existência de um governo medíocre, falido, inescrupuloso, ilegítimo, anti-social, anti-cultural e anticivilizatório como é o governo Temer, a fragilidade e a incompetência das esquerdas. O presente período histórico é cinza e será retratado de cinza pela historiografia do futuro.  Contra um governo que veio para eternizar a tragédia dos pobres, nada de valorosamente combativo e virtuoso se ergueu. Nada que tivesse no horizonte as veredas dos pináculos da glória se anunciou, pois não se vê um lutar com valentia em defesa do povo e dos despossuídos. As esquerdas vivem um momento triste. Se limitam ao autoelogio, querendo fazer crer que suas derrotas são vitórias.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política(FESPSP).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

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  • Se não for derrubado, o governo não cai, mesmo em crise

    "A revolução não surge de toda situação revolucionária, mas não só de uma situação na qual às mudanças objectivas antes enumeradas vêm somar-se uma MUDANÇA SUBJECTIVA, a saber: a capacidade da classe revolucionária para levar a cabo ações revolucionárias de massa suficientemente fortes para destruir (ou enfraquecer) o velho governo, que 'jamais cairá', nem sequer nas épocas de crise, se não for derrubado." - Lenin

  • "As esquerdas vivem um

    "As esquerdas vivem um momento triste. Se limitam ao autoelogio, querendo fazer crer que suas derrotas são vitórias." Exatamente. Estamos mal com essas lideranças de esquerda. Todo dia tomam uma bordoada, seja do judiciário bandido, da pf coxinha ou da mídia golpista. Depois saem catando os cacos e  fazendo piruetas retóricas para, em vão, tentar distorcer a realidade e transformar derrota em algum tipo de vitória que só elas enxergam. Semelhante àquele lema que vigorou lá no início do golpe: "nenhum direito a menos". E todo dia perdemos um direito.

    • Nem é uma questão de

      Nem é uma questão de lideranças, é uma questão de poder. A direita tem as polícias, o executivo, o legislativo, o judiciário, a mídia, o MPF, as forças armadas, o aparato de inteligência ianque... Até o parte da população eles tem! Pra esquerda sobrou o quê? Só sobrou mesmo um discurso bonito e a esperança de sobreviver.

      Pode trazer o maior líder da história que não vai fazer diferença. Pode ressuscitar Leni, Stalin e Trotsky que não vai fazer diferença. A esquerda mau consegue sobreviver, quem dirá lutar... Temos que parar de ver isso como uma discussão e ver como realmente é: um massacre político.

      A direita brasileira é como os EUA, e a esquerda brasileira é como o Vietnã. Podemos até ganhar essa guerra um dia, com muito esforço, mas os sacrifícios serão enormes.

       

  • Tratamento VIP

    Um exemplo disso é a "cordialidade" com que são tratados os deputados e os senadores do governo e da base pela oposição. Os deputados e senadores do PT e seus apoiadores deveriam estar há algum tempo cobrando duro os governistas, apontando seus erros e dando principalmente nomes aos bois. Mais não, os caras fazem discursos duros sem encarar a tropa de choque olho no olho. O que se vê ainda é o famoso tapinha nas costas e o tal de vossas excelências.

  • Timing

    O golpe acaba quando o jogo começa a focar nas eleições e a bancada golpista deve começar a pensar na sua própria supervivência. A Previdência era a última “tarefa” desta quadrilha e, ao ver que já não era mais possível, mudaram para uma agenda “positiva” (na perspectiva deles e dos seus marqueteiros). Já as esquerdas estão ainda combatendo contra a ditadura do judiciário, que persegue os seus líderes, principalmente o Lula. Assim, existem diversas frentes de combate que devem ser travados: a) a defesa jurídica e perante a opinião pública; b) a ação no legislativo, tentando frear a depredação do Temer; c) a ação organizativa de um comando de oposição unificado; d) as caravanas de Lula pelo país.

  • Os de cima ainda podem continuar vivendo como antes

    "A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, e em particular pelas três revoluções russas do século XX, consiste no seguinte: para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar vivendo como vivem e exijam mudanças; para a revolução é necessário que os exploradores não possam continuar vivendo e governando como vivem e governam. Só quando ‘os de baixo’ não querem e “os de cima”não podem continuar vivendo como antes, só então pode triunfar a revolução. Dito de outra forma, esta verdade se expressa com as seguintes palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional geral (que afete a explorados e exploradores). Por conseguinte, para que estoure a revolução é necessário, em primeiro lugar, conseguir que a maioria dos operários (ou, em todo caso, a maioria dos operários conscientes, reflexivos e politicamente ativos) compreenda a fundo a necessidade da revolução e esteja disposta a sacrificar a vida por ela; em segundo lugar, é preciso que as classes dirigentes sofram unia crise governamental que arraste à política inclusive as massas mais atrasadas (o sintoma de toda revolução verdadeira é a decuplicação ou até a centuplicação do número de pessoas aptas para a luta política pertencentes a massa trabalhadora e oprimida, antes apática), que reduza o governo à impotência e torne possível seu rápido derrocamento pelos revolucionários." - Lenin

     

    Os de baixo querem e os de cima podem continuar vivendo como antes.

    • Pinçando o "x" da questão, o ponto crítico

      Do comentário de Rui Ribeiro merece destaque a seguinte passagem:

      "Por conseguinte, para que estoure a revolução é necessário, em primeiro lugar, conseguir que a maioria dos operários (ou, em todo caso, a maioria dos operários conscientes, reflexivos e politicamente ativos) compreenda a fundo a necessidade da revolução e esteja disposta a sacrificar a vida por ela [a revolução]; "

      Ouçam e assistam à fla de Eugênio Aragão ao Brasil 247 (37 min de duração) e vejam que a essência está no trecho do comentário que destaquei. Notem que, ao contrário de Aldo Fornazieri e Wanderley Guilherme dos Santos, Egênio Aragão não posa de sabichão nem coloca a culpa na Esquerda Política, tachando-a de de desorganizada ou de outro adjetivo desabonador. Perceberam a desonestidade intelectual presente em AF, WGS e quejandos?

        

  • Concordo e digo mais.
    A

    Concordo e digo mais.

    A movimentação de tropas militares não é um indício de força e sim a confirmação do enfraquecimento irreversível do usurpador.

    Como disse a um amigo no Twitter: Michel Temer não canta de galo, ele é apenas uma galinha de angola que se recusa a contar "tofraco, tofraco, tofraco...". 

  • o governo....

    "Os militares sensatos sabem que se trata de uma tentativa de auferir dividendos políticos em face da credibilidade de que gozam as Forças  Armadas". 'Conheceis a Verdade. E a Verdade Vos Libertará'. O Governo Temer não acabou. Ele nunca existiu. Para tragédia deste país que nunca criou um Estado na Redemocratização. Assim como nunca existiu um Governo Sarney, nem Itamar. Golpismos que preencheram um período, de incertezas e mediocridades, na esperança que Eleições Ditatoriais e Obrigatórias, resultassem em algum caminho. Uma farsa que rotulamos como Democracia. O Povo, ao longe, bovinamente pasta e observa. Observa e pasta. Mas o pt ainda tem um discurso. E só ele. Os tais 'Aloprados' podem enfim deixarem de sugar e parasitar seu único trunfo, Lula, e democratizar e projetar uma Nação. Um Projeto, um caminho, uma linha, Liberdade,... Podem evoluir. A China comunista evoluiu. Não abriu mão do Socialismo. Socializou o Capital. a Economia, as Empresas, a Liberdade, os Ganhos, os Lucros,...Se libertando, não se destruiu. Quanto mais um país que sempre foi Livre. A Guerra Fria não existe mais. Quem vive de passado é a História e Museu.   

  • "As direções dos partidos de

    "As direções dos partidos de esquerda não são capazes de executar a sua função precípua: dirigir, imprimir rumo e sentido aos movimentos, às lutas e às causas. De modo geral, as direções são burocráticas, fracas e desconhecidas, não só das massas, mas de boa parte dos ativistas sociais. Essas direções fracas carecem de reconhecimento para dirigir. O que há é uma enorme crise de direção, pois o país passa por um momento crítico, existem muitas causas, existe ânimo de luta no ativismo social, mas tudo isto está emaranhado pela falta de rumo, de orientação, de compreensão e de sentido."

    É exatamente por este motivo que afirmo que sem Lula a esquerda não existe. Se o Lula cair todos os outros cairão junto. Provelmente serão afastados da disputa por uma denúncia qualquer e virarão ficha suja ou serão presos.

    Se ste povo fosse minimamente inteligente se uniria e deixaria BEM CLARO que o Lula seria o candidato da esquerda unida.

    Já deveriam ir preparando os sindicatos e movimentos sociais para a desobediência civil caso insstissem em tirar o Lula.

    Já deveriam começar intimidando aqueles quatro palhaços horrorosos do TRF4.

    Puta que pariu , além de bandidos golpistas togados, como são feios!!!!

    Penso que se parecem com o caráter deles.

  • Mais do mesmo, mais do mesmo, mais do mesmo, mais do mesmo...

    Aos leitores que, como eu, costumam perder tempo lendo as baboseiras escritas por AF e WGS, recomendo assistir a uma fala de Eugênio Aragão, publicada no Portal Brasil 247 há menos de duas semanas. O vídeo tem duração de 37 minutos. Assistam e vejam por que chamo Aldo Fornazieri de Wanderley Guilherme dos Santos de pseudo-intelectuais e de desonestos intelectuais.

    Notem os leitores que a 1ª parte do artigo é uma pancada no 'cravo' (no golpe, no sistema), enquanto a 2ª é a pancada na 'ferradura' (na Esquerda Política Organiza e com viabilidade Eleitoral, leia-se PT). Lamentavelmente alguns leitores do GGN ainda consideram 'inteligente', honesto intelectualmente e/ou merecedor de crédito esse tipo de "intelectual esquerdista".

  • Não consegue ...

    Não consegue definir um Ministro do Trabalho.

    Criou um Ministério e teve de colocar um militar na Defesa , cargo que requer um civil.

     

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