O paraíso da asneira. A vaca foi pro brejo de vez no Brasil, por Jorge Sanglard

O descrédito das instituições amplia a ruptura entre o que as pessoas desejam e as políticas públicas

Ilustração: Jorge Arbach

O paraíso da asneira. A vaca foi pro brejo de vez no Brasil

por Jorge Sanglard*

Mesmo não sendo adepto das teorias da conspiração ou catastróficas, a realidade que se revela e a que se avizinha atestam que a vaca já foi pro brejo no Brasil e que o país vem se tornando o paraíso da asneira. Se já estava difícil de vislumbrar pra onde iam as nuvens políticas com a sanha da judicialização de tudo no país, o pós resultado das eleições presidenciais vem mostrando claramente que a coisa ficou braba de vez. As manifestações do último domingo atacando os direitos da Previdência Social e a liberação da posse de armas, como está no decreto presidencial, foram tapas na cara do Brasil pacifista e um convite a que o faroeste caboclo tome conta do país e que as coisas se “resolvam” na bala a torto e a direito, além de um convite à quebra de direitos da população. O que se percebe é que a vaca realmente já foi mesmo pro brejo… e de lá não sai fácil. O que se vislumbra é atolar cada vez mais e mais. Afinal, é muita asneira que anda tomando conta do país.

Desde que se rompeu com a regra democrática de se trocar de presidente sem a força do voto e que os políticos, em sua maioria integrantes do baixo clero no Congresso, resolveram trocar o comando do país pela via de um impeachment maroto, o povo brasileiro assiste a uma enxurrada nunca vista de denúncias de fake news e de delações premiadas, envolvendo boa parte da elite política e empresarial num mar de lama de corrupção. E o Judiciário, que deveria dar o bom exemplo de ética e cidadania, também dá mostras de contaminação por atos pouco ortodoxos e muiiiito suspeitos, revelando partidarismo e seletividade. Isso pra não falar em lagostas, camarões, uísques e champagnes…

Portanto, o país se encontra numa encruzilhada de apreensões e de previsões insondáveis do que ainda vem por aí neste 2019. Os cinco primeiros meses do ano já apontam que o baixo clero no Congresso, ao vencer as eleições presidenciais, anda praticando todo tipo de baixaria aprendida nos bastidores de Brasília e está deitando e rolando no Executivo, além da proliferação de asneiras oficiais e oficiosas.

O ano já começou pra valer com as medidas do novo governo assustando a tudo e a quase todos. Normalmente, no Brasil, o ano só começa de fato depois de passado o Carnaval. Mas em 2019, a extrema direita ganhou as eleições se utilizando de métodos pouco ortodoxos nas redes sociais e todo mundo já está pagando o pato. Além da fragilidade do Executivo, os poderes Legislativo e Judiciário também se encontram desacreditados por diversas denúncias ora de corrupção ora de benesses. Para piorar o quadro, a insegurança jurídica provocada pelas reformas anunciadas e, agora, pelas posições dúbias adotadas pelo Judiciário, acabaram elevando a tensão e ainda apontam para mais polêmicas e demandas judiciais.

Um autêntico sanatório geral

E, em meio a tanta turbulência, pra jogar mais lenha na fogueira das vaidades do novo (des)governo brasileiro, os níveis de indignação contra o plantonista no Planalto tendem a se ampliar proporcionalmente ao número de asneiras proferidas e insinuadas. Pelo andar da carruagem, ninguém acredita mais em nada vindo desse (des)governo geral, a não ser os eleitores que levaram a extrema direita ao poder. E já estão conseguindo transformar o Brasil, como canta o genial Chico Buarque, num autêntico sanatório geral.

O País vive um aumento da mendicância vista no centro das grandes e médias cidades brasileiras e com o agravante do Estado brasileiro não conseguir combater de forma eficaz a epidemia de crack, que ganha as ruas tanto dos centros como das periferias. Aos sem-teto, aos sem-terra e aos desempregados se juntaram os sem-perspectiva de dias melhores. E, rondando todo esse panorama, o desafio maior tem sido enfrentar a violência urbana, que tem vitimado algo em torno de 60 mil brasileiros e brasileiras por ano, em sua ampla maioria jovens pobres e negros das áreas menos assistidas da população. E a liberação da posse de armas proposta pelo governo deve agravar ainda mais a situação da violência no país.

A polarização a partir das eleições presidenciais e, principalmente, a incitação ao racismo, à homofobia, à intolerância e à violência explícita por parte de gente espalhada de norte a sul do país ultrapassou todos os limites. Aí sim, a vaca que já estava no atoleiro acabou atolada de vez no brejo do desalento geral e irrestrito. Afinal, racismo, homofobia, intolerância e violência não levam a nada e ajudam a ampliar o sentimento de que, pelos lados de cá, a vaca foi mesmo de vez pro brejo. A ameaça fascistóide está presente e assusta, pois passou a ser oficial e está armada até os dentes.

O assunto dominante até agora em 2019 é a cara do novo governo de extrema direita. A tão sonhada renovação política do Congresso Nacional não aconteceu de fato e a nova configuração do Parlamento brasileiro já provoca sobressaltos no país. Afinal, a velha guarda da política tradicional não quer largar o osso e pouco se vislumbra de novos ares na política brasileira. O baixo clero foi ampliado e o toma lá da cá está de cara nova e goela sedenta. Como disse, certa vez,  o compositor mineiro Luizinho Lopes, nem tudo que nasce é novo. E como disse também certa vez, o saudoso ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães, se você acha que está ruim, espera a próxima eleição que vai piorar.

Pelo que se vê, hoje, tem lobo mau travestido de cordeiro à espreita de que chapeuzinho vermelho passe por aí e não veja o bote preparado. Algumas vezes, no Brasil, o que parece novo é mais velho do que se possa imaginar. A ‘velha’ raposa da política mineira, Magalhães Pinto dizia que a política, no Brasil, era igual nuvem. Bastava olhar pro céu e estava de um jeito, olhava de novo e já estava tudo mudado.

Enfim, o resultado das urnas revelou um pouco disso. O presente e o futuro que o país terá que enfrentar para o bem ou para o mal está intimamente traçado com o resultado das eleições e com o rumo que a extrema direita no poder traçar para as suas ações. O que se espera é que não revele o passado recente do troca-troca de favores escusos entre políticos canalhas e maus empresários mais preocupados em manter seus interesses próprios e corporativos do que os interesses da população brasileira e do país. E que a polarização não mergulhe o país na violência e na barbárie.

Não se pode esperar grandes coisas de justiceiros, de milicianos e nem de salvadores da Pátria na política. As experiências com essas duas opções já se revelaram fraudes explícitas na política. O país precisa de seriedade, serenidade e comprometimento com o Estado Democrático de Direito, com a Cidadania e com o respeito à Constituição.

A essência de todas as coisas tem muito a ver com a pessoa que procuramos ser no dia a dia, com o olhar que temos sobre todas as coisas, com a sensibilidade que expressamos sobre tudo, dentro e fora de nós, e com a ética em todos os sentidos. É fácil apontar o que está errado, o difícil é definir o que precisa ser feito para consertar o erro e mudar o rumo das coisas…

*Jorge Sanglard é jornalista e pesquisador. Escreve em jornais no Brasil e em Portugal.

Redação

3 Comentários

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  1. Jorge Sangiard descreve de forma clara e precisa o atoleiro no qual o país está metido. A parcela da classe média que pensa, como rico colocou o pescoço de todos nós na guilhotina, esguichando o ódio canalizado da grande mídia que seduz os patéticos que se imaginam íntimos da Casa Grande.

  2. Só um detalhe: não existe epidemia de crack, conforme comprovado em estudo sério da FIOCRUZ que foi descartado pelo ministro Osmar Terra Arrasada. O problema nesse sentido é o álcool.

  3. Brasil. Um país onde os liberalóides imperam. É como o imbecil, que para se livrar dos cupins – segundo eles – incendeiam toda a casa. Aplausosbpara os empresários que financiaram o golpe contra a Dilma.

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