O que mais é necessário para que seja declarada emergência climática no Rio Grande do Sul? Por Emiliano Maldonado

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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O estado passou por eventos climáticos extremos, que sob os escombros nos revelam o cenário catastrófico e desolador

Ciclone extratropical via satélite. | Foto: Reprodução/Regional and Mesoscale Meteorology Branch

do Brasil de Fato

O que mais é necessário para que seja declarada emergência climática no Rio Grande do Sul?

Por Emiliano Maldonado*

Nos últimos dias o Rio Grande do Sul passou por eventos climáticos extremos, que sob os escombros nos revelam o cenário catastrófico e desolador vivenciado por milhares de gaúchos. Trata-se do mais grave desastre climático do estado, que ocasionou danos socioambientais em mais de 80 municípios. Até o momento foram contabilizados pela defesa civil 41 mortos, 25 desaparecidos, 43 feridos, 3 mil desabrigados e resgatados, mais de 7 mil desalojados e 120 mil pessoas atingidas. 

São números alarmantes ocasionados pelo terceiro ciclone extratropical que passa pelo estado nos últimos três meses, que segundo especialistas estão ocorrendo pela magnitude dos efeitos que o fenômeno El Niño está ocasionando no aquecimento dos mares do oceano Pacífico e seus desdobramentos em eventos climáticos extremos em toda América Latina. 

Contudo, não podemos crer que se trata de um “problema extraordinário ocasionado pela natureza”. Essa narrativa recorta apenas a parte que lhe interessa da realidade e ignora os efeitos devastadores que certas escolhas políticas pautadas no lucro do extrativismo estão ocasionando. 

Ou vamos esquecer o desmonte dos órgãos de proteção ambiental, a aprovação às pressas de um código estadual (anti)ambiental para atender os interesses de certos aliados do atual governo, a destruição do bioma pampa e da mata atlântica e os cortes recentes no orçamento da defesa civil?! 

Além disso, acreditar que estamos falando de um desastre natural omite que boa parte dessas mortes e danos poderia ser evitada se nossos gestores públicos levassem em conta os alertas científicos e meteorológicos que já apontavam a magnitude das chuvas para esse período e tivessem tomado medidas urgentes para retirar a população das zonas potencialmente alagadas. Foram pelo menos cinco dias de avisos prévios, que apontam omissões gravíssimas do poder público. Sem contar os alertas emitidos por entidades ambientalistas desde o primeiro ciclone do ano.

Soma-se a isso o fato de que na bacia hidrográfica do Antas-Taquari o modelo agroexportador destruiu as matas ciliares, transformou a vegetação dos campos de cima da serra em plantio de pinus ou lavoura de soja e privatizou o curso das águas desses rios para empresas privadas que lucram com complexos hidrelétricos que modificaram todo o fluxo fluvial da região. Hidrelétricas que podem, inclusive, ter responsabilidade direta na magnitude dos efeitos devastadores dessas enchentes, pois aprisionam as águas dos rios e, sem qualquer aviso ou alerta, abriram as comportas das hidrelétricas ignorando os milhares de vidas que residem perto desses megaempreendimentos energéticos supostamente limpos. Algo que necessita de investigação do Ministério Público, pois se confirmado pode vir a configurar crimes.

Por essas razões, o olhar da ecologia política nos ensina que devemos reconhecer que estamos tratando de um desastre climático e socioambiental, cujas origens estão intimamente relacionadas com as definições econômicas do receituário capitalista-neoliberal aplicado à risca pelo atual governo estadual.

Por outro lado, diante desse cenário, a população gaúcha mostra a sua força e resistência, inúmeros exemplos de solidariedade e apoio estão em curso para ajudar as famílias atingidas, desde doação de roupas e mantimentos, cozinhas solidárias para garantir a sua subsistência neste momento tão duro. 

Contudo, para que esse tipo de situação não volte a se repetir precisamos que medidas urgentes sejam tomadas. Torna-se necessário, também, que o poder público apoie projetos para que esses milhares de famílias possam reiniciar as suas vidas de forma sustentável. Não podemos seguir repetindo os erros, os movimentos sociais e entidades socioambientalistas vêm alertando que devemos pensar políticas públicas a curto, médio e longo prazo para viabilizar uma transição ecológica dos nossos modos de vida. 

Dentre as diversas medidas, a sociedade civil organizada clama pela declaração de Estado de Emergência Climática no Rio Grande do Sul! 

Não se trata de mero simbolismo, mas de reconhecer a gravidade do momento que vivemos e a importância de tomarmos medidas profundas para alterar os rumos da crise ambiental que vivenciamos. 

Também, torna-se fundamental que a União, estados e municípios repensem seu modelo de desenvolvimento, a fim de que sejam cumpridas as metas, prazos e diretrizes da nossa Política Nacional de Mudanças do Clima (Lei Federal nº 12.187/09) e da Política Gaúcha de Mudanças Climáticas (Lei Estadual nº 13.594/10), sobretudo, que ocorra uma reativação do Fórum Gaúcho de Mudanças do Clima e que sua composição seja paritária, a fim de garantir uma representação paritária entre órgãos de governo, sociedade civil e entidades científicas, capaz de propor um planejamento estratégico e planos pautados em estudos científicos multidisciplinares para evitar, prevenir e mitigar os efeitos dos desastres decorrentes das mudanças do clima, que infelizmente tendem a ser cada vez mais cotidianos.

Não temos mais tempo! Já passou da hora de mudarmos os rumos desastrosos do atual modelo, que insiste na extração/privatização sem limites dos nossos bens comuns. Para isso, precisamos superar o negacionismo, democratizar os espaços de deliberação política e conscientizar a população que urge uma ruptura com o atual modo de produção através de uma transição agroecológica e energética capaz de evitar o caos e a destruição da crise civilizacional que se avizinha. 

*Professor, pesquisador e advogado. Professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Pesquisador fundador do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap); da coordenação do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM/RS) e da Campanha Permanente de Combate aos Agrotóxicos e Pela Vida. 

Edição: Katia Marko

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Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

1 Comentário

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  1. O que mais é necessário para que seja pedido o impichtima do governador, que sucateou a máquina pública incluindo a defesa civil, que poderia ter reduzido muito os danos causados a sua população?

    É sempre a natureza a primeira a levar a culpa, os governantes mediocres são os últimos a serem responsabilizados.

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