Patente nulidade em esquivas do TSE, por Mario Ramos

Contradição, Omissão e Cerceamento de Defesa nos Votos contra Cassação de Chapa

Agência Brasil

Patente nulidade em esquivas do TSE, por Mario Ramos (MAAR)

Os votos contrários à cassação da chapa Bolsonaro-Mourão proferidos na seção do dia 26/10 resultam eivados de nulidade, tendo em vista que restou evidenciada a ocorrência de contradição e omissão, donde decorre a caracterização de cerceamento de defesa.

O voto do Relator das AIJEs que tiveram a apreciação do mérito iniciada na data acima referida destaca que foram formulados pedidos de produção de provas mediante oitiva de testemunhas e quebras de sigilos fiscais e telemáticos de pessoas e empresas atuantes nas práticas ilegais de uso indevido de meios de comunicação com objetivos eleitorais.

Ao mesmo tempo, o mencionado voto ressalta que foram encontradas provas robustas da realização de disparos em massa de mensagens em benefício da candidatura presidencial bolsonarista, porém considera que não foram apresentadas nos autos provas suficientes para atestar o teor e aferir a gravidade do impulsionamento reconhecido.

Desse modo, salta à vista a evidência de que constitui flagrante contradição o fato do relator negar pedidos de produção de provas que poderiam permitir a comprovação do teor e do alcance do impulsionamento de mensagens cuja existência foi reconhecida e, nos mesmos feitos, julgar as ações improcedentes sob alegação de falta de provas.

Por outro lado, o voto do relator, assim como os dois votos subseqüentes contrários aos pedidos de cassação da chapa presidencial, considera que as provas constantes dos autos não permitiriam afirmar se o impulsionamento de mensagens foi financiado através de recursos de propriedade de empresas. Todavia, tais pronunciamentos jazem omissos no que tange ao fato de que tais despesas com impulsionamento não estão presentes na prestação de contas da campanha presidencial bolsonarista.

Assim, resta evidenciada a ocorrência de grave omissão, determinante de nulidade, dado que o reconhecido impulsionamento de mensagens em favor da candidatura bolsonarista constitui financiamento ilegal de campanha, pois as expressas disposições contidas no artigo 241 do Código Eleitoral, bem como no artigo 26, inciso II, da Lei 9.504, tornam obrigatório que todos os gastos de campanha referentes a propaganda sejam incluídos na prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral. E os artigos 22, parágrafo 3º, e 30-A, parágrafo 2º, da mencionada lei determinam a cassação do registro da candidatura quando comprovada irregularidade nos gastos de campanha.

E fato é que a existência de gastos com propaganda eleitoral não informados na prestação de contas da campanha constitui financiamento ilegal e abuso de poder econômico mesmo na hipótese de tais despesas haverem sido pagas por pessoas físicas.

Além disso, é dever observar que as comprovadas ofertas de serviços de empresas de impulsionamento de mensagens indicam quantidades consideráveis de impulsos, e que o preço de tais pacotes de serviços envolve valores vultosos, o que mostra a contradição contida nas formulações que alegam ausência de comprovação da gravidade dos ilícitos.

Cabe ressaltar também que o potencial de envio de dezenas de milhares de impulsos por dia, apontado no voto do relator como capacidade total de cada uma das várias empresas denunciadas, aponta para universo de dezenas de milhões de mensagens, mesmo que considerado apenas o período da campanha oficial, com duração de 60 (sessenta) dias. E tal volume de mensagens é na verdade muito maior, pois cada uma pode ser replicada várias vezes por cada pessoa destinatária das mensagens originalmente impulsionadas.

Ademais, é indispensável observar que a gravidade do uso de propaganda ilegal em campanhas eleitorais deve ser aferida com base no contingente potencial de eleitores atingidos por peças publicitárias de caráter ilícito, e não a partir de suposições acerca da efetiva proporção de votos alterados em decorrência de desinformação e calúnias.

E, neste ponto, importa destacar que é amplamente conhecida a existência de pesquisa de opinião, realizada logo após o segundo turno das eleições de 2018, na qual mais de 80% (oitenta por cento) dos eleitores que disseram ter votado na chapa presidencial bolsonarista, disseram também que acreditavam ou acreditaram em fake news usadas contra a candidatura adversária, conforme amplamente divulgado na mídia à época.

Nessa altura, urge perceber que a estatística acima apontada indica a notável extensão do alcance produzido pelo uso de propaganda ilegal na eleição presidencial de 2018, bem como que, em face ampla controvérsia surgida ainda durante a campanha eleitoral acerca das denúncias do uso de fake news, carece de verossimilhança a hipótese de que os candidatos da chapa favorecida não tivessem conhecimento da realização da prática.

Para completar, impende salientar, com máxima ênfase, que alegação de ausência de comprovação da gravidade dos fatos relativos ao impulsionamento de mensagens para favorecer a candidatura presidencial bolsonarista resulta contraditória, em face de afirmação contida no próprio voto do relator, onde se colhe a assertiva segundo a qual “o conjunto probatório das AIJEs 0601968-80 e 0601771-28 não deixa margem para dúvidas de que a campanha dos vencedores das eleições presidenciais de 2018 assumiu caráter preponderante nos meios digitais, mediante utilização indevida, dentre outros, do aplicativo de mensagens whatsapp.”

Indo adiante, vale frisar que a referida manifestação do relator acrescenta de maneira expressa “não haver margem para dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair em tese as sanções eleitorais cabíveis, a promoção de disparos em massa em aplicativos de mensagens instantâneas, fazendo chegar ao eleitorado informações inverídicas e enviesadas a respeito de adversários políticos e em contexto no qual determinado candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática”.

Acresce que o longo tempo decorrido desde a posse da chapa presidencial favorecida pelo impulsionamento de mensagens não justifica pretender perpetuar a impunidade dos ilícitos comprovados nos autos, bem como que, se considerava insuficientes as provas produzidas, e/ou inadequadas as provas cuja produção fora requerida, o relator das AIJEs deveria proferir despacho saneador, com a precisa indicação de tais premissas e com a cogente concessão de prazo para requerimento da produção de provas adequadas, e com a garantia dos subsídios legais para a realização das diligências necessárias.

Do exposto, resta evidenciada a ocorrência de contradição e omissão nos votos iniciais proferidos nas AIJEs supra referenciadas, donde resulta flagrante a caracterização de cerceamento de defesa, com a consequente nulidade do julgado, ao passo que, vale recordar, o juízo maior é realizado pelas gerações futuras, à luz dos fatos e da História.

Brasil, 28/10/2021.

Mario Ramos – Economista.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

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  1. Eu poderia acrescentar ao final: “Este texto expressa a minha opinião”. Do ponto de vista prático, no entanto, se os digníssimos ministros assim também se manifestassem, não creio que a situação do nosso sofrido e querido Brasil melhorasse. Pior, aí a tragédia, talvez piorasse. Essa chapa deveria ter sido cassada, por esse motivo, no máximo até o final do primeiro semestre de governo, teria evitado o horror, o horror, o horror. Cassar, por motivo acontecido antes da eleição, só depois de passado 3/4 de exercício do presidente eleito indevidamente ? Esdrúxulo ! Como ficam as ações praticadas por um governo ilegítimo, seriam estornadas ? Melhor aceitar a “legalidade” da eleição e aguardar até 2023, pouco mais tem para ser destruído. E se esse próprio governo, ou outro, mas do mesmo naipe, for o sucessor ? Aí só resta o choro eterno e o ranger de dentes, porém merecidos, não por culpa de fake news.

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