Los Quatro Amigos, por Heraldo Campos

No cenário, cabe a pergunta, “Ciências da Terra, para que estudar isso?”, uma vez que esse tipo de problema se repete em várias cidades

Técnicos[1] do IPT e DAEE em trabalho de campo das áreas de risco à escorregamentos e erosão na Serra da Mantiqueira, região de Campos do Jordão (SP), em 1992. Foto: Heraldo Campos.

Los Quatro Amigos

por Heraldo Campos

O hediondo governo federal, que mandou no país de 2019 a 2022, cumprindo a risca o macabro plano de destruir a sáude, a educação e a pesquisa, seguiu a estratégia manjada de enfraquecer o povo para implantar seu projeto autoritário. O descaso com a vacina do coronavírus, a implantação de escolas cívico-militares e a falta de investimento em pesquisa foram ações concretas nesse sentido. Em outras palavras, estado ausente, classe dominante presente, e o povo que se lasque.

Bons tempos os que antecederam esse triste período da nossa história, onde equipes de técnicos se reuniam em práticas de trabalho de campo nas mais diversas áreas da ciência e, ao término de cada tarefa diária, ainda encontravam um tempo para uma boa conversa sobre a vida, com assuntos dos mais variados como futebol, política, entre outros, muitas vezes regados com uma boa cerveja gelada para “molhar a palavra”.

Confesso que nessas mais de quatro décadas trabalhando na área da geologia tive a oportunidade, a honra e o prazer de fazer parte de algumas formações de Los Quatro Amigos e, obviamente, que a atuação de profissionais dessa área diferia das hilariantes atuações dos personagens conhecidos como “Los Três Amigos”[2], dos cartunistas Angeli, Laerte, Glauco e Adão Iturrusgarai, que marcaram, a partir dos anos 80 do século passado, com muito humor nossa vida cotidiana e que o presente artigo pega carona, adaptando para seu título.

Nessa época, não poucas vezes morávamos em efêmeras repúblicas ou em acampamentos, longe da família, mas com muita história para contar até os dias de hoje quando nos encontramos em alguma estrada da vida. Uma dessas formações ocorreu no ano de 1992, durante o “Levantamento das áreas de risco a escorregamentos e erosão na área urbana do município de Campos do Jordão”[3], Estado de São Paulo, onde se verificou que a cidade apresentava “(…) graves problemas associados a escorregamentos, em vista da suscetibilidade das encostas, potencializada pela ocupação indiscriminada de áreas públicas e mesmo particulares.”

Nesse cenário, cabe a pergunta, afinal, “Ciências da Terra, para que estudar isso?”[4], uma vez que esse tipo de problema se repete em várias cidades brasileiras ao longo de muitos anos. Na área específica da geologia, pode-se dizer que o trabalho de campo é imprescindível e insubstituível. A fase de confeccção dos chamados relatórios técnicos essa sim pode ser feita “home-office”, atualmente uma tendência cada vez mais fortalecida no exercício de algumas profissões.

Mas, ao que tudo indica, dias melhores estão por vir, principalmente no campo da pesquisa, porque “A mudança de governo em 2023 trouxe avanços fundamentais; entre eles, a liberação integral do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), no valor R$ 10 bilhões, após vários anos consecutivos de contingenciamento; e o reajuste em 40% dos valores das bolsas federais de mestrado e doutorado, que estavam congelados há uma década. O orçamento de fomento à pesquisa do próprio CNPq, porém, permanece severamente reduzido.”[5]  

Para concluir, reproduzo parte do último parágrafo do sempre atual livro “O povo brasileiro”[6], de Darcy Ribeiro, onde ele diz, esperançosamente, que “(…) Estamosnos construindo na luta para florescer amanhã como um nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra.”  

Fontes

[1] Técnicos Eduardo Soares de Macedo (IPT), Heraldo Campos (DAEE), Felício Claudio Coelho Gomes (IPT) e Oswaldo Yujiro Iwasa (IPT).

[2] Referência de “Los Três Amigos”

https://pt.wikipedia.org/wiki/Los_Tr%C3%AAs_Amigos

[3] Trecho do relatório de 1992 do estudo “Orientações para o combate à erosão no Estado de São Paulo”, elaborado pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica).

[4] Artigo “Ciências da Terra, para que estudar isso?”

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/614220-ciencias-da-terra-para-que-estudar-isso

[5] Trecho da matéria “Ciência brasileira deixa a UTI, mas requer cuidados para voltar a crescer, dizem pesquisadores”, veículada pelo Jornal da USP de 28/07/2023, em função da 7ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência)

[6] Trecho do último parágrafo do livro “O povo brasileiro”, de Darcy Ribeiro, página 411, publicado em 2010 pela Companhia de Bolso.

Heraldo Campos – Graduado em geologia (1976) pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas (UNESP), mestre em Geologia Geral e de Aplicação (1987) e doutor em Ciências (1993) pela USP. Pós-doutor (2000) pela Universidad Politécnica de Cataluña – UPC e pós-doutorado (2010) pela Escola de Engenharia de São Carlos (USP)

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