Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Um Brasil de centro-direita, por Aldo Fornazieri

Tarefa de Boulos não será fácil. Não basta atrair votos de Tábata. Terá que ganhar votos de Marçal e tirar de Nunes

Paulo Pinto – Agência Brasil

Um Brasil de centro-direita, por Aldo Fornazieri

Em São Paulo não deu a lógica. A lógica seria um segundo turno entre Boulos e Marçal. Nunes fez uma gestão medíocre e os paulistanos queriam mudança. Mas tudo indica que o próprio Marçal se tirou do segundo turno ao publicar um laudo falso a respeito de Boulos. Recebeu uma saraivada de ataques vinda de todos os lados. A grande imprensa se engajou ativamente nessa ofensiva. A diferença entre Nunes e Marçal ficou em torno de 80 mil votos. De tanta esperteza, Marçal morreu pela sua burrice.

A tarefa de Boulos no segundo turno não será fácil. Não basta atrair os votos de Tábata. Terá que ganhar votos de Marçal e/ou tirar votos de Nunes. A campanha de Boulos cometeu alguns erros significativos no primeiro turno. Construiu-se um candidato ambíguo, com propostas genéricas. A falta de uma identidade de perfil e de programa gerou uma adesão pouco empolgante.

Uma campanha eleitoral tem três grandes elementos: defesa, ataque e projeção de reputação. No início, Boulos ficou numa posição defensiva, que quase nunca é confortável. Depois passou para o ataque. O elemento importante para construir o segundo turno – projeção de reputação – ficou negligenciado. Essa projeção se compõe de dois elementos: 1) ênfase nos valores e virtudes do candidato e, 2) ênfase em propostas persuasivas e resolutivas das demandas dos eleitores.

Ao longo dos anos, as esquerdas deram mais importância ao marketing e menos às estratégias. Isto tem produzido campanhas insossas e resultados ruins. Se quiser mudar este quadro, Boulos terá que fazer uma campanha mais incisiva, mais combativa, mais confrontatória e mais mobilizadora.

No quadro geral do país, os grandes vencedores foram os partidos de centro-direita. O PSD conquistou 867 prefeituras, contra 656 em 2020. O MDB aparece com 832, contra 793 há quatro anos. Em terceiro surge o PP com 734 prefeitos eleitos no primeiro turno. Em 2020 tinha eleito 682. O partido Republicanos foi de 213 prefeituras para 419. O PL cresceu, elegendo cerca de 500 prefeitos, mas ficou longe da meta de 1500 prefeituras. Já o PT passou de 182 prefeituras conquistadas em 2020 para 238 no primeiro turno.

Nas capitais, 11 prefeitos foram eleitos no primeiro turno, sendo 10 reeleitos. Desses, somente João Campos (PSB) é do campo progressista. O segundo turno será disputado em 15 capitais, sendo que em nove delas terão candidatos do PL. O PT estará presente em quatro.

Das 103 cidades que poderiam ter segundo turno, 50 já elegeram os prefeitos no primeiro turno. O PT conseguiu conquistar duas prefeituras, com duas candidatas, – em Contagem e em Juiz de Fora. No ABC conseguiu passar para o segundo turno também em apenas duas cidades: Diadema e Mauá. Em Osasco, mesmo com a candidatura do ex-prefeito Emidio de Souza, o partido foi derrotado no primeiro turno por Gerson Pessoa (Podemos). Em Guarulhos, depois de fechar as portas para o petista histórico, Elói Pietá, o PT amargou um quarto lugar com Alencar Almeida. Já Pietá, agora no Solidariedade, está no segundo turno. Quer dizer: o cinturão vermelho das origens do petismo não se refez.

Em Belém, o prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), que buscava a reeleição, sequer foi para o segundo turno. O partido estará no segundo turno em São Paulo e em Petrópolis. A Rede elegeu quatro prefeitos e o PSOL nenhum no primeiro turno. Somente uma vitória de Boulos poderá tirar o PSOL de um desempenho desastroso.

Todo esse quadro revela uma dolorosa e medíocre situação das esquerdas no Brasil. As esquerdas estão sem estratégia. Apresentam propostas quase sempre como receituários formalísticos e vazios de conteúdo. Já não são detentoras da paternidade dos programas sociais compensatórios. Qualquer partido os adota e os implementa em suas administrações

As esquerdas não têm alternativas programáticas para a teologia da prosperidade dos evangélicos e para o discurso do empreendedorismo nas periferias a la Marçal. Perderam o voto cativo dos pobres.

As esquerdas não perceberam os impactos das mudanças tecnológicas sobre o mundo do trabalho. Eles produziram novas subjetividades e novas demandas nos trabalhadores uberizados, que não são atendidas pelos discursos receituários dos candidatos de esquerda.

As esquerdas também não captaram as potencialidades que as tecnologias digitais podem proporcionar em ternos de inovações de serviços públicos, de articulação de economias locais nos bairros e periferias, na articulação de uma economia colaborativa e de bem comum, na estruturação de novos serviços de saúde descentralizados, na nova abordagem da saúde pública articulando a vida urbana com ecologia, na viabilização de espaços comuns destinados à múltiplas atividades e de conexões na oferta de produtos e serviços locais, na oferta de espaços culturais destinados a atividades criativas, na necessidade de políticas públicas de letramentos digitais visando impedir a exclusão das populações periféricas.

Enfim, a necessidade de fazer convergir as transições ecológica e digital suscita uma série de possibilidades inovadoras e transformadoras que são ignoradas pelas esquerdas. Antigamente, o PT se preocupava com a inovação da gestão municipal com o chamado “Modo Petista de Governar”. Hoje em dia, o partido parece tomado pelo espírito da burocracia.

As esquerdas passam ao largo também da noção de tecnopolitica, entendida como um conjunto de atividades que projetam novas formas de fazer política através das tecnologias digitais, envolvendo estratégias persuasivas com a utilização da psicologia política e da neurociência, de novas formas e linguagens discursivas visando otimizar a persuasão e a construção de narrativas que considerem os impactos da política dos afetos.

A tecnopolítica permite projetar novas lideranças e novos atores políticos e sociais pelos meios digitais. Não é mais apenas no território ou no movimento social ou sindical específico que se projetam liderança e poder. A direita percebeu os potenciais de projeção das tecnologias digitais há tempo.

As esquerdas perderam também a capacidade de produzir novas lideranças coadunadas com o nosso tempo. Da mesma forma que ignoram os impactos da transição digital, foram poucas as candidaturas que conferiram centralidade à crise climática e à transição ecológica, temas que afetam a universalidade das pessoas.

É certo que não existe uma relação direta entre os resultados das eleições municipais e a questão das eleições gerais e da sucessão presidencial de 2026. Mas é preocupante a perda de substância programática e de narrativa das esquerdas. É preocupante a incapacidade de se comunicar. O governo federal sequer consegue tirar proveito do bom momento econômico que o país vive. O governo Lula não tem um projeto de futuro para o país. Há uma dissonância entre o que o governo e as esquerdas pensam e como agem com o espírito do nosso tempo.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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6 Comentários

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  1. De tudo o que resta é a confirmação da incapacidade de o PT formar novas lideranças e , daí, integração com as novas realidades.
    Os grandes líderes envelheceram e não formaram sucessores, não tem como tergiversar sobre os fatos.
    Entretanto, numa visão otimista, o PT está entre os tres maiores avanços, percentualmente, na conquista de prefeituras.
    Os piores foram o PP e MDB.
    Casualmente – ? – os tres são partidos com mais conquistas são novas agremiações.
    Novos personagens + novas idéias ?

  2. Nunca foi diferente.
    Na minha cidade, Nordeste, interior de Sergipe , com uma das mais antigas câmaras de vereadores, possivelmente a 47° ou 49° do Brasil, o comunismo chegou em 1925, através de um comerciante, agiota e possivelmente maçom. Porém como partido, só com a democratização pós 1945. De operário mesmo só um sapateiro e um alfaiate, ambos prestadores de serviço.
    Em 1981 fundamos o PT. Nunca se fez mais que um vereador, por coligação com a direita.
    A possibilidade de esquerda no Brasil sempre foi um discurso malandro da direita. Pra aterrorizar os recalcitrantes.
    O Nacional-Desenvolvimentismo foi coisa da direita patriótica: uma minoria, mas temporariamente com poder. Ora vivemos a fase áurea da malandragem da direita entreguista, gerando o terror de uma esquerda inexistente para facilitar seu esporte predileto: trocar o país por espelhinhos. Por isso quanto mais pior, melhor para eles.

    1. José também penso assim. No interior a força do patriarcado é muito forte pois é difícil ganhar a vida fora do sistema de proteções de patriarcas e sucessores.
      A educação é pouca e engajada no “sistema”.
      O conservadorismo é forte e atuante.
      Os mais novos ou se conformam ou saem para cidades maiores nas redondezas.

  3. Eu, e minha família, passamos ao extrato da pobreza (assalariados e/ou autônomos, e assemelhados) há cerca de trinta anos. E sustento, já há muito tempo, que esses extratos da população não são, como pensam as “esquerdas”, compostos, majoritariamente, por progressistas, gente solidária ou naturalmente generosa; são, em sua grande maioria, individualistas e ambiciosos, se é que se pode chamar assim gente que, no fundo, luta apenas para sobreviver. A Direita, sempre mais atilada, apela para essa natureza real das pessoas, principalmente a partir do bolsonarismo, com essas excrescências como a teologia da prosperidade, enquanto a esquerda segue acreditando no que eu suponho ser uma crença na natureza ideal das pessoas. O inconsciente coletivo da população mais pobre é povoado de sonhos de riqueza, e não de solidariedade, malgrado as aparências. Quando o jeito é se virar, cada um cuida de si, irmão desconhece irmão, como diria Paulinho da Viola. E quando o Estado falha, ou não consegue superar as amarras e limites impostos pela estrutura colonial do país, aí o campo torna-se fértil para os marçais da vida.

  4. José também penso assim. No interior a força do patriarcado é muito forte pois é difícil ganhar a vida fora do sistema de proteções de patriarcas e sucessores.
    A educação é pouca e engajada no “sistema”.
    O conservadorismo é forte e atuante.
    Os mais novos ou se conformam ou saem para cidades maiores nas redondezas.

  5. Diz o sito popular que, em rio que tem piranha, jacaré nada de costas. O grande problema das esquerdas, é acreditar que conseguirão revolucionar os sistemas capitalistas através de processos eleitorais manipulados pela burguesia. Ledo engano! Não quero dizer com isso, que não devamos participar de eleições, pois as mesmas podem ser utilizadas como mecanismos de conscientização do povo. O Importante é não cairmos na ilusão que nas pseudo democracias alcançaremos o poder, pois na hipótese de acontecer, a burguesia acionrá seus planos B e C que se resumem: No B a sabotagem da governança e no plano C, no golpe de estado. Não podemos deixar de registrar, que democracia nunca existiu nem existe em lugar nenhum no mundo, por uma razão muito simples: O Povo não tem condiçoes de mandar em sociedades complexas, parte do Povo pode até escolher que vai mandar, mas ele mesmo, não manda nem em casa, quanto mais num país.

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