A PEC da Traição é logicamente inconstitucional, por Alvaro Augusto Ribeiro Costa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A PEC da Traição é logicamente inconstitucional

por Alvaro Augusto Ribeiro Costa[i]

A inconstitucionalidade da PEC da Traição – que também pode ser denominada de Ato Institucional 55 – se mostra em múltiplos aspectos. Muitos deles revelam, na origem, um ponto em comum, essencial: a inconstitucionalidade lógica da proposta.  Vejamos.

A Constituição Federal proclama valores (v. Preâmbulo[ii]), direitos e deveres individuais, coletivos e sociais (CF, arts. 5o. a 11), deveres e obrigações estatais, competências e objetivos fundamentais (I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3o.[iii])).

Pelos próprios termos da Lei Maior, portanto, sua única e última finalidade é a satisfação das necessidades públicas.   

Na realidade, há sempre uma diferença entre o conjunto das necessidades públicas e o das necessidades efetivamente satisfeitas. A diferença entre esses dois conjuntos é o déficit de satisfação das necessidades públicas.       

Pois bem. A Constituição reconhece a existência dessa diferença. Por isso mesmo os Constituintes a promulgaram com o objetivo declarado – desde o Preâmbulo – de “ instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”; bem assim, de alcançar os objetivos do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e da marginalização,  e a redução das desigualdades sociais e regionais.           

A realização dos proclamados objetivos é, portanto, a própria razão da existência da Constituição. Eis por que ela foi denominada  “Constituição Cidadã”.         

Não é demais repetir: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça são os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.         

Em outras palavras, a Constituição e tudo que contém – inclusive os Poderes da República e suas competências, especialmente para emendar a Constituição – somente existem para que seja cada vez menor o déficit de satisfação das necessidades públicas. Nunca, para aumentá-lo.          

O que pretende, porém, a PEC da Traição?          

Exatamente proibir o aumento real do custo de satisfação das necessidades públicas.

Com esse objetivo,  a PEC institui um limite ao dispêndio para satisfação daquelas necessidades, assim construído:

Custo nominal das necessidades públicas satisfeitas no ano anterior  + Inflação do ano anterior (IPCA) = Teto do custo de satisfação das necessidades públicas.           

Ora, considerando-se que o custo da satisfação das necessidades públicas é variável – porque também variam as necessidades -, disso resulta que a fixação de um teto não corresponde às inevitáveis variações. Portanto, é desproporcional a elas.        

Levando-se em conta, ademais, que as necessidades públicas tendem a crescer, seu custo de satisfação também tende a aumentar. Isso, por causa não apenas do crescimento demográfico e de eventualidades imprevisíveis, como também dos custos de bens e serviços cujo valor não se prende ao da inflação passada.

Sendo assim, o valor do teto de satisfação das necessidades públicas, além de desproporcional em relação ao custo de satisfação das necessidades públicas, tenderá a distanciar-se deste ao longo do tempo.

Em vista do reconhecimento constitucional da existência do déficit de satisfação das necessidades públicas, bem como da obrigação estatal de reduzi-lo, verifica-se claramente a  inconstitucionalidade do teto estabelecido na PEC , considerando-se a desproporcionalidade entre o déficit variável e crescente e o limite fixo e invariável para o dispêndio indispensável ao cumprimento de tal obrigação.

Desse modo, enquanto a Constituição impõe ao Estado a progressiva satisfação das necessidades públicas, a PEC pretende impor justamente o contrário: a redução progressiva do cumprimento desse objetivo constitucional.

Donde se conclui, lógica e simplesmente: PEC da Traição = Retrocesso Inconstitucional.


[i]  Alvaro Augusto Ribeiro Costa – Advogado, Subprocurador-Geral da República (aposentado), ex-Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, ex-Advogado Geral da União

[ii] Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

[iii] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Quem ira nos socorrer
    Lembrei do famoso seriado do “super heoi” mexicano,o Chapolim colorado que quando alguem estava em perigo dizia o bordão”e agora, quem podera nos socorrer ?

  2. Janot era contra a PEC 55 e a favor das Medidas Anticorrupção

    Ele ataca caninamente a aprovação “desfigurada” das medidas contra a corrupção mas se omite no que diz respeito à aprovação da PEC 55, que, de acordo com o referido Procurador, é inconsticional.

  3. Porque Janot se omite diante dessa inconstitucionalidade?

    De acordo com a Procuradoria Geral da República, a PEC do Teto dos Gastos invade competência orçamentária do Poder Judiciário:

    “Nos moldes em que delineada, sob pena de se incutir no Poder Executivo a idéia de um ‘super órgão’ que, a pretexto de trazer a trajetória da dívida pública para níveis sustentáveis, passará a controlar os demais poderes ainda que de maneira indireta, inviabilizando o cumprimento de suas funções constitucionais e institucionais”. – Rodrigo Janot

    O Rodrigo Janot reagiu à aprovação desfigurada do pacote contra a corrupção dando coices no ar e relinchando. No que diz respeito à aprovação da inconstitucional PEC dos gastos ele não reagiu relinchando nem dando coices no ar. Ele reagiu dizendo:

    “Eu retiro o que disse sobre a inconstitucionalidade da PEC do Teto dos Gastos, não está mais aqui quem falou”.

    Porque esses dois pesos e essas duas medidas nas reações do Janot?

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