Ganho de acionista foi três vezes maior do que investimento da Petrobrás em dois anos
por Lauro Veiga Filho
A estratégia de desmonte da Petrobrás envolveu, pelo menos até o ano passado, a liquidação de ativos estratégicos para o País a valores depreciados, corte radical nos investimentos, levando a certa estagnação na produção própria de óleo e gás a partir da segunda metade da década passada, e uma escalada no valor dos dividendos propostos e pagos aos acionistas. Na soma dos dois últimos anos, a petroleira investiu R$ 98,185 bilhões, um terço dos lucros acumulados no período, na faixa dos R$ 296,269 bilhões. Os dividendos propostos aos acionistas, ao contrário, atingiram R$ 323,955 bilhões, superando o valor investido em 229,94% (quer dizer, mais de três vezes todo o investimento realizado, que vem murchando ano a ano desde 2016).
A principal empresa brasileira, líder internacional na geração de tecnologia para exploração de petróleo em águas ultraprofundas, tem sido literalmente dilapidada para atender à sede de lucros dos acionistas, lembrando que o governo detém somente 28,69% das ações da estatal. Incluindo as participações do Banco Nacional de Desenvolvimento e de sua subsidiária BNDESPar, o setor público responde por 36,63% do total das ações. Perto de 46,3% das ações encontravam-se em mãos de estrangeiros com investimentos na B3, a bolsa de valores brasileira, e sob o formato de American Depositary Receipts (ADR), ou recibos de depósitos emitidos por bancos nos Estados Unidos com lastro nos papéis da Petrobrás, neste caso específico. Outros 17% estavam em poder de investidores institucionais, empresas e pessoas físicas. Muito claramente, a depredação que tem vitimado a petroleira estatal tem favorecido sobretudo acionistas privados, na maioria estrangeiros.
Paridade falaciosa
O processo agravou-se nos últimos dois anos, ao mesmo tem em que os lucros da Petrobrás entraram em disparada, motivada pelo salto de 142,8% nos preços médios do barril de petróleo no mercado internacional entre 2020 e o ano passado e pela política de preços adotada pela empresa desde 2017, baseada numa falaciosa “paridade de preços de importação” – mais conhecida pela sigla PPI, que nada mais tem feito do que depenar o consumidor brasileiro e beneficiar importadores de derivados de petróleo, principalmente de óleo diesel, tornando “competitivas” suas aquisições no mercado externo e, escandalosamente, roubando mercado da própria Petrobrás.
Obviamente, a “paridade de preços” ajudou a turbinar os lucros da própria estatal, mas esses ganhos históricos não foram destinados a investimentos que deveriam assegurar a perenidade do negócio e o crescimento da petroleira ao longo do tempo. Como já divulgado, o resultado líquido da empresa experimentou salto de 76,2% no ano passado, subindo de R$ 107,264 bilhões em 2021 para R$ 189,005 bilhões no ano seguinte, um recorde na história da petroleira. Nos mesmos dois anos, o valor proposto pela empresa para dividendos e de juros sobre o capital próprio a serem distribuídos aos acionistas superou todo o lucro acumulado no período. Os dividendos propostos pela companhia aumentaram 119,5% entre 2021 e 2022, saltando de R$ 101,395 bilhões, o que já era um despropósito, para nada menos do que R$ 222,560 bilhões no ano passado, praticamente 18% mais do que o lucro registrado no mesmo exercício. Os dividendos pagos efetivamente cresceram 168,2% na saída de 2021 para 2022, saindo de R$ 72,553 bilhões para R$ 194,609 bilhões.
Disparidades
Em valores nominais, o total de dividendos propostos disparou quase 24 vezes entre 2013 e o ano passado, já que somavam R$ 9,301 bilhões naquele primeiro ano, quando corresponderam a 39,5% do lucro de R$ 23,570 bilhões realizado pela empresa. Em igual intervalo, o resultado líquido aumentou em oito vezes. A comparação entre os dois períodos mostra como a distribuição dos lucros aos acionistas tornou-se desproporcional, com a disparidade ampliando mais recentemente.
O investimento, ao contrário, despencou 51,3% a valores não atualizados com base na inflação decorrida entre aqueles dois anos, caindo de R$ 104,416 bilhões para R$ 50,816 bilhões, considerando-se o dólar médio do ano passado, conforme informa a demonstração de resultados da companhia. Convertidos em dólares, ainda de acordo com os balanços da Petrobrás, os investimentos desabaram de US$ 48,097 bilhões para US$ 9,848 bilhões, num tombo de 79,6%.
Entre 2019 e 2022, o conselho de administração da empresa propôs distribuir 96,57% do lucro acumulado naqueles quatro anos. Mais objetivamente, a Petrobrás anotou um resultado líquido acumulado de R$ 343,485 bilhões, sempre em valores nominais, e aprovou a distribuição de R$ 331,690 bilhões. Entre 2005 e 2018, diante de um lucro somado de R$ 202,462 bilhões, os dividendos propostos alcançaram R$ 60,968 bilhões. Na média de quase uma década e meia, portanto, a empresa dispôs-se a destinar a seus acionistas 30,1% dos seus ganhos, e investiu R$ 882,690 bilhões, dos quais 59,2% (algo como R$ 522,434 bilhões) foram reservados ao setor de exploração e produção de petróleo.
Convertidos em dólares, a estatal havia investido US$ 171,214 bilhões entre 2011 e 2014, sempre de acordo com as demonstrações de resultado da petroleira. Entre 2015 e 2018, já no auge da Lava Jato e em meio às conspirações para o impedimento da presidente Dilma Rousseff, derrubada para dar lugar a Michel Temer e sua “ponte para o futuro”, o investimento ficou limitado a US$ 67,440 bilhões, numa queda de 60,6% em relação ao total investido nos quatro anos anteriores. Na contramão do salto experimentado pela distribuição de dividendos, a direção da Petrobrás cortou o investimento em mais 22,8%, derrubando-o para US$ 52,091 bilhões. Na comparação com os investimentos acumulados entre 2011 e 2014, o tombo atingiu 69,58%.
Investimento justificado
O ritmo intenso dos investimentos justificava-se plenamente pela necessidade de desenvolver os campos de exploração na região do pré-sal, a profundidades que podem atingir 7,0 mil metros abaixo da linha d’água, exigindo um conhecimento geológico e um nível tecnológico que até a toda poderosa Shell não dispunha e por isso preferiu abrir mão do projeto de produção naquela região da plataforma marítima brasileira.
Isso explica o salto no endividamento líquido da Petrobrás, que avançou de R$ 103,022 bilhões em 2011, algo em torno de 24% de seu patrimônio líquido, para R$ 392,136 bilhões em 2015 (60% dos recursos à disposição dos acionistas). A dívida líquida de fato aumentou 280,6%. Mas a empresa continuava a gerar caixa, cm suas disponibilidades crescendo 173,7% em igual período, de R$ 35,747 bilhões para R$ 97,845 bilhões, praticamente um quarto do endividamento líquido. O cenário nem de longe configurava uma situação de quebra, contrariando a atoarda da mídia em geral contra a estatal.
A Petrobrás enfrentou dificuldades maiores por conta da queda de 53,0% nos preços do barril entre 2012 e 2015, de US$ 111,58 para US$ 52,46, o que afetou seu desempenho negativamente, assim como a imposição à empresa de um “impairment” precipitado e equivocado em 2014, na esteira das denúncias apresentadas pela operação Lava Jato. A operação gerou um impacto de R$ 44,636 bilhões sobre o balanço, tornando um dos principais fatores por trás do prejuízo de R$ 21,587 bilhões registrado naquele ano. As perdas observadas também entre 2015 e 2017 tiveram o mesmo pano de fundo, a saber, preços baixos para o petróleo no mercado internacional, com o barril chegando a US$ 43,69 na média de 2016, e “ajustes” impostos pela operação.
Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.
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