Assange, Manning, Snowden, Greenwald e a nova teologia jurídica, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A evidente criminalização do jornalismo já começou a ser denunciada dentro e fora do Brasil

Julian Assange se notabilizou publicando as informações que recebeu sobre as atividades criminosas de um grande Banco. Algum tempo depois, ele ganharia uma projeção internacional ainda maior ao receber e divulgar segredos de guerra e diplomáticos dos EUA que lhe foram fornecidos por Bradley Manning.

Na mesma época em que a internet foi transformada numa poderosa ferramenta a serviço da fiscalização dos abusos governamentais, os EUA começaram a estruturar um novo serviço de coleta, estocagem e análise massiva de informações. Inspirado pela saga de Assange e Manning, o agente Edward Snowden decidiu furar o olho do Big Brother norte-americano fornecendo provas de sua existência e potencial opressivo a Glenn Greenwald e Laura Poitras.

As vidas desses quatro heróis da modernidade nunca mais seriam as mesmas.

Depois de desfrutar imenso prestígio, Assange acabou sendo enredado numa perseguição judicial fraudulenta que o levou a se refugiar durante vários anos na Embaixada do Equador em Londres. Ao ser expulso dela, o fundador do Wikileaks foi preso pelas autoridades inglesas. Ele está definhando numa prisão e tudo indica que Assange está fadado a morrer ou a ser morto para preservar os acordos geopolíticos e diplomáticos entre a Inglaterra e os EUA.

Bradley Manning foi preso, torturado e condenado a apodrecer na prisão. Após cumprir pena por algum tempo, ele foi perdoado por Barack Obama e colocado em liberdade. Entretanto, Manning voltou à prisão porque se recusou a testemunhar contra Julian Assange. A Justiça dos EUA também o condenou a pagar uma multa elevadíssima em virtude de sua recusa de colaborar com a perseguição criminal do blogueiro que revelou ao mundo os crimes de guerra do US Army e os abusos do US Departament of State.

Mais cuidadoso do que o informante do Wikileaks, Edward Snowden preferiu entregar pessoalmente em Hong Kong as informações secretas que coletou sobre o Big Brother da NSA. Após a divulgação jornalística do escândalo ele conseguiu viajar para a Rússia antes de ser preso e entregue às autoridades dos EUA. Exilado por tempo indeterminado, Snowden tem esperança de voltar a morar no seu país. Mas se ele fizer isso agora ou nos próximos anos o mais provável é que ele seja preso e condenado à morte por traição.

Greenwald deu seguimento à sua bem sucedida carreira jornalística. Ele voltou a se tornar o centro das atenções ao denunciar na imprensa internacional a fraude do Impeachment contra Dilma Rousseff. Após o golpe “com o Supremo com tudo”, Greenwald voltaria a incomodar as autoridades brasileiras. Isso ocorreu quando ele começou a divulgar mensagens trocadas por celular entre procuradores do MPF e membros da Justiça Federal comprovando a existência de uma verdadeira conspiração para prejudicar a candidatura de Lula.

Os danos causados pela Vaza Jato às pretensões políticas de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro são evidentes. A imagem positiva construída para eles pela imprensa foi destruída por Greenwald e pelo The Intercept. Ambos não podem mais alimentar a esperança de ganhar uma vaga no STF. Todos os processos em que Moro e Dallagnol combinaram ações em segredo para prejudicar a defesa dos réus serão inevitavelmente anulados. As mensagens que eles trocaram também serão utilizadas no processo movido por Lula contra o Brasil no Comitê de Direitos Humanos da ONU.

A vingança política do MPF não tardou. Há alguns dias um procurador denunciou Greenwald como co-autor dos crimes praticados pelos hackers que forneceram a ele as informações que comprometem a higidez jurídica da Lava Jato. A evidente criminalização do jornalismo já começou a ser denunciada dentro e fora do Brasil.

Os grandes jornais norte-americanos, ingleses e europeus saíram em defesa de Greenwald. Ele também está sendo defendido por uma parte da imprensa brasileira. Atores e atrizes de Hollywood e políticos norte-americanos, ingleses e europeus estão fazendo campanha na internet em favor do jornalista do The Intercept.

Numa situação normal, o processo criminal movido contra Greenwald seria imediatamente trancado. O problema é que desde 2015 nós estamos vivendo sob uma intensa e crescente anormalidade política e jurídica. A banda podre do MPF e do Judiciário aderiu ao golpe de 2016 e tem feito tudo que pode para aprofundar a anomia jurídica e expandir o regime de exceção.

O STF continua dividido. Em alguns casos aquele Tribunal faz cumprir a Constituição Cidadã; em outros, a maioria dos Ministros inventa um pretexto para não aplicar o texto constitucional. Quando Luiz Fux assumir a presidência do STF a balança da injustiça pode esmagar Greenwald. E para piorar a situação do norte-americano, Jair Bolsonaro já deixou bem claro que deseja expulsá-lo do Brasil.

Assange, Manning, Snowden, Greenwald e Poitras comprometeram os planos autoritários hegemônicos e criminosos dos EUA. De todas as pessoas mencionadas aqui, apenas a última não foi perseguida pela Justiça.

Laura Poitras mora em Berlin e não tem sido incomodada pelas autoridades alemãs. No caso específico dela, a tolerância jornalística da Alemanha também pode ser interpretada como uma demonstração de gratidão. Afinal, Poitras revelou ao mundo que a NSA espionava a primeira ministra Angela Merkel. Desde então as relações diplomáticas entre alemães e norte-americanos ficaram abaladas. A eleição de Trump não facilitou uma reaproximação entre os dois países.

A maneira como as autoridades estão tratando os casos de Assange, Manning, Snowden e Greenwald indica que ocorreu uma evidente degradação dos padrões jurídicos ocidentais. Os Sistemas de Justiça dos EUA, da Inglaterra e do Brasil foram transformados em apêndices políticos do Pentágono e da Casa Branca.

O fundador do Wikileaks ficou preso numa Embaixada sem ter sido condenado e está sendo lentamente assassinado para garantir a sagrada unidade diplomática entre a Inglaterra e os EUA. Manning faliu e entra e sai da prisão porque se recusa a prestar depoimento sobre um crime do qual foi perdoado. Snowden foi condenado ao exílio para conservar a vida. Greenwald corre o risco de ser condenado e preso ou simplesmente deportado porque está sendo criminalmente processado.

Com a ajuda dos procuradores e dos juízes o autoritarismo está se consolidando como único método de governança política. A livre circulação de informações indispensáveis ao exercício da cidadania passou a ser tratada como uma coisa perigosa. Os limites crescentes impostos ao jornalismo provocam e aceleram a degradação dos regimes democráticos. A censura direta, indireta ou disfarçada está voltando a ser considerada desejável ou inevitável.

Nas profundezas deste abismo irradiado dos EUA para os seus satélites podemos ver a politização da religião. A Bíblia foi transformada num instrumento de ataque para sabotar, limitar ou refogar princípios constitucionais seculares erigidos à mais de um século para possibilitar a existência e o fortalecimento da democracia. É fato, nesse momento será inútil defender a defesa da liberdade com argumentos racionais. O fundamentalismo religioso se caracteriza pela irracionalidade e ela é impermeável ao método racional do Direito. Uma nova teologia precisa ser concebida.

No princípio era a Justiça. E ela se fez luz. E isso foi bom. Sob a luz da justiça a verdade foi revelada, vista e compartilhada por todos. E isso foi melhor. Pois onde a verdade emerge dos fatos e pode predominar todo conflito humano pode resultar numa paz justa entre os cidadãos. Será banido para as profundezas do espaço sideral aquele que quiser recriar a escuridão, que repetir mentiras à exaustão e que espalhar injustiças entre os homens. Amém.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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