Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Como ler as intenções de um produto Disney com “Os Incríveis 2”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Em 2001 Karl Rove, Vice-Chefe da Casa Civil do presidente Bush, reuniu os chefões de Hollywood em Beverly Hills. Num esforço de propaganda, Rove exigiu da indústria do cinema mais filmes sobre família, heróis e ameaças externas. Foi o ponto de partida da onda de filmes de super-heróis com franquias da Marvel e DC Comics. E a animação da Disney “Os Incríveis” em 2004 fez parte dessa agenda. Depois de 14 anos, “Os Incríveis 2” é lançado. Diferente do tom motivacional das outras produções do estúdio Pixar, a franquia “Os Incríveis” se distingue pela explícita temática social e política. Dessa vez, Mulher Elástica é a protagonista, patrocinada por um megaempresário de uma rede de comunicação numa estratégia de propaganda para reabilitar a imagem dos super-heróis. E os problemas da família do Sr. Incrível às voltas com a opinião pública, as leis e os políticos. Que se tornam inimigos tão nefastos quanto a nova geração de super-vilões. “Os Incríveis 2” é um exemplo didático da “Agenda Hollywood” proposto por Karl Rove: anti-intelectualismo e repulsa à política como novas estratégias para conquistar as mentes de crianças e adultos. Pauta sugerida pelo nosso leitor Saulo Regis.

Há 46 anos, Ariel Dorfman e Armand Mattelart escreviam o clássico “Para Ler o Pato Donald” no Chile, no momento em que o governo socialista de Salvador Allende se debatia com as pressões dos EUA e o apoio logístico da CIA às greves e protestos.

A ideia dos pesquisadores era denunciar a propaganda ideológica dos EUA por trás de inocentes histórias em quadrinhos infantis da Disney, dentro do contexto da Guerra Fria.

O livro descreve como no universo Disney não há laços familiares diretos (só há tios e sobrinhos, para esconder as relações sexuadas), os personagens são movidos apenas pela ambição por dinheiro, enquanto fora de Patópolis só existem povos bárbaros e burros o suficiente para serem enganados e entregar todas suas riquezas. Para Mattelart e Dorfman, as aventuras de Mickey, Tio Patinhas e Pato Donald nada mais seriam do que a expressão metafórica da geopolítica norte-americana – conquista, dominação e exploração.

Para se assistir à nova animação Pixar Os Incríveis 2 é necessário ter em mente esse diagnóstico de Dorfman e Mattelart. Primeiro, e mais óbvio, porque estamos diante de mais um produto da Disney. 

E segundo, porque a franquia Os Incríveis é uma animação diferenciada em relação a todas as outras dos estúdios Pixar. Enquanto animações como Toy Story, Ratatouile, Procurando Nemo ou Divertida Mente tratam de temas motivacionais, a franquia Os Incríveis tem um forte tom social e político. 

 

Sim! Também nas animações motivacionais da Pixar há um componente ideológico (por ex., Divertida Mente se inspira nas pesquisas psicológicas da CIA e Departamento de Defesa dos EUA – clique aqui), porém de maneira mais discreta, sob muitas camadas de sentimentalismo. Não é o caso de Os Incríveis, onde o tema dos super-heróis se relaciona explicitamente com instituições como a Política, o Judiciário e os meios de comunicação.

Metalinguagem de um subgênero

Ao mesmo tempo é importante considerar que essa continuação de Os Incríveis acontece 14 anos depois. Ao lado dos lançamentos de Homem-Aranha (2002) e X-Men (2000), naquele momento Hollywood iniciava a onda de filmes de super-heróis dos quadrinhos da Marvel e DC Comics adaptados para as telonas. Por isso, Os Incríveis 2 é lançado numa paisagem cinematográfica bem diferente do seu antecessor: como se diferenciar numa fórmula já bem desgastada?

Como sempre, a saída é fazer uma metalinguagem do subgênero: quando não estão salvando o mundo, o que fazem os super-heróis? Como é a sua rotina familiar? Atrapalha as super-missões dos heróis?

Mas o que chama a atenção em Os Incríveis 2 é que a narrativa não se limita aos conflitos entre as demandas familiares e heroicas – como em 2004. Mas agora, principalmente, vemos os perrengues da família protagonista com a opinião pública, as leis e os políticos. Que se tornam inimigos tão nefastos quanto os super-vilões – na animação, o “Minerador” e o “Hipnotizador”.

Também para entender o contexto do lançamento de Os Incríveis 2, deve-se ter em mente a célebre reunião feita em 2001 com os chefões de Hollywood em que Karl Rove, na época Chefe da Casa Civil do presidente Bush, lançou a chamada “Agenda Hollywood” pós-11 de setembro, projetada para os próximos 20 anos: mais filmes sobre famílias, heróis (humanos ou super) e ameaças externas que salientassem os valores morais dos EUA – sobre isso clique aqui.

 

Imediatamente intensificaram-se das franquias de super-heróis, lembrando os esforços de propaganda dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial para combater os super-heróis arianos nazi.

Nesse contexto, Os Incríveis 2 parece uma síntese metalinguística desse esforço de propaganda, no qual a família do Sr. Incrível participa de uma ação de engenharia de opinião pública para reverter a imagem negativa dos super-heróis. Uma espécie de meta-propaganda nesses últimos anos de guerra ao terror e guerra híbrida em países periféricos da geopolítica dos EUA.

O Filme

A animação inicia por onde o primeiro filme terminou: o ataque do vilão Minerador que cava tuneis sob bancos para saqueá-los. Mulher Elástica, Sr. Incrível e seus filhos lutam para impedi-lo, mas os danos na metrópole acabam refletindo uma cultura atual na qual os super-heróis não têm lugar: é melhor deixar o vilão fugir com o dinheiro do que impedi-lo com mais destruições. Afinal, os bancos têm seguro e o prejuízo pode ser contabilizado.

Lembre-se que no primeiro filme os super-heróis foram proscritos e inseridos em um programa governamental de redirecionamento: apagar suas identidades e realoca-los em empregos comuns, anônimos. Essa foi a lei, no passado definida pelos políticos após debate parlamentar.

 

Novamente entra em ação um agente secreto do Governo (não por acaso com a cara do ex-presidente Nixon que sofreu impeachment em 1972) para controlar os danos e realocar a família Incrível em um quarto de hotel, para escondê-los mais uma vez.

Surge a esperança: Winston Deavor, um megaempresário dono de uma poderosa rede de telecomunicações. Junto com sua irmã Evelyn, pretende reverter as imagens dos super-heróis junto à opinião pública: torna-los mais uma vez necessários (diante da escalada de ataque da nova geração de super-vilões) e pressionar a suspensão da lei imposta pelos políticos e governo.

Meta-guerra híbrida

O que faz Deavor? Organiza protestos “espontâneos” de populares nas ruas com placas e faixas para apoiar a volta dos super-heróis – meta-guerra híbrida? Mas ele tem um plano maior: promover a imagem pública positiva da Mulher Elástica através de uma micro-câmera digital inserida em seu uniforme. Para transmitir ao vivo pela TV seus atos heroicos. Agora tudo será pelo ponto de vista do herói, e não mais dos políticos.

O megaempresário baseia-se em um “relatório”: “quando se trata de decisões, devemos confiar mais em macacos do que no Congresso”, afirma com todas as letras Deavor.

A narrativa reverbera o atual discurso de depreciação da política representativa da grande mídia de forma explícita – a mídia é mais confiável do que o Congresso: “os políticos não entendem pessoas que fazem o bem…só porque é certo, isso os deixa nervosos”, pondera o megaempresário.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. Tropa de elite

    No Brasil isto começou há bem mais tempo com o tropa de elite I e II. Obras do maior esteta do facismo nacional, o Fernando Meirelles.

    Lá já vemos a depreciação do político e a glamurização do “herói” policial que mata e arrebenta. Lá já vemos os raça pura (tanto negro quanto branco) acabando com os mestiços e nordestinos. Não é por acaso que o principal “vilão” do primeiro filme é chamado de baiano. Lá já vemos o herói negro, na vida real representado por Joaquim Barbosa, e o heroi branco, na vida real representado por Moro, contra os mestiços, na vida real representados pela esquerda, principalmente pelos nordestinos como Lula e Genoíno.

     

     

     

     

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