Tania Maria de Oliveira
Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.
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Incompetência e imparcialidade: caso Lula e o Xadrez no STF, por Tania Maria de Oliveira

Também não caberia ao plenário do Supremo Tribunal Federal, por via transversa, se impor sobre julgamento realizado por turma.

Incompetência e imparcialidade: caso Lula e o Xadrez no STF

por Tania Maria de Oliveira

Nunca foi tão difícil explicar para quem não é do labiríntico mundo jurídico, com sua linguagem rebuscada e seus sinuosos caminhos recursais, as possibilidades de julgamento de um caso, como é agora na hipótese dos dois Habeas Corpus impetrados pela defesa do ex-presidente Lula, que estão em análise no Supremo Tribunal Federal (STF).

É que, de fato, ao emaranhado de caminhos prováveis legais e regimentais, os ministros acrescentaram outros que não apenas confundem, como podem criar decisões contraditórias e que se chocam, a depender dos próximos passos.

A decisão do ministro Edson Fachin no Habeas Corpus 193.726 tem como consequência declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, remeter os autos à Seção Judiciária de Brasília para que recomece a partir do recebimento, ou não, da denúncia, e declarar a perda de objeto, por extensão de nulidade, de todos os demais feitos ajuizados pela defesa do ex-presidente Lula sob sua relatoria, inclusive o Habeas Corpus 164.493, que trata da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e segue em análise na 2ª Turma do STF.

O Ministério Público Federal apresentou agravo regimental na sexta-feira, dia 12, pedindo a reconsideração da decisão e, alternativamente, a remessa dos autos à Seção Judiciária de São Paulo. Em resposta no mesmo dia, em contraste com a decisão que proferiu anteriormente, em que afastou a competência do plenário, o ministro Edson Fachin enviou o feito ao colegiado.

As críticas feitas à decisão de Fachin pelo ministro Marco Aurélio Mello, no dia 09 de março, já mencionavam sua posição acerca da necessidade de apreciação do caso pelo plenário da Casa. O colunista Lauro Jardim publicou na mesma data que: “Luiz Fux já decidiu que caberá ao plenário do Supremo julgar qual das duas decisões prevalecerá”.

Ocorre que, além de totalmente questionável, uma deliberação do plenário pode, sem sombra de dúvidas, jogar o STF em uma situação inusitada e anômala, já que a confirmação da decisão do ministro Fachin corroboraria a perda de objeto do debate de suspeição.  Sua rejeição, por outro lado, garantiria a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, que pode ser fulminada na 2ª Turma com a declaração de suspeição do juiz. Seria, na prática, dois colegiados analisando matérias de mesmo conteúdo, com consequências distintas, cujo desfecho seria necessariamente conflitante e excludente.

Nesse caso importa fazer alguns apontamentos.

Depois de iniciado o julgamento, algumas questões legais se impõem. Por exemplo, o autor do processo não pode desistir da causa. Decisão pacífica do próprio Supremo Tribunal Federal. De igual modo, o relator não tem mais jurisdição sobre o feito, o que impede, portanto, a declaração de sua prejudicialidade de forma monocrática, razão pela qual a decisão do ministro Edson Fachin, no que tange à perda de objeto do Habeas Corpus 164.493 não se sustenta. Tanto assim é que restou sozinho vencido na Questão de Ordem perante a 2ª Turma.

Também não caberia ao plenário do Supremo Tribunal Federal, por via transversa, se impor sobre julgamento realizado por turma.

Com efeito, por algumas vezes, o Tribunal já afirmou a competência das turmas para apreciar matérias de índole subjetiva, dada a maior agilidade e celeridade na prestação jurisdicional individualizada. Tal foi a hipótese do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.175, movida pela Mesa da Câmara dos Deputados, que buscava impugnar o artigo 5º, I, do Regimento Interno do STF, com redação dada pela Emenda Regimental 49/14, que determinou a competência das turmas para julgar crimes comuns cometidos por parlamentares.

De outra ponta, no sistema de nulidades processuais, a incompetência tem caráter objetivo e consiste na inaptidão do juiz por força da matéria, da função ou de hierarquia, para julgar a ação penal, de acordo com as atribuições da jurisdição pela Constituição e pela lei processual. A incompetência do juiz impede a sua jurisdição.

A suspeição do juiz, por seu turno, é requisito de validade e regularidade do processo. As hipóteses configuram situações externas ao que se trata nos autos do processo, e dão causa de nulidade absoluta.

Não apenas por importar em consequências mais severas, a arguição de suspeição possui precedência para análise, de acordo com o expressamente disposto no art. 96 do Código de Processo Penal: “A arguição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente.”

Desse modo, por nenhum ângulo que se verifique, seja legal, jurisprudencial ou doutrinário, é possível a competência do plenário do Supremo Tribunal Federal para apreciar o Habeas Corpus 193.726 no que afeta ao julgamento do Habeas Corpus 164.493. O erro jurídico cometido pelo ministro Edson Fachin nesse caso pode jogar o Tribunal em um verdadeiro abismo de total incerteza e insegurança jurídica. E a simples possibilidade de anulação da análise de suspeição do juiz pode afetar o mais fundamental dos princípios processuais: do direito de defesa.

Tania Maria de Oliveira

Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.

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