
Macri construiu uma forte aliança com os meios de comunicação
por Maíra Vasconcelos
O governo de Mauricio Macri, em três anos e meio, expõe um país em situação social e econômica bastante complicada. São 8% a mais de pessoas em situação de pobreza, a inflação dobrou na sua gestão, e a dívida contraída com o Fundo Monetário Internacional (FMI) compromete o PIB a ponto de se considerar a possibilidade de um default, opinam alguns analistas, enquanto o governo nega. Com esses resultados, a população argentina imprimiu uma derrota contundente ao governo Macri, chamada por aqui de “voto castigo”, nas eleições primárias de 11 de agosto. O macrismo tem agora a difícil tarefa de reinventar um discurso político de campanha, a dois meses das eleições presidenciais de 27 de outubro.
A possibilidade de entrar em default é opinião compartilhada pelo jornalista Sebastián Lacunza, correspondente da agência de notícias Redd Intelligence e Repórteres sem Fronteiras, com quem pude conversar e tomar um café no bairro portenho de Caballito. Lacunza prima pela crítica independente, sempre escasso em adjetivos e conclui com dados e claridade de pensamento suas visões políticas. O governo de Mauricio Macri é bastante indefensável, nem por isso, acredita Lacunza, poderia deixar de reverter o resultado das primárias, já que possui meios para tal.
“O governo Macri tem ferramentas, tem os meios de comunicação, o grupo Clarin, tem os fundos do FMI, que são muito importantes, tem a seu favor grandes empresários. Tem espaço para reconstruir uma épica, por isso, acho que estão indo pelo único caminho que seu próprio eleitorado acredita, que é esse apelo à qualidade democrática e republicana, e à liberdade de expressão”, afirmou Lacunza, que foi editor-chefe do jornal Buenos Aires Herald, entre 2013 e 2017, até o fechamento do periódico, naquele último ano.
Se o resultado das primárias for confirmado em outubro, Mauricio Macri (32,08%), Cambiemos, perderia o mando do poder Executivo do país à centro-esquerda, representada pelo candidato Alberto Fernández (47,65%), da coalizão Frente de Todos, que tem como candidata à vice a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner. Macri entregaria um país endividado, que seguiu a típica cartilha da direita neoliberal menemista dos anos 90.
Nas eleições de outubro, os argentinos votam não apenas para presidente e vice, mas também decidem por 130 deputados federais e 24 senadores, além de prefeitos e governadores em várias províncias. Caso se repita o resultado das primárias, em outubro, o peronismo passaria a ter 87 dos 135 municípios, contra 62, atualmente. O governo cairia dos atuais 69 para 45 municípios e perderia em distritos considerados chave na Grande Buenos Aires, e que tinha ganhado nas últimas eleições de 2015.
Meios de comunicação e voto popular
Ter os grandes meios de comunicação a favor configura uma vantagem política, mas que nem sempre é revertido em votos, como ficou comprovado com o resultado das eleições primárias, que expuseram uma derrota para a mídia massiva na Argentina.
“Que Macri construiu, inclusive antes de ser presidente, uma muito forte aliança com os meios de comunicação, é um dado da realidade. Em particular, como tinha meios que queriam o fim do kirchnerismo, particularmente o grupo Clarín, por causa disso foram aliados muito firmes do governo”, afirmou Lacunza. Ele é autor dos livros WikiMediaLeaks – a relação entre os meios e os governos da América Latina sobre o prisma dos telegramas do Wikileaks (Ediciones B, 2012 ) e Pensar o jornalismo (Ediciones B, 2016).
Para o jornalista, quando a situação econômica nacional é tão insustentável, como no caso do governo de Mauricio Macri, nem sempre a linha editorial governista dos meios de comunicação será determinante nas urnas, como foi o caso das eleições primárias. Ele acredita que sempre dependerá também do contexto político atual.
“Aqui tinha uma razão muito básica, muito perceptível e fácil de ver. Houve uma defraudação entre as promessas de Macri e o cumprimento do governo. Macri chegou ao governo prometendo uma série de soluções rápidas, de terminar com o que ele definia como a loucura, entre aspas, de Cristina e do kirchnerismo. Três anos e meio depois há mais pobreza, mais inflação, mais dívida, não houve praticamente melhoras, nem na economia, nem na parte das instituições, no sistema republicano, aliás, o contrário, tem piorado nesses âmbitos também. Então, a conclusão é de que os meios nem sempre determinam a decisão do eleitorado”.
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Por falar em Macri, acabo de chegar do consultório de um médico. Enquanto eu o consultava, ele me fez perguntas sobre política. Num certo momento ele afirmou que a Argentina está pior do que o Brasil e disse que a Cristina Kirchner está acabando com a economia. Eu disse a ele que o governo da Argentina é o Macri, e não a Cristina Kirchner.
Espero que ele não esteja tão desatualizado em medicina quanto está em política. Se tiver, eu corro o risco de antecipar minha transformação em pó.