No frigir das urnas, Bolsonaro foi o grande perdedor, por Luis Felipe Miguel

A mídia tenta vender, além do fortalecimento do "Centro" (sic), a ideia de que o PT foi o grande derrotado.

No frigir das urnas, Bolsonaro foi o grande perdedor

por Luis Felipe Miguel

Reflexões iniciais sobre os resultados de ontem:

(1) Bolsonaro foi o grande perdedor. Em muitas das maiores cidades, seus candidatos tiveram votação pífia. Mesmo onde foram melhor, em geral foi bem abaixo do esperado. Sofreu ainda pequenas humilhações – Carluxo perdeu um terço dos votos em relação a 2016 e a famosa funcionária fantasma Wal do Açaí, com apenas 266 votos, não conseguiu uma vaga na Câmara de Angra dos Reis.

(2) A situação é particularmente dramática para o bolsonarismo na cidade de São Paulo. Bolsonaro intui, corretamente, que precisa impedir que Dória surja como aglutinador natural daquela direita cheirosa que fica com ele quando a premência aperta, mas não o ama com sinceridade. A derrota de Bruno Covas na capital paulista é, portanto, estratégica para ele. Por outro lado, é claro que uma vitória de Boulos é um péssimo negócio para a direita como um todo, pelo impulso que pode dar à reativação da luta popular.

(3) Mas Bolsonaro obviamente não é um bom perdedor. O ataque cibernético ao TSE, articulado à campanha de fake news para deslegitimar os resultados, mostram a disposição para levar a tática trumpista às últimas consequências. Bolsonaro dá indícios de que deseja permanecer no poder na lei ou na marra.

(4) A direita tradicional foi a maior vencedora da eleição, mas sua situação não é inteiramente confortável. Afinal, a esquerda também retomou algum fôlego – e essa direita tradicional só consegue se emancipar do bolsonarismo se tiver certeza de que a esquerda está nas cordas.

(5) A mídia tenta vender, além do fortalecimento do “Centro” (sic), a ideia de que o PT foi o grande derrotado. Um exemplo é o texto publicado hoje por Igor Gielow, um daqueles colunistas da Folha, que diz que o PT “nesta eleição municipal virou linha auxiliar da sigla radical saída de sua costela em 2004”. Numa mesma jogada estigmatiza o PSOL como “radical”, em perfeito alinhamento com o discurso do PSDB, e joga o PT na irrelevância. Mas o PT parece ter recuperado espaço nos municípios médios e chega ao segundo turno com chances de vitória em cidades como Juiz de Fora, Contagem, Caxias do Sul, Pelotas, Diadema, São Gonçalo, Anápolis, Cariacica, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Santarém – além do Recife e de Vitória. Mesmo em São Paulo capital, Tatto teve um desempenho razoável, dadas as condições adversas, e o PT fez a maior bancada na Câmara de Vereadores (empatado com o PSDB).

(6) Tudo indica que o PT não recupera a hegemonia que um dia teve no campo da esquerda, mas que o PSOL tampouco o substitui. A esquerda brasileira será pluricêntrica. Isso não é ruim, mas exige maior capacidade de articulação e diálogo.

(7) O grande fato da eleição é a chegada de Boulos ao segundo turno, com grande distância em relação a França e Russomano e muito mais próximo de Bruno Covas do que as pesquisas previam. A campanha para o segundo turno é curta e o PSDB conta com muito mais recursos. Mas Boulos é um candidato muito melhor, com capacidade de potencializar a janela de exposição da qual desfrutará agora. E o resultado do primeiro turno anima a militância da esquerda. Em suma, é permitido sonhar com uma vitória na maior cidade do país.

(8) A situação é mais difícil em Porto Alegre e Belém, em que Manuela e Edmilson chegam ao segundo turno com adversários mais fortes do que o esperado. Pelo simples somatório dos votos dos candidatos derrotados de acordo com suas posições políticas, o favoritismo está com o “centrista” Sebastão Melo, em Porto Alegre, e com o fascistoide Eguchi, em Belém. Felizmente não é tão simples assim. Mas, se fosse para apostar, eu depositaria mais esperanças em Marília Arraes e em Guilherme Boulos, que chegam ao segundo turno com viés de alta.

(9) Aparentemente, houve um crescimento das bancadas de vereadores da esquerda pelo Brasil afora. É uma notícia que merece comemoração. Quem quer que tenha acompanhado a política brasileira nos municípios nesses últimos anos sabe que cada mandato de esquerda faz diferença – para derrotar retrocessos, para denunciá-los, para articular a resistência com os movimentos sociais.

(10) Não falei nada da eleição no Rio de Janeiro, minha cidade natal. A eleição lá foi uma comédia de erros. Que o Rio descanse em Paes.

Luis Felipe Miguel

6 Comentários

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  1. Nassif: a galera continua batendo no rabo da Hidra. As cabeças (tres pra cada ramo) tão no alto, no pico das Agulhas… O resto é espaço comercial pra gandemídia.

  2. O sujeito que ocupa a presidência da República não foi o grande derrotado. E não foi porque simplesmente faz parte do mesmo grupo da considerada direita que foi a grande vencedora destas eleições.
    Se a esquerda pode ser considerada pluricentrica, a direita sabidamente não o que reforça em muito seu discurso já que são diversos partidos orbitando um único núcleo.
    Cheirosa ou não, a direita se mantém coesa em seus interesses mesquinhos e na tentativa destruir todos que ameaçam sua hegemonia e,nesse sentido, ninguém tem a estrutura e a competência já demonstrada pelo PT,daí convergir as análises de 10 entre 10 comentaristas da mídia golpista.
    Infelizmente essa mídia golpista ,mesmo com força menor que períodos anteriores,ainda tem tido sucesso em vender ilusões de um futuro melhor que,como sabemos, nunca chega.

  3. “(4) A direita tradicional foi a maior vencedora da eleição, mas sua situação não é inteiramente confortável. Afinal, a esquerda também retomou algum fôlego – e essa direita tradicional só consegue se emancipar do bolsonarismo se tiver certeza de que a esquerda está nas cordas.”

    É um tremendo e persistente erro de avaliação achar que a direita que se diz “centro” quer se “emancipar” do bolsonarismo: querem é retomar a cabeça de chapa da coalizao antipetista, e manter a fidelidade do voto da fascistada conforme aconteceu ao longo de da transição democrática e de toda a Nova Republica. Todos terão uma chance a mais de ver nos segundos turnos onde disputarao um candidato da “esquerrrda” e outro do “centro”.

  4. As esquerdas não darão cavalo de pau em 2022, a luta deve ser para retornar ao ponto da briga política contra a direita perfumada, ganhar é depois, 2026 ou 2030. O inimigo agora é a barbárie. Acelerar as coisas? Só na força, e revolucionários de internet não faltam. Mas sei que essa gente que fala de “revolução” no golpe contra Dilma estavam em casa, de pantufas, só torcendo, cheios de medo de apanharem da direita ou da policia numa manifestação antigolpe, esconderam suas camisas vermelhas até agora, de medo! Frouxos com carteirinha multirenovada de frouxos! Se é assim, nada acontecerá fora da política. Se é assim, as esquerdas não ganharão em 2022, e com paciência devem jogar com esse fato.

    Permitiram por frouxidão e subestimação estragos demais. Estou muito feliz se Bozo sumir do planalto perdendo para um PSDB da vida, e com todas as consequências que a perda das costas largas do poder e da descartabilidade para seus “amigos” sanguinários pode representar. O PSDB e o centrão são inimigo políticos, o bolsonarismo é inimigo da espécie e da vida. USA e URSS já deram as mãos na WWII (e sabendo que seriam inimigos depois), então qual o problema? Não subestimo Bozo, a popularidade dele vai cair e subir, já deram ele como morto várias vezes este ano, a cada xadrez do blog do “fim” dele, vem depois um xadrez da “sobrevivência dele mediante algum pacto” com o centro ou desconexão com aliados, e se ele tiver uma alta no momento decisivo?

    Olha, se Biden impuser qualquer restrição ou sanção ou algo mais forte coloco bandeira norteamericana na janela e visto camisa com estampa americana! Se um ente mágico me oferecesse o fim de Bozo com o custo de Dória de presidente em 2022, fecharia acordo na hora! A prioridade é destruir o bolsonarismo, marginalizá-lo, desqualificá-lo e enterrá-lo. Retornar à ponderabilidade, à estrada, sair do mato. Não se sai curado de um câncer com saúde de atleta, não me iludo.

    Eu não acredito em pactos com a direita, mas acredito em boca fechada. Acho que ressentimentos devem ser guardados para depois de Bozo cair e o bolsonarismo se dispersar e voltarem para o buraco fétido de onde saíram numa catarse de sentimentos que nunca perderão, mas que só expõem em grupos bem orquestrados formadores de discursos únicos, com maniqueísmo bem desenhadinho, ao modo fascista. É isso que deve ser enterrado! Por ora, o resto é resto.

    Sobre ontem. O RJ é uma desgraça e, como de costume, PT e PDT morreram abraçados, incapazes de ceder contra o mal maior. Manuela, em Porto Alegre, tem vice petista com fama de radical, Rosseto, fortemente associado pela imprensa podre local ao criminalizado MST. Faz tempo que moro longe, mas sei que é uma cidade reacionária, onde o antipetismo e a polarização era forte (como é nos últimos anos no brasil) desde os anos 90, quando o PT era “puro”, sem manchas éticas. O desgaste do PT tem impedido a alternância esquerda/direita no RS e Porto Alegre que ocorria antes e, apesar da simpatia de Manuela, seu vice é um bloqueio a grandes apoios. Será uma bela surpresa se ela vencer. E se vencer, que o PT não atrapalhe, que saiba seu lugar de vice: suspeito que o PT pense nela como “ponte”, dada a dificuldade que a ala radical petista tem de respeitar a diversidade dentro das esquerdas e de não ser o protagonista das esquerdas, alheio ao seu apequenamento que apenas em parte (em parte) tem motivos exteriores ao partido.

  5. Essa coesão da direita que li nos comentários é típica de quem vê o inimigo de longe, mais adivinhando que sabendo, porque não aguenta dizer a si mesmo “não sei”. Isso cabe bem a teorias conspiratórias, tão caras à direita terraplanista, que não suporta a dúvida, o meio termo, e se não tiver verdades, as tira de cartolas obscurantistas, promovendo um ecossistema maniqueísta, com “amigos 100%” e “inimigos 100%”, com absoluta dor e gritaria quando se vê “traída”, porque enfiam na cabeça que mesmo uma discordância pontual é impossível. Mas isso é antipolítica, é o bolsonarismo que é fascistóide. Na política, nada é coeso, coesão só no fascismo puro; mas no pragmatismo tropical vale tudo e o PT na é a virgem do bordel, faz parte do bacanal e não tem a força de antes.

    Lula tem hoje menos força que tinha em 2018, e em 2022 terá menos que hoje. E Lula transformou o PT no seu puxadinho, com agenda única: choramingar tediosamente contra as perseguições, com todos os projetos políticos na geladeira, ou na lata de lixo, já vencidos. Lula não teve talento de perceber (e o chamam de “gênio político”) que aconteceriam perseguições e estas chegariam nele, e acabariam com o PT com comemorações de quem antes o bajulava. Se soubesse o tsunami raivoso e delirante que chegaria, talvez arranjasse um cargo num parlamento qualquer, poderia ser o que quisesse antes de perder os direitos políticos, de vereador a senador, mas bateu no peito em delírio de poder populista que “o povo seria o seu escudo”… e foi um alvo molezinha, com povo anestesiado como no golpe contra Dilma. E toma processo até hoje. O mesmo povo que vota em qualquer um que meter uma grana na mão, coisa que Bozo descobriu perigosamente, revertendo sua popularidade durante a pandemia. Bozo, se não fosse burro e tosco, até promoveria a pandemia em vez de a negar: o caos é ótimo terreno ao populismo.

  6. Como o Nassif deu um enorme spoiler na série da Netflix “Gambito da Rainha” o que a grande imprensa está propondo é um empate do centro como vitória, para quem viu a série veja como terminou.
    O número de eleitos vindos de classes sub-representadas foi grande e com isso tiraram o gênio da garrafa, não vão conseguir coloca-lo de volta.

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