Ocupação da Bolsa: o que deve indignar, protesto pacífico ou a violência da desigualdade?

Eduardo Moreira e Jamil Chade defendem manifestação dos sem-teto na Bolsa, que distribui R$ 1 bi a acionistas. Para jornalista, Brasil saiu “menor” após fala de Bolsonaro na ONU

Alan Santos-PR/MTST Montagem RBA

da Rede Brasil Atual

por Vitor Nuzzi

São Paulo – O discurso presidencial na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas e a ocupação da Bolsa de Valores (B3) pelos sem-teto, nesta semana, foram os principais assuntos de conversa entre o economista Eduardo Moreira e o jornalista Jamil Chade. Em live nessa sexta-feira (24), via YouTube, ambos defenderam a manifestação do MTST, que consideraram simbólica e pacífica, e lamentaram a fala de Jair Bolsonaro em Nova York. O correspondente internacional afirma que o Brasil saiu “menor, ridicularizado, enfraquecido”.

Jamil Chade conta que a partir do quarto dos 12 minutos de discurso seu telefone começou a “explodir” com mensagens de observadores estrangeiros. Quase todos incrédulos, e muitos escrevendo uma conhecida expressão em inglês (“WTF”), que embute um palavrão. Acabava ali certa esperança de que o presidente moderasse a fala, especialmente depois de elogiar a China em um encontro dos Brics, poucos dias antes. Algo que levasse em conta o isolamento crescente do país. Porém, o discurso na ONU sinalizou que o atual presidente não é mais um interlocutor perante o mundo.

Discurso picotado e sem nexo

“Existiu de fato um discurso mais moderado, que foi escrito. Nas últimas 24 horas, esse discurso foi completamente picotado”, conta o correspondente. “Foi tão picotado e enxertado de ideologia e fantasias que ficou sem nexo.”

Assim, o discurso foi recebido, inicialmente, com indignação. “Promover remédio que não funciona, no principal palanque da diplomacia mundial, é uma ofensa”, afirma o jornalista. Para quem pensa que organismos internacionais eram contra esses medicamentos por motivos políticos ou ideológicos, ele observa que “ninguém torcia para que a cloroquina não funcionasse”. A Organização Mundial da Saúde (OMS), lembra, promoveu testes em 600 hospitais, com 20 mil pessoas, para só então concluir que não funcionava. E passou a divulgar o alerta não só para avisar que não funcionava, mas para recomendar aos países que gastassem seus recursos de outra maneira.

O economista e o jornalista: o mundo já começa a pensar no pós-pandemia, e o combate à desigualdade será o grande desafio / Reprodução

Eduardo Moreira disse apoiar plenamente “na totalidade” o protesto na B3, na região central de São Paulo. O MTST afirmou que se tratou de manifestação contra a fome e a desigualdade, enquanto empresas seguem lucrando bilhões. “Foi um protesto como acontece em todos os países desenvolvidos do mundo. Quando acontece em Wall Street, a gente acha super bonito. Você tem de arranjar lugares simbólicos para protestar”, afirmou.

Ele lembrou que a própria Bolsa divulgou ter distribuído aproximadamente R$ 1,3 bilhão a acionistas, a títulos de dividendos e juros sobre o capital. “Não é pra protestar?”, comenta, manifestando apoio também às manifestações contra o governo marcadas para 2 de outubro.

Vacinas jogadas fora

Jamil concorda. E observa que protestos como os ocorridos em Wall Street, centro financeiro dos Estados Unidos – durante semanas, não algumas horas, como em São Paulo – garantem visibilidade. E questiona os reais motivos de indignação. “Vamos chegar em dezembro e os países ricos vão ter jogado no lixo 100 milhões de dólares de vacina que vão expirar. Então, a irracionalidade é invadir a Bolsa? Sério? Ou é jogar fora 100 milhões de dólares?”, indaga.

Ele cita outro dado sobre a desigualdade no Brasil. Segundo a OMS, 6 milhões de crianças vão para a escola sem água e sabão. “Não estamos falando de internet, de livro didático, de uma ultra pedagogia. Essa é a desigualdade real, que já existia antes da pandemia. Enquanto isso não for resolvido, não tem soberania, não tem defesa nacional. A pandemia aprofundou tudo isso. Essa vai ser o grande desafio do pós pandemia”, afirma.

Alimentando o extremismo

Aliás, o mundo j´a discute esse futuro, acrescenta o correspondente. Se a saída for semelhante à da crise financeira de 2008, as perspectivas são sombrias. “O que aconteceu nos anos seguintes (àquele período), não só no Brasil, foi o extremismo ganhando espaço. A crise de hoje é pelo menos oito vezes maior que a de 2008. Se nós formos no mesmo caminho e voltar a salvar bancos, e alguns dentro do sistema, e deixar a população de lado, o impacto vai ser real na estabilidade política de muitos lugares.”

live começou com um “elogio” vindo do ex-chanceler Ernesto Araújo, que em rede social disse esperar um país cujas decisões sejam tomadas “em Brasília e não em Pequim, Genebra ou Nova York, ou “para agradar ao Jamil Chade e à elite política globalista e sino-dependente”.

Fome e desemprego

Para Moreira, trata-se de alguém que “destruiu a imagem do país, destruiu a diplomacia brasileira”, que parecia estar disputando “joguinhos fantasiosos” virtuais. “Me espanta o governo que diz que é contra o globalismo privatizar tudo”, diz o economista. “Como você é contra o globalismo e está vendendo o país inteiro? (…) A maioria do povo está em insegurança alimentar, passando fome, desempregada ou na informalidade, com seus negócios pior hoje do que há um ano.”

O correspondente internacional, que trabalha em Genebra, citou algumas realizações do ex-chanceler, que segundo ele deixavam exasperados até mesmo diplomatas conservadores: demora em transferências, perseguições (“Será que ele não entendeu, depois de tanto anos, que o Itamaraty é um órgão de Estado também?”), recomendação para que os escritórios divulgassem a cloroquina, promoção de olavistas, monarquistas e negacionistas. Assim, Jamil questiona a política externa na gestão Araújo.

Política externa não brasileira

“Brasileira ela não foi. Ela atendeu a um grupo, muito específico de pessoas, a um movimento conservador. E que tem como objetivo muito claro destruir as bases da democracia que a gente conhece hoje, que fala em direitos iguais, em garantias para todos. Esse movimento é muito bem organizado. (…) A política externa não é brasileira, é de um grupo que sequestrou a democracia brasileira com objetivos ultra conservadores.”

Uma demonstração prática de que a diplomacia atendeu a outros interesses se deu às vésperas da eleição americana, lembra o jornalista. Para tentar ajudar Donald Trump, o governo Bolsonaro concordou com a imposição de tarifas sobre o aço brasileiro, para não competir com alguns estados daquele país. “O governo brasileiro, naquele momento, optou por apoiar Trump e não a sua própria indústria nacional. Falar em decisões soberanas com um governo que toma essas decisões chega a ser estapafúrdio.”

Redação

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