Por beijar um homem, PM de SP é atacado por colegas de farda e até pelo governador

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Paulo Eduardo Dias e Juliana Santoros
 
No Ponte Jornalismo
 
Leandro Prior, de 27 anos, é policial militar desde 2014. É tido como um soldado “honrado” por quem o viu em ação. Porém, um beijo fez a sua vida profissional virar de cabeça para baixo com ataques homofóbicos de outros PMs e críticas até do governador de São Paulo, Márcio França (PSB). Tudo aconteceu após a imagem captada por um desconhecido viralizar na internet em que Prior aparece com a farda da tropa dando um selinho em um homem.
 
“Acabaram com a minha vida. Hoje eu estou afastado, passei no médico. Não é só a homofobia o problema, é mais grave que isso, estou sofrendo ameaças de morte”, desabafou Prior, em entrevista ao portal G1. “Eu quero continuar a trabalhar”, disse, antes de se internar em uma clínica de repouso, temendo pelo futuro na corporação. A própria PM instaurou procedimento para analisar a postura do soldado Leandro Prior.
 
Uma das mensagens de ódio direcionadas a Prior partiu do sargento da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Renato Nobile em seu perfil do Facebook. “Aqui não aceitamos um policial fardado em pleno metrô beijando um homem na boca. Desgraçado. Desonra para a minha corporação. Esse tinha que morrer na pedrada! Canalha safado! Se alguém não gostar desse comentário, foda-se você também”, escreveu Nobile.
 
Em contato com a reportagem da Ponte, o sargento da Rota negou que tenha escrito mensagens homofóbicas na internet. Segundo Nobile, que se encontra afastado dos trabalhos por decisão de seu comando, o perfil foi hackeado. “Não é a primeira vez que meu perfil é invadido. Informei ao meu comando o acontecido, a indignação é minha. Não tenho problema com nada, tenho até parente homossexual. Isto [seu afastamento e investigação] é um absurdo”, sustenta. A Corregedoria da PM e a Polícia Civil está investigando a publicação feita nas redes sociais.
 
O representante da tropa de elite da PM de SP não foi o único a condenar o ato do policial Leandro Pior. Governador de São Paulo e chefe máximo da PM, Márcio França criticou duramente o beijo dado enquanto ele estava fardado, ato considerado desrespeitoso. “É preciso ver que a farda é uma extensão do Estado e a farda tem que estar respeitada. Eu não vejo significado de você usar coldre, farda, e ficar fazendo gestos de amor expresso em público, seja com homem ou com mulher”, posicionou-se França, ao jornal “O Estado de S. Paulo”.
 
As reações fizeram com que o policial protagonista do vídeo pedisse afastamento temporário da corporação devido à uma crise depressiva, que motivou a internação na clínica de repouso, com permanência até a próxima terça-feira (10/7). Uma pessoa próxima ao soldado contou que, mesmo internado, a todo instante que se lembra do caso ele só chora. A mesma fonte contou que, por medida de segurança, o local da clínica não pode ser divulgado.
 
Segundo o advogado José Beraldo, que atua na defesa de Prior, sua orientação sexual já era sabida de outros policiais. “Ele me contou que os policiais que atuam com ele já sabiam, exceto o alto comando”. O defensor contou ter sido procurado por um empresário, dono de uma casa de câmbio, que pretende testemunhar a favor do PM. Nas palavras de Beraldo, durante um assalto ao estabelecimento do empresário, que não teve o nome revelado, Prior teria salvo a vida do filho do homem e ainda recuperado US$ 5 mil. O caso teria ocorrido no ano passado.
 
Corporação com ‘ranço homofóbico’
Especialistas ouvidos pela Ponte apontam que houve clara prática de homofobia nos ataques feitos ao policial, tanto de outros membros da tropa quanto nas declarações do governador, Márcio França. Para o advogado especialista em direito LGBT Mario Solimene Filho, a iniciativa da PM em abrir um procedimento para investigar uma possível falha nos procedimentos da corporação pois o PM deveria “estar mais atento”, é “balela”.
 
“Para não se queimar, já que os direitos LGBTs hoje são muito fortes, eles dizem que o que houve é o descumprimento das normas por estar armado, mas na verdade, é o ranço homofóbico que está por trás disso”, diz. “Caso ele tivesse beijando uma mulher, o governador não ia precisar falar. Vejo, sim, uma conotação do ranço homofóbico que esta por trás da corporação, que é uma corporação explícita, a gente sabe que isso existe [homofobia]”, pondera Filho.
 
Filho, analisa que a PM “não quer gay, ela não quer saber de gay”, diz. “Eu não critico a PM em si, eu critico a sociedade e a PM é parte dela. Eu não estou entrando em conflito com a PM, mas com a parte da sociedade que sabemos que não aceita gays. Como tem dentro do futebol, dentro dos bombeiros. Tudo que é equipe que tem relação de homens em conjunto estando todos no mesmo lugar eles se sentem ameaçados”, pontua.
 
Atualmente na reserva da PM, o tenente-coronel Adilson Paes de Souza também critica a homofobia dentro da corporação. “Parece um beijo discreto. Posso afirmar que se ele estivesse dando esse mesmo beijo em uma pessoa do sexo feminino não teria repercussão nenhuma. Então, pela imagem, mostra que esse rapaz está sendo vítima de homofobia”, sustenta o coronel. “Esse escândalo todo, esse furor é só porque ele deu um beijo discreto em um homem, uma pessoa do mesmo sexo. Errou quem filmou e divulgou as imagens e deu início a essa onda toda de ofensas contra o rapaz”, continua.
 
 
No entendimento do oficial, a PM precisa compreender a orientação sexual de sua tropa e deixar de tratá-la como um tabu. “Esse é um assunto que é um tabu na polícia. Ninguém conversa sobre a questão da homossexualidade na Polícia Militar. Chama a atenção por ser um fato inusitado. Eu acho que isso tem que ser admitido e acolhido e, ao você admitir e acolher esse tema você admite que existem policias que são homossexuais e que essa circunstância não o faz ser melhor ou pior do que ninguém”, completa.
 
Adilson analisa que o pedido de afastamento por parte do soldado é compreensível já que “deve estar submetido a uma carga de estresse muito elevada”. “Eu fico imaginado ele no local de trabalho dele, no quartel, o que ele pode ter ouvido de colegas ou de outras pessoas subordinadas ou superiores”, sustenta. “Eu conheço alguns policiais que são homossexuais, embora não tenha se declarado, mas se sabe que são. Não vejo problema nenhum, a sociedade mudou. A polícia tem que saber levar isso pois faz parte da sociedade. Não há porque ela querer ser uma ilha onde determinados comportamentos não podem existir”, finaliza Souza.
 
Advogado do PM Leandro Prior, José Beraldo disse ter pedido para a polícia acompanhar possíveis novos ataques ao soldado, e que puna exemplarmente colegas de farda identificados atacando seu cliente. “A vida particular dele não pode ser confundida com a vida pública”.
 
Apuração ‘exclusivamente sob aspecto administrativo’
A reportagem procurou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, através de sua assessoria de imprensa terceirizada, a InPress, que apontou que a PM “tem como um de seus alicerces a dignidade da pessoa humana e não discrimina ninguém por sua orientação sexual” e explicou a investigação aberta para apurar vídeo do beijo dado por Leandro Prior. “A conduta do PM fardado no metrô é apurada única e exclusivamente sob o aspecto administrativo, pois demonstra postura incompatível com os procedimentos de segurança que se espera de um policial fardado e armado, que exigem que esteja alerta”, sustenta a pasta.
 
Segundo a SSP, Prior procurou o serviço médico da instituição e “foi encaminhado para tratamento de saúde no Centro de Atenção Psicológica e Social da Polícia Militar”, além de a Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) apurar as ameaças feitas contra o soldado. “Além da investigação, a Instituição colocou à disposição do policial militar medidas protetivas, por meio da Divisão PM Vítima, da Corregedoria. Criada em 1983, a Divisão tem como objetivo apurar crimes cometidos contra policiais militares e dar apoio às vítimas”, garante.
 
A reportagem procurou a assessoria do governador Márcio França para saber seu posicionamento sobre o caso e se ele confirma a declaração publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. Em nota, a assessoria confirmou a autoria sendo de França, mas ressaltou que o governador “repudia todo e qualquer ato discriminatório e que as ameaças mencionadas pela reportagem já estão sendo apuradas pela Corregedoria da PM” e que o Estado ofereceu apoio médico ao soldado Prior.
 
“Em relação à frase, o governador complementou que todos têm direito a livre orientação sexual e que, independentemente disso, os servidores públicos, quando em serviço, devem cumprir sua jornada de maneira profissional, atenta e efetiva. O governador ainda destacou que a farda da PM é a extensão da bandeira de São Paulo. Por isso, quando o policial estiver fardado, não pode estar distraído ou envolvido com outras atividades que não sejam as inerentes à função militar”, posicionou-se a assessoria de imprensa de Márcio França, ainda em nota.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. Se a relação homoafetiva é
    Se a relação homoafetiva é criticada em outros ambientes, imaginem num ambiente militar.

    Acredito que o policial que postou a foto, estava testando hipótese. Vai que cola.

    Uma coisa é certa, inocente ele não é, sabia da repercussão que isso causaria.

    Como disso o Wilson Cajurú, quem quiser discordar fique à vontade.

    Amasso gay com farda de qualquer corporação , por enquanto não vai rolar. Vai ser criticado e escrachado.

    1. Se você reler a notícia com
      Se você reler a notícia com atenção, verá que não foi o próprio policial que postou a foto. Na verdade ele foi vítima de uma armação. O que torna tudo ainda mais revoltante.

  2. A resposta tem que vir de dentro da PM.

    Os próprios policiais… hetero e homos… homens e mulheres… deveriam promover um “beijaço”…

    Mas tenho certeza de que não tem coragem suficiente! Valentes pra umas coisas e covardes pra outras!!!

  3. Homofobia é algo terrível,

    Homofobia é algo terrível, mas tenho que admitir que achei engraçado.

    Quer dizer que o PM gay descobriu que a corporação é homofóbica? O que ele esperava? Que seus colegas o carregassem nos braços durante a passeata gay? Inocência tem limite.

    E vale lembrar que, em sua grande maioria, esse pessoal vota em Bolsonaro. Além do que, vai saber que atrocidades esse rapaz já fez se defendendo atrás da farda? Não nos enganemos: gay ou hétero, PM é PM.

  4. O fato, a imagem e a repercussão pública.

    O fato ilustra uma opção pessoal que devemos respeitar. A imagem mostra má fé de quem publicou. A repercussão mostra a intolerância da sociedade – começando pela corporação policial, pela divulgação pública do fato e não pela mera ocorrência deste. Tanto a sociedade como a corporação não podem impedir a relação homoafetiva, considerando que o sujeito está no seu pleno direito. Mas, a corporação está também no seu direito de cuidar a imagem e a repercussão que isso traz para uma sociedade que, por enquanto, não está preparada para aceitar como normal e, mas ainda, não é obrigada a fazê-lo. No cotidiano há muitas coisas válidas para a intimidade, mas que não são corretas na via pública e muito menos a sua divulgação.

  5. Gays in progress

    Duas coisas:

    1- GAYS NOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA

    Enquanto isso ocorre no Brasil,  outros paises gostariam de ter esta imagem e, se não tem, a construem, montam um discurso visual para passar uma mensagem..,,,,dias atrás, numa aula pública do 1 de Maio, ouvi de Fabrico, de uma Entidade que congregra policiais LGBT, me disse que o meio policial o rechaça mais quando defende os direitos humanos, ou seja, esse ponto seria mais grave do que ser gay na tropa…não sei…por falar dem direitos humanos, nessa questão lgbt, .não estou aqui a defebder  Israel no  tratamento dado aos palestinos…

    
A foto da polêmica: Israel foi um dos primeiros países a permitir que gays assumidos servissem ao Exército
Foto: Reprodução do Facebook

    https://oglobo.globo.com/mundo/exercito-de-israel-acusado-de-forjar-foto-de-orgulho-gay-5191603

     

    2-  CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA

    Há uma consciência planetária que não permite a homofobia, a misoginia, e quem não atentar prá isso vai ser extinto tal qual um bolssonauro, mistura de bolso com dinossauro….vide o que está ocorrrendo com os Youbers que, tempos atrás, entenderam que poderiam ser racistas, homofobicos e estão tendo que pedir perdão, ainda bem, louvo quem está fazendo isso, afinal de contas somos um pouco cada spin que existe: homofóbico, racista, misógino: em menor ou maior potência, e é isso o que importa: e que percebamos o erro cometido tempos atrás e nos corrijamos de forma defintiva e, assim, incluamos os gays, mulheres e pretos nas nossas histórias….

     

     

     

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