Recuperar a importância sistêmica da Petrobras é “quase impossível”, diz Gabrielli ao GGN. Assista

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Brasil vive a crise da inexistência de refino, diz ex-presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, em entrevista exclusiva ao GGN. Assista

O ex-presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, em entrevisa à TVGGN
O ex-presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, em entrevisa à TVGGN

Publicada originalmente em 25 de outubro de 2021

Jornal GGN – José Sergio Gabrielli foi uma das mentes à frente da então locomotiva chamada Petrobras no final da década de 2000 e começo de 2010, época em que a petroleira prometia levar o Brasil ao encontro com o futuro. Mas então veio o tsunami Lava Jato, seguido por uma segunda onda fatal para os rumos do País: a derrubada de um governo progressista e a varredura dos planos ambiciosos que haviam sido feitos para a Petrobras.

Agora, depois de 5 anos ininterruptos de desmonte da gigante que um dia representou 20% dos investimentos do País, Gabrielli se diz “muito pessimista” quanto à possibilidade de recolocar a Petrobras nos trilhos em um eventual governo Lula a partir de 2023.

“Acho muito difícil, quase impossível retomar a importância sistêmica da Petrobras depois da destruição que foi feita. Dificilmente será possível reconstruir um programa de desenvolvimento grande depois dos leilões, do fim da operação única [sobre as reservas do pré-sal], do desmonte da integração vertical da Petrobras, do desmonte da engenharia brasileira; da venda da BR Distribuidora, da Liquigás, das refinarias… É muito difícil que a Petrobras venha a desempenhar um papel relevante, significativo, como aquele do início dos anos 2010.”

Nesta entrevista exclusiva à TVGGN, Gabrielli relembra os anos dourados da Petrobras, justifica as metas que foram traçadas e abandonadas depois do impeachment; faz uma reflexão sobre o que poderia ter feito diferente enquanto integrou o primeiro escalão da empresa e diz que a corrupção foi superdimensionada.

“Olhando retrospectivamente, acho que a gente deveria ter modulado o programa não para fazer [5 refinarias] em 5 anos, mas em 10 anos, priorizando áreas distintas. A área de pré-sal era prioritária, mas acho que deveria ter integração maior com petroquímica inicialmente, para depois fazer as refinarias. Eu mudaria somente a ordem e as prioridades“, diz. “A utilização da corrupção em relação ao petróleo é coisa histórica.”

Gabrielli também fala sobre os efeitos da Lava Jato e os interesses dos Estados Unidos na Petrobras. Para ele, no entanto, foi a precipitação do fim do governo petista que acelerou a depredação da empresa, que hoje está sob ameaça de privatização, com o governo Bolsonaro aproveitando o descontrole da economia e os sucessivos reajustes nos preços dos combustíveis para rifar de vez a petroleira.

“Estamos vivendo a crise da inexistência de refino no Brasil”, adverte o economista. “Não ter refino é colocar o País vulnerável aos ciclos internacionais.”

Participaram da entrevista na TVGGN os jornalistas Luis Nassif e Sergio Leo e os economistas João Furtado e Luiz Melchert – que falou sobre o processo de desindustrialização e desnacionalização da indústria brasileira, além da financeirização das commodities, entre outros pontos.

Assista à entrevista abaixo e confira os principais trechos a seguir:

DOS ANOS DE OURO À DERROCADA DA PETROBRAS

Em 2010, a Petrobras estava no auge da sua influência, de sua capacidade de estar presente na economia internacional. Em 2010 ela faz a maior capitalização da história – 76 bilhões de dólares na bolsa de valores de Nova York e São Paulo. E com isso se tornou uma empresa bastante sólida do ponto de vista financeiro, com um programa de desenvolvimento e um plano de investimentos muito grande – em torno de 240 bilhões de dólares em 5 anos, aproximadamente 45 bilhões de dólares por ano.

Além disso, a Petrobras sabia que seu plano de desenvolvimento exigiria uma ampliação da capacidade de produção de alguns equipamentos críticos em todo o mundo – as sondas de perfuração de mais de 3 mil metros de profundidade, por exemplo, e as plataformas de produção de petróleo, que não estão disponível no mercado brasileiro nem internacional. Então a Petrobras adotou uma política clara de estimular esse crescimento da capacidade de produção no Brasil.

Ao fazer isso, ela tentava absorver parte de um fenômeno historicamente reconhecido, que é o fenômeno da doença holandesa ou da maldição do petróleo: quando aumenta rapidamente a produção do petróleo, cria-se uma situação de inibição de outras atividades. Uma das maneiras de evitar isso é fazer um estímulo para que a cadeia de fornecedores seja nacional, e isso estava sendo feito. Quer dizer, a indústria naval brasileira se recupera, ela que já tinha sido uma grande influência no passado, volta a crescer.

A aposta nas refinarias

Tinha outro fenômeno importante: como tinha um mercado brasileiro muito grande de derivados de petróleo, tinha também uma perspectiva de crescer o refino. Fazendo isso, também tinha possibilidade de ampliar a cadeia de fornecedores brasileiros. Não necessariamente brasileiros, mas no Brasil.

Por outro lado, havia também duas dimensões importantes que a Petrobras considerava naquele momento. Uma dimensão era as empresas de petróleo, a história das grandes empresas de petróleos, que são integradas. Elas produzem, refinam, distribuem, atuam na petroquímica e em diversos seguimentos. A Petrobras tinha possibilidade de ser uma grande empresa de energia. E ela passa a atuar fortemente no setor de etanol, cresce a produção na área de biodiesel e volta à petroquímica, de onde tinha sido excluída numa estratégia contrária à integração entre refino e petroquímica.

A crise de reputação

Tudo isso foi sendo montado e foi sendo desenvolvido a partir de 2007, 2008, 2009, se acelera em 2010, até 2014, quando, por várias razões – particularmente, aquela do preço do petróleo, a redução dos níveis dos preços brasileiros, a elevação da taxa de câmbio de 2014 para 2015, e o volume em dívida em dólares da Petrobras – se criou uma crise financeira na Petrobras, associada a um escândalo hipertrofiado de casos de corrupção realmente existentes, porém que não eram na dimensão que se divulgava. Se criou uma crise de reputação da Petrobras, que criou dificuldade para ela negociar suas dívidas.

Isso fez com que a Petrobras desse uma recuada profunda.

“Vivemos a crise da inexistência de refino no Brasil”

Houve um processo claro de desintegração da empresa e de destruição da integração. A empresa voltou a ser focada na produção e exportação de petróleo cru e importação de derivados. Nós estamos convivendo agora com a crise da inexistência de refino no Brasil, crise das distribuidoras, refletindo-se nos preços de derivados de petróleo no Brasil. A petroquímica brasileira não cresce mais. A própria Braskem, que é uma grande empresa da petroquímica brasileira, uma associação da Petrobras com a Odebrecht, está em crise. E a empresa sai dos biocombustíveis e do etanol, além de abandonar os projetos pilotos que tinha na área eólica e solar.

Apenas uma exportadora de petróleo cru

Consequentemente, a Petrobras hoje é uma pequena empresa internacional focada na produção do pré-sal e exportação de petróleo cru. Abandona sua posição de âncora de um processo de desenvolvimento que foi montado a partir de 2007, 2008 e que se consolidou a partir de 2010.

Esse processo se agrava com a Lava Jato, mas não é só a Lava Jato que leva a essa destruição.

Há uma opção clara em retornar o Brasil em ser um país atraente para investimentos internacionais. A política do governo muda completamente em termos de estímulos para a entrada de empresas internacionais e para a redução do tamanho da Petrobrás no mercado brasileiro. Esse é um desastre que tivemos nesse período.

Tudo isso ocorre num momento de transição ecológica e de transição energética importante. A pergunta que se faz é: isso poderia ser possível de se manter com a transição energética? Isso se manteria?

O futuro do mercado do petróleo e gás

O mundo hoje consome mais ou menos 97 bilhões de barris de petróleo por dia. Esse consumo representa hoje até 37% da matriz energética das fontes primárias do mundo. As estimativas para 2030 até 2050 são de que a proporção do petróleo como fonte primária de energia vai cair. Não há dúvida de que haverá aumento das fontes primárias de energia renováveis. Porém, o efeito disso numa escala total é muito pequeno. Então as estimativas dizem que o petróleo vai cair, mas vai continuar com 30% da matriz energética mundial.

Além disso tem outro fenômeno natural na bolsa de petróleo: os campos existentes de produção, eles declinam em média 5% ao ano. Então, se você está consumindo e produzindo 96, 97 milhões de barris por dia, vai precisar ainda de 4 a 5 milhões de barris/dia apenas para manter a produção igual. Mesmo que relativamente o petróleo vá cair, em termos absolutos o petróleo vai aumentar o volume de barril usado. Portanto, o mercado de petróleo vai existir por muitas décadas ainda.

O gás natural, por outro lado, vai crescer. As expectativas é de que seja cada vez mais introduzido como uma fonte de combustível. O carvão é péssimo para a mudança climática, por causa do aquecimento global. Então o gás natural poderia ser um substituto rápido para o carvão.

Porém o que estamos vendo na pandemia é um fenômeno novo, em 2021, em que o preço do gás natural subiu muito e como o preço do gás subiu muito, a demanda de carvão tem aumentado e a produção de carvão também. Então apesar do discurso do Biden, União Europeia e China, a favor da economia de baixo carbono (…), os produtores de carvão, petróleo e gás têm planos de aumentar a produção, não de diminuir. Ainda vamos ter mercado para petróleo e gás.

OS ESTALEIROS, A CORRUPÇÃO E O SETOR NAVAL

A Sete Brasil não quebrou por causa da corrupção. Ela quebrou porque era montada para ser uma empresa altamente alavancada, que iria viabilizar a construção dos estaleiros assumindo o risco da construção e iria arrendar para a Petrobras as sondas para viabilizar a produção da Petrobras.

No dia em que ela vai assinar o financiamento com o BNDES – que seria um dos bancos a financiar a empresa – o Pedro Barusco [ex-diretor da Petrobras preso na Lava Jato] faz sua denúncia e o BNDES puxa o freio de mão e não assina o financiamento.

Evidentemente que uma empresa que está montada para ser alavancada e não consegue seu financiamento, ela não vai funcionar. Então não foi corrupção, foi efeito da Lava Jato. O conceito da Sete Brasil em si não é corrupto.

A indústria naval no Brasil

Há um ditado mundial que diz: na indústria naval, o bom estaleiro é aquele que já faliu quatro vezes.

Os estaleiros navais de grande porte não são fordistas. A indústria naval de grande porte tem três processos: levantamento de cargas, corte de grandes espécies e montagem dessas espécies. Não há linha de produção. A cooperação e o aprendizado entre as equipes são peça chave. Não há estaleiro que surja já grande. Tem que ter um processo de aprendizado.

A possibilidade da indústria naval crescer dependia dessa curva de aprendizado e o indicador normalmente utilizado é o tempo de entrega dos equipamentos. Quando [o processo] foi interrompido a partir de 2013, 2014 [com a Lava Jato], os últimos dados mostram que o tempo de entrega dos estaleiros estava muito próximo da média mundial.

Exigência de componentes nacionais

É claro que a exigência do conteúdo nacional estava criando algumas dificuldades porque diminui as consultas [sobre fornecedores]. Porém, como essa indústria funciona sob encomenda, a escassez de fornecedor é universal, não é só brasileira.

Ciência & Tecnologia

Quando chegamos na Petrobras, a engenharia estava destruída. Havia sido terceirizada no governo FHC. Treinamos cerca de 3 mil engenheiros. Outra coisa que fizemos e foi muito importante: evidentemente que a maior parte do desenvolvimento e pesquisa foi feito internamente, mas cresceu uma exigência, pela legislação brasileira, de aumentar o investimento em C&T e usamos isso para montar redes temáticas envolvendo mais de 70 universidades e institutos de pesquisa para financiar laboratórios, capacidade de desenvolver tecnologia e experimentos, inclusive montando redes de computadores como o Galileu, tanques oceânicos que simulavam o comportamento do mar, estimulando o alto processamento de imagens. Coisas que interessam à indústria do petróleo e gás, mas não são específicas da Petrobras, então teria um efeito multiplicador muito grande no desenvolvimento de ciência e tecnologia. Criou-se no Rio de Janeiro um complexo de pesquisa que não é comum nas multinacionais, mas tudo isso foi desmontado, destruído e está fora do ar.

ARREPENDIMENTOS?

Olhando retrospectivamente, acho que erramos na dose. O plano de investimentos da Petrobras era, em termos volumétricos, semelhante ao plano Marshall que reconstruiu a Europa. Fazer refinaria era necessário naquela época e é necessário agora. Nós vamos ter uma crise de refino grave se o Brasil voltar a crescer. Estamos vivendo agora. A Petrobras disse que neste mês de novembro não tem condições de ofertar o volume necessário de gasolina, diesel e GPL. Não ter refino é colocar o País vulnerável aos ciclos internacionais.

Era possível fazer 5 refinarias em 5 anos? Talvez não. A dose foi errada, mas não é que não deveria ter feito refinarias; ou não é que não deveria fazer refinaria no Nordeste. Deveria sim.

A Renest é a joia da coroa da Petrobras. É uma refinaria de alta complexidade e produz diesel de 2ppm hoje. Não é uma refinaria atrasada tecnologicamente. Foi cara, mas por que foi cara? Entre outras coisas, porque o mercado brasileiro estava fazendo 5 refinarias, 1 complexo petroquímico, pré-sal e o PAC com a mesma indústria nacional. Havia um superaquecimento na indústria de equipamento e fornecimento de infraestrutura. Não foi a corrupção que criou os preços altos. A corrupção que existiu, apesar de, em termos absolutos, ser muito grande, é relativamente pequena em relação ao volume dos contratos.

Portanto, olhando retrospectivamente, acho que a gente deveria ter modulado o programa não para fazer em 5 anos, mas em 10 anos, priorizando áreas distintas.

A área de pré-sal era prioritária, mas acho que deveria ter integração maior com petroquímica inicialmente, para depois fazer as refinarias. Eu mudaria somente a ordem e as prioridades.

GEOPOLÍTICA E PRÉ-SAL

Essa questão geopolítica é fundamental. Quando descobrimos o pré-sal, em 2006 e 2007, imediatamente começamos a receber pressões do estado maior americano, do estado profundo chinês. Porque o Brasil sempre foi um país marginal no petróleo até a descoberta do pré-sal. É uma fronteira nova de desenvolvimento gigantesca e, até hoje, desde 2006, 2007, é considerada a última maior descoberta de possível produção de petróleo no mundo. Isso colocava o Brasil no centro da geopolítica do petróleo. E apesar do discurso verde, a produção do petróleo continua fundamental para a segurança energética no mundo.

Teria Lava Jato se o pré-sal não existisse?

Provavelmente teria outra situação. O uso da corrupção em relação ao petróleo historicamente é muito frequente. Petróleo gera muita renda, tem muito produto sob encomenda, a margem para negociação é grande e a margem para os que querem se aproveitar ilegalmente do processo também é grande.

A geopolítica foi importante. Imediatamente depois do anúncio [do pré-sal], em 2007, os chineses nos ofereceram empréstimo de 10 bilhões de dólares com. Os EUA ofereceram 2 bilhões de dólares. Eu lembro que numa discussão com Bush e Obama, eu disse que os presidentes não tinham instrumentos institucionais para garantir a aliança estratégica do governo americano com a Petrobras. Os chineses têm, porque eles podem dar prioridade ao plano de desenvolvimento e financiar a Petrobras.

Então houve essa disputa sim, e está por trás a Lava Jato, mas acho que está muito mais por trás a derrubada da Dilma do que a Lava Jato.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Gabrielli, querido, antes dos governos petistas, inexistia refinarias, ou você esquece que foram vendidas e o Lula foi lá e recomprou???😉😉😉 Inexistia até segurança na companhia, ou você se esqueceu do tanto de acidente em plataformas?

  2. Concordo Marina. Achei o Gabrielli bem pessimista. Considerando que a destruição que o golpe fez e base de referencia daqui pra frente. Estranho muito essa opinião.
    Temos condições de retomar os investimentos na Petrobrás. E, espero, que assim sigamos num governo Lula.
    Ressalto a estranheza dessa posição. Que não venha o mesmo com direitos perdidos, reforma trabalhista, reforma de previdência…Assim fica facil, vem um governo de direita – destrói tudo – e depois o governo progressista vem e diz que não pode reverter…ufa

    1. Msilva, não é uma questão de querer ou não, é uma questão de força política, se uma lei for promulgada revendo os assuntos da Petrobrás, uma juiz do stf diz que a lei não é constitucional e o assunto é encerrado, a retomada da Petrobrás nos moldes anteriores só poderia ser concretizada com movimentos de massa da população, mas o PT não fará esse movimento de massa, também não acredito que o PT tenha essa capacidade.

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