Serra e o servilismo na política externa, por Roberto Amaral

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Com tucano, ressurge a visão conservadora, travestida de moderna e pragmática, de um Brasil inevitavelmente dependente José Serra e Michel Temer em junho: no novo governo, a mudança no Itamaraty é a mais evidente

Serra e o servilismo na política externa

por Roberto Amaral

No discurso de transmissão do cargo de ministro das Relações Exteriores ao professor e empresário Celso Lafer (2001), aquele chanceler que se notabilizaria  por tirar os sapatos e as meias para ingressar nos EUA, o ministro Luiz Felipe Lampreia, resumindo a política externa do governo FHC (a dependência encantada), proclamou:

 “O Brasil não pode querer ser mais do que é”.

Não se tratava, essa, de uma frase qualquer perdida no cipoal de um discurso protocolar, mas de síntese lapidar de como a classe dominante brasileira, alienada e colonizada – culturalmente, politicamente, ideologicamente – se vê a si mesma e como a partir dessa visão abastardada (o sempre presente ‘complexo de vira-latas’ diagnosticado por Nelson Rodrigues), vê o país e nosso papel no mundo. Ou, antes, nosso não-papel.

Lampreia falava como intelectual orgânico da classe dominante nativa, como falaria e agiria seu sucessor Celso Lafer e como fala agora José Serra.
Com aquela síntese o embaixador, recentemente falecido, exortava-nos à renúncia não só a qualquer política externa tentativamente independente – tradição que o Itamaraty vinha construindo desde Afonso Arinos-San Tiago Dantas –, mas mesmo de renunciar simplesmente a ter política própria, aspirar a algo no concerto das nações. Sem saber, Lampreia antecipava o que seria a não-política externa de seu correligionário José Serra.

O ministro Lampreia, todavia, não estava só, nem foi original em seu discurso dependentista, que vê a dependência não como tragédia a ser removida, mas como fatalismo transformado em momento de regozijo. Antes dele, Vicente Rao, servindo ao governo títere de Café Filho (agosto de 1954/novembro de 1955), declarara, sob os aplausos da grande imprensa brasileira: 

“O Brasil está fadado a ser, por tempo indefinido, um satélite dos Estados Unidos”.

O conflito dependência/independência vem de longe. Evidentemente, não podemos aspirar à autonomia, mesmo condicionada pelo entrecho internacional, ou à independência, à soberania e ao desenvolvimento, ou seja, a um projeto nacional, se aceitamos uma visão de Brasil e de seu lugar no mundo, segundo a qual nosso país “não pode querer ser mais do que é”, pois “o importante é adaptar-se ao mainstream” e “ser convidado para sentar-se à mesa” de discussão, pois, quem sabe, nos servirão as sobras.

Essa visão estreita, conformista, subdesenvolvida é típica do intelectual orgânico do conservadorismo, travestido de modernidade e pragmatismo, portador daquele realismo de interesses que tende a inculcar no povo a ideia de que compor e adaptar-se é mais inteligente (prático, útil, rentável) do que lutar. É assim que as elites colonizadas passam às nossas populações – como científica, objetiva, prática e pragmática, isenta, benéfica e única – a ideologia do dominante.

A política externa brasileira, desde a redemocratização de 1946 até aqui, vem oscilando entre servilismo abjeto e tratativas de independência, estas principalmente a partir dos governos Jânio (1961) e Jango (1961-1964) cujo mais largo período de vigência foi vivido nos 12 anos de governo petista (2003-2015).

Esse período de política benfazeja foi interrompido pelo governo interino e a nomeação de José Serra para o Itamaraty, cuja política, por suas mãos, volta aos padrões dos tempos Collor-FHC, exemplarmente definidos por Chico Buarque de Holanda: “o Brasil que fala grosso com a Bolívia e fino com os EUA”.   

Remontam aos anos 1950 os primeiros movimentos visando à constituição do que nos anos 1960 ficaria grafado como ‘Política Externa Independente’. Se muito de sua formulação doutrinária pode ser atribuído ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros-ISEB (1955/1964), Hélio Jaguaribe e outros, a implantação é obra da meteórica presidência Jânio Quadros (1961), levada a cabo pelo seu ministro (MRE) Afonso Arinos, que, com San Tiago Dantas, dar-lhe-ia continuidade no governo João Goulart.

Não se trata, pois, a tratativa de uma política externa independente, de uma ‘invenção ideológica do lulismo’, mas de projeto longamente maturado pela sociedade brasileira.

Essa política, de priorização dos interesses nacionais, é abandonada após o golpe militar de 1964, quando impera a doutrina segundo a qual “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil’, nesses termos formulada pelo embaixador do Brasil em Washington, general Juraci Magalhães (1966-1967).

Tal política, por sua vez, começa a ser revertida, já sob a ditadura militar, logo ao tempo de Magalhães Pinto, ministro das Relações Exteriores. A autonomia cresce nas administrações Geisel (ministro Azeredo da Silveira) e Figueiredo (Saraiva Guerreiro). Geisel (1974-1979) chega a romper o acordo militar Brasil-EUA ao reagir às ameaças da Casa Branca, insatisfeita com o acordo nuclear firmado pelo Brasil com a Alemanha (1975), que previa transferência de tecnologia sensível ao Brasil.

Naquele ano, foi criado o ainda hoje claudicante Programa Nuclear Brasileiro, que previa a instalação de uma usina de enriquecimento de urânio, e várias centrais termonucleares, contra o que militavam e ainda militam os EUA.

A política externa Geisel-Azeredo da Silveira, que não agradou aos grandes meios de comunicação brasileiros, como igualmente e pelos mesmos motivos não agradaria a gestão Amorim, ficou conhecida pelo rótulo de ‘pragmatismo responsável’ e implicou, dentre outras inciativas, o reconhecimento diplomático brasileiro da República Popular da China e da independência dos países africanos lusófonos, em guerra de libertação nacional.

Esse Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola e o governo de Agostinho Neto, para o que muito concorreu a atuação do embaixador brasileiro Ovídio Mello.

Tal tradição que se vinha construindo, de uma política externa que priorizava os interesses nacionais e, por consequência, exigia de nosso país o exercício de um papel ativo, é, porém, congelada nos governos da ‘Nova República’, nomeadamente nas administrações Collor e FHC, para ser retomada pelo governo Lula, conduzida pela tríade Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores), Samuel Pinheiro Guimarães (secretário-geral do MRE) e Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência da República). 

Seu diferencial é representado por maiores iniciativas no plano internacional, onde o Brasil procura o espaço de ator.

Assim, o projeto de política externa independente simplesmente retomava seu leito natural. Mas após de 12 anos de política altiva e ativa nos termos em que a definiu o chanceler Amorim, contemplada de sucesso e consagrada pelo reconhecimento internacional, retornamos, com o governo interino e ilegítimo de Michel Temer, à alienação da dependência encantada.

Retornamos aos anos Collor-FHC e para esse papel deplorável ninguém mais capacitado do que o senador José Serra. E ele, com sua truculência, já disse a que veio: assumindo ‘nossa irrelevância’ (aquela que o colonizador inculca no colonizado), mais uma vez nos pomos a serviço da política dos EUA.

Seu discurso de posse – recheado de ideologismos em nome da negação da ideologia – é tão deplorável que lembra os textos do lamentável embaixador Rubens Barbosa e as lamúrias de Sérgio Amaral, eternamente inconformado com sua remoção da Embaixada do Brasil em Paris.

O novo chanceler parece incansável na faina de dividir e destruir o Mercosul (que absorve 80% de nossos produtos manufaturados) abrindo caminho para uma Alca de fato, quando, realizando os sonhos de Vicente Rao, teremos renunciado a toda e qualquer possibilidade de construir uma grande nação, um grande país, razoavelmente rico, minimamente justo e independente.

O sonho da Unasul será substituído por uma recuperada OEA, submissa como sempre aos interesses da geopolítica dos EUA, pois, para tal mister foi criada em 1948, em plena Guerra Fria, e a seu serviço.

Ao mesmo tempo em que lança farpas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua – lembrando os piores editoriais do Estadão –, o novo chanceler chega ao cúmulo da inconveniência de deslocar-se a Montevidéu, levando FHC a tiracolo, para tentar impedir que o Uruguai passe a presidência pro tempore do Mercosul à Venezuela, tendo de ouvir de Tabaré Vasquez que as normas são acordadas para serem cumpridas.

Para essa nova fase de dependência encantada são incompatíveis iniciativas como a de nossa presença nos BRICS, como é inconcebível tentarmos exercer, sem o comando ou ao menos o placet da Casa Branca, qualquer posição destacada, ou de liderança regional, muito menos nossa aproximação com o hemisfério Sul.

Sintomático dos novos tempos é o silêncio do governo brasileiro ante a iminência de instalação de bases militares dos EUA na Argentina, uma das quais na nossa sensível tríplice fronteira.

É apenas o começo.

 

12 Comentários

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  1. Muita firula para dizer o

    Muita firula para dizer o óbvio, os golpistas estão saqueando o Brasil, sem votos; a propaganda do tse é um escárnio de cinismo, dizer que dá voz ao cidadão através do voto quando se cassou 54 milhões sem pudor algum e tem um presidente com outro golpe prontinha debaixo da manga seria o caso de revolução, de dar uns tapas em uns tres ou quatro, para respeitarem o povo brasileiro.

  2. .Ninguem tira sapatos para

    .Ninguem tira sapatos para ENTRAR nos EUA, tira para sair, ao embarcar no avião, QUALQUER um tem que tirar em nome da segurança do voo, a medida é UNIVERSAL, as exceções são em AVIÕES PARTICULARES E VIAGENS OFICIAIS, que são raras.  Na mesma noticia sobre Celso Lafer saiu o nome do chanceler da Russia, que tambem titou os sapatos. Qual reação deveria ter tido o chanceler Lafer? Fazer escandalo no aeroporto? Ai não embarca e dai?

    1. Tirar sapatos

      Só se tira sapatos em sinal de respeito. Os islãmicos e orientais tiram sapato para entrarem em seus templos.Ao se praticar  ioga tira-se sapatos para adentrar a sala onde será feito os exercícios. Tira-se sapatos por vontade própria, em sinal de respeito pelo que acredita e não por obedência e servilismo a um país que se julga superior a outro.

      1. Nas mesquitas os sapatos são

        Nas mesquitas os sapatos são tirados e deixados na entrada, não é por vontade propria, é porque essa é a regra exigida no templo. No caso dos aeroportos trata-se de regra geral de segurança, não tem nada a ver  com servilismo.

        1. O sujeito não é um qualquer.

          O sujeito não é um qualquer. O representante maior de um pais em territorio estrangeiro.

          Descontestualizando parece normal mesmo, mas se trata de uma quebra de tratados diplomaticos.

          Sua analise é vazia de conteudo.

  3. É muita pequenes

    É, e não esquece de avisar os empresários do pais disso também.

    Avisa eles que não vão poder medir a taxa de lucro médio em comparação a outros países. Vão ter de se conformar com o pais que temos.

  4. Dialogo de surdos

       Que o Zé da Mooca é um energumeno em relação a poltica externa é fato, mas o Dr. Amaral tambem não é nem um Metternich, pois alguem que fez um acordo com um País instavel como a Ucrania ( Cyclone 4 + Alcantara ), onde foram enterrados mais de US$ 200 Milhões que deram em um grande NADA , mostrou que não é do ramo.

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