Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Um Congresso contra a Democracia e contra o povo, por Aldo Fornazieri

Um Congresso contra a Democracia e contra o povo

por Aldo Fornazieri

O Congresso brasileiro – Câmara dos Deputados e Senado – na sua expressão majoritária, investe contra a democracia e contra o povo. Se no passado, baionetas, fuzis e tanques eram os protagonistas da violência contra a liberdade e os direitos, nos tempos atuais parece que os parlamentos requereram a si a tarefa de agredir a democracia e os cidadãos. Já foi amplamente discutido o papel golpista cumprido pelo Congresso brasileiro na deposição da presidente Dilma e na ascensão do governo corrupto e ilegítimo de Temer.

Mas o Congresso brasileiro, depois de perpetrar um ato ignominioso contra a democracia que doseveria defender, persiste na senda do mal, violando de forma indecorosa o sentido da representação democrática, e destruindo os direitos e o bem estar do povo que deveria promover. Esta conduta está reduzindo o sentido da soberania popular, inscrita no preâmbulo da Constituição, a pó, a nada. Este é o  resultado da simbiose de ditadura parlamentar associada ao governo ilegítimo de Temer, que prospera sob os olhos complacentes do STF.

As reformas trabalhista e da previdência estão sendo aprovadas contra a vontade manifesta e majoritária da sociedade brasileira. Os parlamentares e senadores não estão mandatados para aprovar  estas reformas, pois, no seu pacto eleitoral com os eleitores no processo eleitoral essas reformas, com o seu presente conteúdo, não foram pactuadas com aqueles que deveriam ser os detentores da soberania. Aprovar  essas reformas contra o povo e sua vontade significa apunhalá-lo pelas constas, traí-lo impiedosamente. Se estas reformas vierem a ser aprovadas em definitivo precisarão ser anuladas quando um Congresso democrático vier a ser eleito, pois este não tem legitimidade para aprová-las.

Os áulicos dessas  reformas poderiam alegar que nas democracias liberais modernas o mandato parlamentar foi se desenvolvendo como mandato livre e não vinculado, em contraposição à petição de Rousseau e dos antifederalistas norte-americanos que sustentavam a necessidade de os mandatos serem imperativos e vinculados. Isto é, os parlamentares deveriam agir segundo as determinações de seus eleitores.

Mas para evitar esta velha e sempre renovada polêmica acerca do tipo de mandato, que se submeta a atitude do Congresso brasileiro apenas ao crivo da concepção liberal-democrática do mandato representativo para vislumbrar o grau de traição que a maioria parlamentar pratica contra seus eleitores. Que se recorra, em primeiro lugar, a John Locke, o pai do liberalismo moderno. Para ele, na normalidade do funcionamento político, o parlamento é o poder soberano, representando a comunidade dos cidadãos. Mas como o parlamentar é um representante, a comunidade detém, em última instância, a soberania podendo, inclusive, exercê-la através do direito de rebelião quando o governo ou o parlamento agem contra os fins pelos quais foram instituídos.

Desta forma, o legislativo não pode agir de forma arbitrária contra a vida, os bens e os direitos dos cidadãos. Aliás, a ideia moderna de Estado de Direito nasce com Locke ao propor que os indivíduos são portadores de direitos que não entram em nenhum pacto político e que não podem ser violados pelo Estado. Estado de Direito é Estado limitado pelos direitos dos indivíduos. Locke entende que o poder Legislativo é o poder de conjunto de toda a sociedade e que não pode voltar-se contra ela. “O poder legislativo, em seus limites extremos, restringe-se ao bem público da sociedade”, resume. O Legislativo brasileiro, no seu funcionamento ordinário, está destruindo o bem público, está empobrecendo e subtraindo deliberadamente os direitos do povo. O atual Congresso viola uma série de outras restrições propostas por Locke e por vários pensadores liberais.

Para ir adiante, tome-se um pensador mais conservador do que Locke – Edmund Burke. Em seu famoso Discurso aos Eleitores de Bristol em 1774, ele defendeu com veemência o mandato livre. Mas ressalvou que os representantes deveriam consultar os eleitores antes de processar as deliberações legislativas. Mesmo sendo o eleito membro de uma elite, a deliberação legislativa seria uma decisão racional que tem como ponto de partida as opiniões dos eleitores. É certo que os deputados e senadores que defendem as reformas trabalhista e da previdência simplesmente pisoteiam a opinião dos seus eleitores.

Os próprios Federalistas americanos, pais do constitucionalismo moderno, asseveram que as decisões dos eleitos precisam ser temperadas pela vontade e pela opinião dos eleitores. Por isso, a democracia americana estabeleceu uma série de mecanismos de controle dos eleitos pelos eleitores. Mecanismos que vão desde a possibilidade de suspensão do mandato parlamentar até a existência de Conselhos dos mandatos com representação social para que os mesmos não tenham uma independência absoluta sobre a vontade soberana.

Não há democracia sem direitos

Poder-se-ia citar vários outros pensadores liberais para mostrar que a concepção de mandato representativo livre não comporta a independência absoluta, a não consulta aos eleitores e a não responsividade para com a sociedade. O caráter responsivo do mandato significa que o representante está numa relação de obrigação de dar satisfação aos eleitores, de consultá-los e de responder pelos seus atos de forma permanente e não apenas no momento das eleições. É totalmente incompatível com a ideia de representação que o representante aja contra o interesse comum, contra o bem estar e os direitos dos cidadãos. Se há algo substantivo que a reforma política precisa fazer, consiste em instituir mecanismos de controle dos eleitos pelos eleitores.

Nenhum sistema representativo sério pode funcionar sem o pressuposto da confiança entre as partes. O Legislativo não pode frustrar os clamores sociais,  menos ainda retirar direitos constitucionalizados. O Congresso que está aí, na sua expressão majoritária, não age de acordo com nenhum credo filosófico civilizatório, seja ele liberal, democrático ou revolucionário (no sentido das tradições revolucionárias francesa e norte-americana). É um Congresso que age contra a civilização, contra a liberdade, contra o bem estar e contra os direitos. É um Congresso que ofende a humanidade ao ofender os brasileiros.

Não há nenhum imperativo de moralidade nos pontos principais das reformas trabalhista e previdenciária. Esse Congresso tornou-se a Bastilha brasiliense que aprisiona, tortura e violenta os direitos e a dignidade do povo. Essa Bastilha precisa ser, se não derrubada, paralisada pelas greves, pelas manifestações, pela desobediência civil, pela invasão de Brasília.

As democracias se desenvolveram como democracias de direitos. Estas democracias, mesmo em suas expressões mais desenvolvidas, estão numa encruzilhada. De um lado, são prisioneiras do capital financeiro e transnacional de uma globalização excludente. De outro, estão sob a ameaça aterradora do nacionalismo de direita que aposta contra a civilização e coloca em risco a sobrevivência da espécie.

A democracia brasileira sequer chegou a essa encruzilhada por ser uma farsa manipulada por elites predatórias. Por elites que brutalizam o povo negando-lhe cultura, educação, saúde e direitos. O Congresso e o governo Temer,  associados num conluio criminoso, são os feitores dos camponeses pobres, dos trabalhadores que perdem direitos, das mulheres submetidas às desigualdades é à dupla jornada, dos idosos sem vida digna. O Brasil não terá nem democracia e nem futuro se a marcha ascendente dos direitos universalizantes não for retomada.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política. 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

10 Comentários

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  1. Representantes de quem?
    Não do povo.
    São despachantes das empresas que financiaram suas campanhas. Nos limitamos a votar nos despachantes que achamos mais simpáticos.
    Atender ao clamor popular? Mas então justifica-se o golpe pela baixa popularidade da Dilma!

    Precisamos de um novo sistema político…

  2. Esse artigo me lembrou o que

    Esse artigo me lembrou o que o Celso Barros disse numa coluna = que se Adam Smith e Edmund Burke estivessem vivos e no Brasil, ao ver a nossa direita, eles se filiriariam na hora ao PSOL. 

    Mas justiça seja feita = nosso congresso em outras ocasiões também se portou dessa forma canalha. O confisco do Collor FOI depois aprovado pelo congresso e o fator previdenciário – que hoje meu pai sente na carne, recebendo 40 por cento a menos do que deveria – foram aprovados pelo congresso. E a idade mínima não foi iniciada em FHC2 por causa de UM VOTO. 

    E pra piorar, esse congresso que quer que um trabalhador braçal nos cafundós do país nem viva pra pegar sua aposentadoria é o mesmo que incluiu a polícia legislativa, que trabalhava só dentro do congresso, a ter direito a se aposentar com 55 anos [ e ganhando 17.000 mil reiais mês !!!! ] enquanto os carcereiros têm que trabalhar até 65 anos e estão expostos a um sistema penitenciário que foi tão bem definido pelo incompetente Zé Cardoso = masmorras. .

    Enfim, nosso conresso tem moral zero pra fazer qualquer mudança que afete de forma tão drástica o futuro de milhões. 

    Mas, infelizmente, eu sinto que eles vão conseguir. 

  3. Estes parlamentares estão no

    Estes parlamentares estão no congresso porque foram eleitos pelo povo. O povo é burro, taí a prova. Esta conversinha de que o eleitor foi enganado não cola. Se foi enganado tão fácil, é porque o eleitorado não está preparado para votar. O destino de uma nação é coisa muito séria pra ficar brincando de democracia, republicanismo, etc. Eu confesso que minha confiança nesta “democracia” inventada pela elite branca que derrubou D. Pedro II para tomar de vez o brasil em suas mãos não existe mais. A “democracia” é uma farsa e nossa situação atual é prova.

  4. Os Parlaemendares

    O que tem desvirtuado totalmente o papel dos parlamentares são as famigeradas emendas parlamentares. São uma forma segura de comprar o apoio dos prefeitos, que são em última análise os que elegem os deputados. 

    Cada Emenda liberada ao município é uma festa, com direito a festa, discurso e notícia na mídia local. Aí não interessa se o deputado votou contra ou a favor dos interesses dos trabalhadores, se ele está citado na lava-jato, se é de direita ou de esquerta, ou não tem opinião sobre nada…

    Pra fechar, cada deputado tem direito a cerca de 16 mílhões de reais de emendas por ano, obrigatoriamente liberadas, conforme definodo na famosa aprovação do “orçamento impositivo” para emendas individuais, feito por EC.

  5. um….

    Quer dizer que nosso perseguidos políticos, aqueles que tinham as soluções democráticas lá nos anos 70/80, rebatizados como esquerda ou centro-esquerda, reescreveram uma nova Constituição, há apenas 3 décadas, para jogar o país no precipicio tão rapidamente?  Era este o País, a Justiça, o Congresso, a Política, a Democracia prometidos? E projetados !!! Apostamos todas as fichas em farsantes e criminosos? O abismo entre o povo e o poder. Nossa elite política projetando o país em território estrangeiro, longe e à parte dos brasileiros. Surreal ! Mas o pior, os responsáveis querendo construir o caminho futuro. Onde nos levará incompetentes e bandidos já revelados? 

  6. Um país Nonsense
    O Brasil mais que nunca se tornou um país nonsense. A justiça justifica suas ações baseadas na opinião da Turba, mas o congresso não. Estranho esse país!

  7. Um Congresso contra a Democracia e contra o povo, por Aldo F.

    Sim, Prof. Aldo, … como na REVOLUÇÃO FRANCESA, “teremos que ir para o pau”, sim, para a GERRA, ou isso, ou …. como no seu TEXTO … “O Congresso e o governo Temer,  associados num conluio criminoso, são os feitores dos camponeses pobres, dos trabalhadores que perdem direitos, das mulheres submetidas às desigualdades é à dupla jornada, dos idosos sem vida digna.” … Feitores são usados em tem de GUERRA – são como CARRASCO, então “feitores” significa para um simples Prof. aposentado (Idoso) como eu – ASSASSINOS, TRAIDORES, TERRORISTAS, LESA-PATRIA, INIMIGOS DO POVO BRASILEIRO e portanto como jã estamos em GUERRA devem ser eliminados … !!! 

  8. Um congresso contra a democracia e contra o povo
    Sim precisamos tomar as ruas e retomarmos o congresso das mãos desta maioria de representantes traidores do mandato e anti Brasil.

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