Xadrez da grande freada de arrumação no caos político, por Luis Nassif

Ainda se está no impacto inicial dos dois discursos e da tragédia sanitária de Bolsonaro. Mas não se vira ainda uma página infeliz da nossa história. O cão está solto, armando seus seguidores, promovendo o genocídio civil, ampliando a infiltração militar no seu governo. Mas, pelo menos, inicia-se a grande luta nacional de retomada da dignidade, do respeito e dos direitos.

Peça 1 – o roteiro do discurso

De certo modo, o discurso de Lula seguiu o mesmo roteiro da entrevista que o GGN fez com ele.

Inicialmente, expor as punições a que foi submetido, a prisão, a perda da esposa – cujo AVC foi precipitado pela perseguição da Lava Jato -, a proibição de velar o irmão morto e a perseguição aos filhos.

Depois, se apresentou como o estadista mundial, o primeiro brasileiro a participar das grandes articulações internacionais pela paz. E colocou de modo objetivo a grandeza que o país conquistou no período, de grande ator mundial.

Lado a lado, ficaram mais bizarras ainda as perseguições empreendidas contra ele.

Finalmente, mostrou-se uma pessoa sem ódio e passou a expor os princípios básicos nos quais norteará seu discurso. O ponto central – já abordado por Gilmar Mendes no dia anterior, em outro discurso histórico – é o da democracia como local de administração de conflitos. Como tal, com os atores se tratando como adversários, não como inimigos.

Peça 2 – os princípios

A partir daí, definiu os pontos centrais de seu desenho de país, com um aprofundamento da democracia:

  • Liberdade de imprensa e de opinião como ponto central. 
  • O conflito entre adversários – não inimigos – como característica essencial da democracia.
  • O povo como personagem principal das políticas públicas.
  • O primado do comando civil sobre as FFAAs – quando afirmou que se o general Villas Boas tivesse se manifestado politicamente no seu governo, teria sido demitido sumariamente.

Peça 3 – o projeto de país

Expôs também os principais pontos de seu projeto de país, traçando claramente a volta do keynesianismo.

  • O povo como agente central da recuperação da economia. Em nada diferente do que propõe Joe Biden.
  • Com a melhoria das condições do povo, fortalecimento do consumo, melhoria da atividade econômica, melhoria do emprego.
  • Investimento público como alavanca do crescimento. 
  • Re-nacionalização de estatais estratégicas vendidas no pós-impeachment.
  • Fortalecimento da atividade produtiva. Paridade de forças nas relações trabalhistas, como ponto central de fortalecimento do setor real da economia. Por tal, fortalecimento dos sindicatos, que, desde o interregno Temer, vêm sendo massacrados.
  • As Forças Armadas na defesa da soberania nacional, atuando na fronteira e contra inimigos externos. E fora da gestão civil. 

Enfim, nada que diferencie a social democracia brasileira dos ensaios do governo Joe Biden e da social democracia europeia.

Peça 4 – a estratégia política do PT

Pelo que se ouviu no discurso de Lula – e, posteriormente, na longa entrevista de José Genoino ao GGN – a estratégia do PT obedecerá a duas etapas.

Na primeira etapa, afirmação dos seus princípios, para marcar o espaço conquistado na social-democracia e a luta pela consolidação de um arco de esquerda.

No momento seguinte, ampliar o círculo de alianças, o que poderá acontecer no segundo turno eleitoral.

Peça 5 – a freada de arrumação

É interessantíssimo como os dois discursos – de Gilmar e de Lula – promoveram uma freada de arrumação na discussão política.

Aconteceram coisas impensáveis até dois dias atrás, como Alexandre Garcia fazendo comentários sensatos, a Globonews e o G1 cobrindo ao vivo o discurso de Lula, o Jornal Nacional abrindo amplo espaço para uma cobertura isenta dos discursos de Gilmar e Lula e a a Globo liberando seus colunistas (disciplinados) para promover um embate de ideias, com elogios e críticas a Lula. Teve até Miriam Leitão louvando o “discurso de estadista” de Lula e não se pronunciando sobre os destinos da Lava Jato.

Culminou com uma reportagem no jornal O Globo sobre os abusos da Lava Jato, selando o fim definitivo da mais nefasta aliança política da história do país. E as críticas generalizadas ao Ministro Luiz Edson Fachin, e ao posicionamento do STF durante toda a Lava Jato.

É curioso como funcionam as freadas de arrumação. Ontem ainda, antes que as novas ondas se espalhassem pelas fontes da mídia, o cientista político Carlos Melo, do Insper – que não é dos mais radicais – , dizia, em entrevista à CNN, que Lula e Bolsonaro se equipararam, não apresentando nenhuma proposta e se limitando a criticar. Desavisado, valeu-se mecanicamente do bordão preferencial da mídia (e do Insper): não li, não ouvi e não gostei e entrego o que sempre me pediram. Foi apanhado no contrapé, tal a velocidade com que a agenda mudou.

Se Fachin e Luis Roberto Barroso comprometeram a imagem da casa, como agentes da politização, a maneira desastrada com que Fachin tentou preservar a Lava Jato acabou por expor ostensivamente a desmoralização do Supremo. O mal que os três Luizes – Fachin, Barroso e Fux – causaram ao Supremo é equiparável ao de outro Luis na Revolução Francesa. O que vai impedir a queda da Bastilha é a atuação de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre Moraes, devolvendo à casa o papel de instrumento decisivo na luta pela democracia,

Ainda se está no impacto inicial dos dois discursos e da tragédia sanitária de Bolsonaro. Mas não se vira ainda uma página infeliz da nossa história.  O cão está solto, armando seus seguidores, promovendo o genocídio civil, ampliando a infiltração militar no seu governo.

Mas, pelo menos, inicia-se a grande luta nacional de retomada da dignidade, do respeito e dos direitos.

Luis Nassif

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