Xadrez do dia 31 de dezembro de 2022, por Luis Nassif

O 2º tempo do jogo não terá os Bolsonaro. A gota d'água será inação de Jair e seus filhos, que abandonaram os golpistas

Vamos juntar algumas peças desse jogo de provocações da ultradireita:

Peça 1 – o estímulo ao prolongamento dos atos

Há um jogo de declarações e insinuações óbvios, visando prolongar o máximo possível os acampamentos em volta dos quartéis e os bloqueios de estradas.

Nas últimas semanas, de forma clara ou dissimulada, esse jogo foi alimentado por 2 membros-chave do bolsonarismo:

Braga Netto – aos militantes amontoados em frente ao Planalto: “Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”.

Hamilton Mourão – “Na data de hoje, em 1935, traidores da Pátria intentaram contra o Estado e o povo brasileiro. A intentona de 27 de novembro foi a primeira punhalada do Movimento Comunista Internacional contra o Brasil. Não seria a última. Eles que venham, não passarão!”, escreveu Mourão em seu Twitter.

Ciro Nogueira – em manifestação no Twitter: “Não digam que não avisei”.

Peça 2 – explicações para manter a fogueira acesa

Está nítida a intenção de manter acesa a fogueira das manifestações. A dúvida é sobre o desfecho pretendido.

Hipótese 1 – o golpe planejado

É óbvia a lógica desses movimentos. Acirram-se os nervos até a posse. Na passagem, há uma explosão de manifestações violentas por todo o país, gerando alguma forma de episódio dramático, que possa ser o gatilho para tirar os militares dos quartéis.

Não se perca de vista que grande parte dos cidadãos das manifestações – incluindo idosos e idosas – pertence à família militar. E que a mobilização envolve também CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador) e milícias ligadas ao bolsonarismo, formadas por egressos dos porões da ditadura e aliados históricos de Bolsonaro.

Esta semana circulou um manifesto golpista assinado por dezenas de oficiais da reserva

Hipótese 2 – o golpe frustrado

Seria apenas uma maneira de manter acesa a chama da campanha, o chamado jus sperniandi. Ocorre que toda mobilização tem como lema impedir a posse de Lula. O que ocorreria se o país chegasse a 1o de janeiro sem nada concreto contra a diplomação do presidente? Haveria a desmoralização completa das lideranças que estimularam as manifestações. Justamente devido a esse risco, é evidente que alguma coisa séria irá acontecer nesse período, como atentados e aumento da violência difusa.

Peça 3 – o enxadrista Alexandre de Moraes

A crise atual tem demonstrado, além da coragem pessoal, um notável senso estratégico do Ministro Alexandre de Moraes.

  • Inquérito do fim do mundo – foi criado para investigar a atividade de terrorismo digital dos Bolsonaro, muito antes do país se dar conta do alcance dessas movimentações. Esse inquérito foi essencial para intimidar Bolsonaro. O que se viu, desde então, foi um presidente com explosões ocasionais que denotavam muito mais medo do que ousadia.
  • O enquadramento de empresários conspiradores – a falta de resposta da Justiça, e da Procuradoria Geral da República, fez com que conspirar contra as instituições parecesse um jogo sem riscos. Foi o caso dos  empresários flagrando brincando de realidade virtual no WhatsApp. Ao enquadrá-los, Moraes sinalizou para todos os empresários os riscos embutidos em qualquer tentativa de conspirar contra as instituições. Restou apenas o chamado ogro-negócio.
  • A multa no PL – sabendo que a estratégia toda estava montada em torno do questionamento das eleições, a multa que Moraes aplicou no PL desmontou essa ala do golpismo.
  • Reunião com Secretários de Segurança – a convocação de Secretários de Segurança e comandantes de Polícia Militar de todos os estados foi uma sinalização soberba de que há, também, um poder armado para garantir o cumprimento das leis. Não foi outro o motivo que levou o vice-presidente Hamilton Mourão a protestar contra o encontro.

Por tudo isso, é provável que, a esta altura do jogo, Moraes já esteja articulando um monitoramento das ações golpistas, com setores legalistas da Polícia Federal, das polícias civis estaduais e das PMs. E, simultaneamente, a equipe de transição de Lula negocia com militares legalistas, para prevenir ações golpistas.

Peça 4 – o país partido ao meio

Em O Globo do dia 27, o artigo “Eleição calcificou o país em torno do petismo e do antipetismo”, de Thomas Traumann e Felipe Nunes traz uma verdade incômoda. A divisão do país é anterior a Bolsonaro e sobreviverá ao seu fim. Será a perpetuação das idiossincrasias atuais, com a posição política determinando a escolha dos amigos, das compras, da legitimação das leis.

E, por trás de tudo, o renascimento do protagonismo militar. O desafio será deixá-lo restrito ao Clube Militar e aos militares de pijama. Mas as benesses colhidas pelos que invadiram a área civil, os negócios de consultores militares, as benesses dos ex-militares que participaram do governo, tudo isso será estímulo a novas aventuras.

Em suma, há um longo caminho a ser percorrido para corrigir os estragos iniciados pelo mensalão, radicalizados pela Lava Jato, endossados pela mídia e pela Justiça.

Provavelmente o segundo tempo do jogo não terá mais os Bolsonaro. A gota d’água será a inação do pai – sem coragem para atitudes drásticas – e dos filhos, que abandonaram os manifestantes à sua sorte enquanto iam gozar a Copa no Qatar.

O único consolo é que a proximidade do abismo ajudou a acordar alguns setores.

10 Comentários

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  1. Você ainda não percebeu a ironia, Nassif.

    O filme de maior sucesso em 2021 foi “Não olhe para cima”, cujo enredo pode ser resumido da seguinte maneira: cientistas descobrem que um asteroide vai colidir com a Terra; após anunciarem a descoberta eles percebem que a mídia trata aquela séria questão como se fosse apenas espetáculo; a reação histérica dos cientistas e os dados coletados por militares convencem os governos fazer algo, mas então a opinião pública começa a ser dividida; uma parte da população é levada a acreditar que o asteroide não existe ou não vai colidir com a Terra; os esforços públicos para tentar desviar a rota do asteróide são sabotados em benefício de um empreendimento privado; a solução encontrada pelo mercado falha; a Terra é destruída, mas alguns bilionários conseguem se salvar numa Arca de Noé espacial; ao chegar no planeta de destino eles descobrem que entrarão na cadeia alimentar como presa.

    O golpe de 2022 tem mais ou menos a mesma estrutura. Mas entre nós o que vai acabar não é a Justiça Eleitoral e sim o movimento messiânico em torno de Jair Bolsonaro. O Militarismo Fake não conseguiu gerar a energia social, econômica e política indispensável para produzir uma verdadeira ruptura da legalidade. Mas a preservação da democracia com a posse de Lula será interpretada pelos mais exaltados como o fim do mundo. A histeria gerada pela crença no golpe entre nós é semelhante à histeria dos norte-americanos que não acreditam no meteoro até que os pedaços dele começam a devastar suas cidades. Aqui a devastação será produzida pela restauração da normalidade e pela persecução penas dos bolsonaristas que estão aderindo ao terrorismo enquanto a familícia tenta se afastar da desgraça que produziu. Os Bolsonaro querem sobreviver na políca e para fazer isso terão que sacrificar seus seguidores. No Paraíso em que estão tentando construir para si, eles serão devorados pelas contradições que desencadearam ao incentivar o golpe e abandonar os golpistas à própria sorte.

    O neolineralismo é uma espécie de doença cognitiva que só consegue produzir dissonâncias. No filme, a verdadeira catástrofe (a colisão do asteróide com a Terra) é negada. Entre nós, a catástrofe é a negação da impossibilidade de ruptura anti-democrática. Em ambos os casos, as alucinações induzidas pelo negacionismo dá origem à situações tragicômicas. Nunca antes na História do Brasil e da História do Cinema também, nós vimos fanáticos se ajoelhando e ou marchando na frente dos Quartéis pedindo para o Exército dar um golpe de estado.

    Nos primeiros segundos do dia 1o. de janeiro de 2023 a consolidação da transição de governo atingirá as consciências dos bolsonaristas como se fosse o meteoro do filme “Não olhe para cima”. A versão cinematográfica dos eventos que estão ocorrendo no Brasil poderiam muito bem ser denominada “Não olhe para a frente”. Os bolsonaristas estão com os olhos fixos no passado como se pudessem interromper o fluxo do tempo ou reintroduzir o passado autoritário no presente democrático.

    Os argentinos nos chamavam de “macaquitos de gringos”. Doravante eles terão que nos chamar de “macaquitos de filmes gringos”.

  2. Cada povo tem a Passionaria que merece. O nosso é o octoroon Mourão, para usar uma expressão pejorativa tão ao gosto desses canalhas.
    A única coisa que próspera nesse país é a mediocridade.

  3. No Brasil, militares da reserva fazem manifestos desde a posse do Marechal Deodoro. Há dois livros ótimos sobre o período republicano até Vargas, do meu falecido professor Edgard Carone, A República Velha I e II. O que está narrado lá justifica a antiga piada: “O Exército publica manifestos às segundas, quartas e sextas; e a Marinha publica os seus às terças, quintas e sábados.”
    Não é dos militares sem tropas, nem dos hospícios na frente dos quartéis que vem a maior ameaça à estabilidade do governo Lula, que tomará posse normalmente no dia 1º de janeiro, é dos donos do dinheiro grosso – em tempo, esse termo “neoliberalismo” tem a mesma consistência que “mercado”, ou seja, nenhuma, porque é apenas um nome para uma das fases da história do capitalismo.
    Quanto ao antipetismo não há o que fazer, é metade do país, e maioria em todo o Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Paciência. A maneira de lidar com isso é a mesma de sempre desde os gregos: Política.

  4. Boa análise. Ao fim e ao cabo, o ataque vem sempre e de novo da super elite parasitária com seus dois soldados principais (grandes grupos de mídia e milicos).

  5. Talvez a violência na posse do novo governo, nessa altura do campeonato, não seja mais evitável.

    Quem sabe serve de lição para daqui a um tempo: iniciativa privada tratando do que é público não tem como funcionar, não tem como estabelecer democracia porque… oras, por que é privada, mesmo, porque tem dono e o dono – não os contratados – tem a palavra definitiva. Os interesses privados sempre estarão no sentido oposto aos públicos. Não é possível nem plausível e nem saudável que um empreendedor privado pense, em primeiro lugar, no bem público. Isso levaria à falência qualquer empresa. Um empreendedor privado tem que pensar, em primeiro lugar em seus próprios negócios. O estado é o oposto disso…

    Quem sabe, também, se não conseguimos nos basear – não seguirmos, não imitarmos, não tentarmos copiar mas apenas estudarmos, adaptarmos às nossas (próprias, únicas e brasileiras) características, nos basear – no exemplo chinês, uma país cheio de bilionários, que estimula o empreendedorismo, a ciência, a educação, que recebe muitas empresas estrangeiras em seu território e que também várias empresas chinesa privadas em países estrangeiros, mas em que – esse parece ser o pulo do gato – jamais permite que bilionários, nem chineses e menos ainda estrangeiros, deem pitaco nos assuntos de estado. Uma gente que enxerga que um país só estará bem quando todos os outros também estiverem, inclusive eles próprios. Que tal pensarmos nisso com seriedade, sem preconceitos e sem ideias prontas, abertos – e não fechados por doutrinação arcaica e, como é fácil constatar, ineficiente – para depois que a barbárie passar?

    Por enquanto, apagar os incêndio que criamos ou deixamos criar…

  6. Creio que nem se Bolsonaro pedisse o fim dos protestos, nem se as FFAA deixassem claro que não vão, sob hipótese nenhuma, assumir o governo do Brasil, a turma das portas-de-quartel, estradas etc. interromperia os protestos. Creio que os protestos estão sendo mantidos pela força do capital privado, pelos que querem inutilizar o estado democrático de direito mantendo, porém, uma aparência de que está funcionando. Funcionários públicos aliciados e corrompidos, e empresários brasileiros, sim, mas também estrangeiros, por procuração… a turma do dólar. Siga o dinheiro. Ainda que apenas com argumento, impeça o dinheiro de chegar aos golpistas, faça com que que sua comunicação em massa – redes sociais (que são firmas privadas) abertas ou clandestinas, a tal “deep web” – seja cortada, afaste da administração e jogue na cadeia donos e diretores que usam de suas firmas para financiar o golpismo para ver só…

  7. Porque você não comenta que o país foi entregue aos condenados pela justiça, sendo que alguns em várias instâncias? Comentar com base em fatos concretos e comprovados é um trabalho que poucos jornalistas conseguem, por que será?

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