Caravana vai percorrer país para descrever cenário de volta da fome

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Em 2017, o número de pessoas que estavam em extrema pobreza chegou aos mesmos parâmetros de 2004 / Marcelo Cruz

Em 2017, o número de pessoas que estavam em extrema pobreza chegou aos mesmos parâmetros de 2004 - Créditos: Marcelo Cruz

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do Brasil de Fato

Caravana vai percorrer país para descrever cenário de volta da fome

Organizações alertam que o número de pessoas em insegurança alimentar grave cresceu nos últimos anos

Rute Pina

Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Movimentos populares, sindicatos e entidades da sociedade civil vão fazer uma caravana pelo interior do país para descrever um cenário de alerta: a fome voltou a assombrar a nação. O número de brasileiros que passam fome cresceu.

A iniciativa de apurar, com uma caravana, o crescimento do número de pessoas que passam fome no país foi idealizada pela Articulação do Semiárido (ASA) e começa no interior de Pernambuco, em Caetés, no dia 26 de julho.

A caravana vai colher relatos para ilustrar este processo, que vai na contramão de compromissos que o país assumiu com a Organização das Nações Unidas (ONU) — entre eles, a segurança alimentar, uma das metas da Agenda 2030, e a redução da fome e da pobreza, um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que o país atingiu em 2015.

Este ano, o governo brasileiro, novamente, não vai apresentar o relatório de acompanhamento das metas de desenvolvimento sustentável para 2030. A publicação dos dados é voluntária. Mas o grupo de trabalho de organizações sociedade civil que investiga o cumprimento destes objetivos vai divulgar um novo relatório no final de julho.

De acordo com o pesquisador Francisco Menezes, integrante da ActionAid e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o relatório deve indicar o agravamento do que as entidades já haviam constatado em 2017: de que haviam indícios que o país pode voltar ao Mapa da Fome da ONU.

O país saiu da lista da fome em 2014, quando foram divulgados os índices mais recentes da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), pesquisa realizada a cada cinco anos. Os dados mostravam que, em 2013, cerca de 3,2% da população, aproximadamente 3 milhões de domicílios, viviam em situação de insegurança alimentar grave — índice mais baixo que o Brasil o país atingiu. 

A queda representou 28,8% em relação a 2009, quando 5% da população brasileira vivia em situação de intensa privação de alimentos. 

Embora a previsão de divulgação da próxima pesquisa seja em dezembro deste ano, Menezes afirma que já há indícios de que a situação do país se agravou e que o país se distancia das metas assumidas internacionalmente. 

Desemprego 

O pesquisador pontua que cortes nos programas sociais, a adoção de políticas neoliberais e, sobretudo, o desemprego e a precarização do trabalho levaram a este cenário.

Nos últimos três anos, a tendência de queda da pobreza no país se reverteu. Em 2017, o número de pessoas que estavam em extrema pobreza chegou aos mesmos parâmetros de 2005.

“É uma velocidade muito rápida desse empobrecimento ao extremo. E, nestes mesmos três anos, voltamos a oito anos atrás no número de pessoas abaixo da linha da pobreza”, afirma.

As organizações se baseiam nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para fazer o alerta.

“Quando aplicamos um critério de verificar as pessoas que estão em situação de pobreza e as pessoas que estão em situação de extrema pobreza, nós vemos que os índices de desemprego gerais do país, que já são muitos elevados, se multiplicam para a população mais pobre”, explica o pesquisador.

“Há uma grande correlação entre a extrema pobreza e a situação de fome. Ou seja, aqueles que estão em extrema pobreza estão, geralmente, vivendo a situação de fome. Então, quando se tem um quadro em que voltou 12 anos atrás, considerando os dados de 2017 sobre a extrema pobreza, tudo leva a crer que um contingente grande de pessoas voltou a essa situação de insegurança alimentar grave porque não tem condição de garantir a alimentação.”

Mapa

A nutricionista Patrícia Jaime, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), analisa que a saída do Brasil do Mapa da Fome também está relacionada processo ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e à redução da mortalidade infantil. 

Mas, após 13 anos de queda consecutiva, a taxa de mortes de crianças antes de completar um ano de vida cresceu 11% entre 2016 e 2017. Já o percentual de crianças menores de cinco anos desnutridas aumentou de 12,6% para 13,1% no período. Segundo ela, este é um alerta vermelho.

“Quando a gente falava da agenda do objetivo do milênio, a gente estava ainda falando em mortalidade, fome e parecia que a gente iria qualificar essa agenda em uma perspectiva mais qualitativa, da qualidade do alimento, do alimento seguro, saudável, sustentável, com fomento à agricultura familiar de base agroecológica. Ou seja, uma agenda mais avançada. E a inflexão dos programas colocam em risco questões estruturais básicas de acesso e disponibilidade de alimentos e renda”, pondera Patrícia.

Já o coordenador da ASA na Bahia, Naidison Baptista, destaca o desestímulo à agricultura familiar e circuitos de comercialização e compras públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

“De um lado, o governo não paga os serviços prestados pelas organizações sociais, então há um déficit muito grande em relação aos serviços prestados pelas organizações sociais. E, de outro, não abre novas chamadas de assistência técnica. Então, o acompanhamento às famílias no processo de produção de alimentos e de geração de renda fica prejudicado”, diz.

Segundo Baptista, a caravana pelo interior do país, organizada pela ASA e outras entidades que compõem a Frente Brasil Popular, é um processo de mobilização social para apontar perspectivas de solução destes problemas. 

“O interessante neste processo da caravana é que ele está sendo encabeçado pelos próprios agricultores. Em Feira de Santana [Bahia], por exemplo, os agricultores vão tirar alimentos da sua produção para a alimentação da caravana, quando ela passar por aqui; a universidade está disposta a ceder o auditório para receber um ato público. Então, estamos construindo o ato envolvendo diversos atores sociais”, afirma o integrante da ASA. 

Além de Pernambuco, a previsão é que o grupo passe pelos estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. 

Edição: Juca Guimarães

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. A volta da fome na Amazônia paraense

    A imagem pode conter: céu, atividades ao ar livre e natureza

    Praia Alter do Chão – Página curtida · 3 de julho – A parte TRISTE e ANGUSTIANTE da viagem para Parintins foi registrar as centenas de famílias que arriscam a vida para pedir e colher doações jogadas no rio pelos passageiros dos barcos! Pequenas canoas com crianças de COLO que enfrentam o FORTE BANZEIRO dos barcos que NÃO DIMINUEM a velocidade com a aproximação das famílias! NOSSOS RIBEIRINHOS estão pedindo SOCORRO sempre e continuam INVISÍVEIS as “LENTES” dos GOVERNANTES! um povo que SOFRE,LUTA,NADA e REMA contra a correnteza.#Fotojornalismo #Parintins2018#FestivaldeParintins2018. Foto e legenda Edmar Barros direto do seu Facebook

     

    1. “Pescadores de doações”
        

      Edmar Barros

      13 h ·  A imagem que fiz dos “Pescadores de Doações” já tem milhares de compartilhamentos,curtidas e comentários, muito deles MALDOSOS e tive que DESATIVAR as notificações da postagem, mas não vou APAGAR nenhum comentário e muito menos bloquear ninguém, mesmo aqueles com XINGAMENTOS a minha pessoa! Meu RELATO e IMAGENS são FIÉIS a tudo aquilo que vi! Passei horas e horas navegando e vendo aquelas cenas LAMENTÁVEIS! Crianças de colos sendo usadas para comover os passageiros a jogarem doações no rio.Adultos assustados e preocupados com seus filhos.Se existe alguém que faz por “diversão” ou “tradição” esses sem duvida NÃO estão nas fotos que fiz. O que sei de FATO é que os que eu registrei, não vi diversão ou tradição no olhar triste deles. Tenham CERTEZA que poucos conhecem o povo RIBEIRINHO,seus costumes e tradições como eu, pois sou “CABOCO DA GEMA” sou um sobrevivente, pois NASCI em uma das mais remotas e isoladas região desse estado! O PURUS! E no interior do Interior. E não adianta me pressionar pois sou daqueles que quanto MAIS PRESSÃO mais vou pra cima….

      1. O Brasil da fome de volta

        Nossa Fernando que tristeza tudo isso. A foto é belissima, carregada do sentido que ela nos transmite e que pertuba aqueles que entendem que a miséria e nem a pobreza deveriam existir nos dias de hoje.

        O fotografo tem razão em não se deixar assustar pela malta fascista e intolerante que assola as redes sociais.

        1. A raiz da miséria e da fome

          Maria Luiza, o fotógrafo limitou-se a registrar imagens do que viu por ocasião do deslocamento dos barcos em direção ao festival, não foi uma reportagem investigativa, não conversou com as pessoas, mas tirou conclusões (óbias) por conta própria. Se alguém for fazer uma reportagem jornalística, vai descobrir o óbvio, que essas pessoas tiveram benefícios de programas sociais cancelados, perderam renda, e que essa tragédia se deu no curto esapço de apenas 2 anos. A recessão, o desemprego, a perda de renda generalizada afetou a todos no país, sem distinção. Os efeitos perversos estão aí. 

          Testemunhei também o efeito benéfico dos programas sociais e do crédito consignado em comunidades pobres, vai tudo para o consumo, na veia, criando um círculo virtuoso. A quebra dessa corrente é a tragédia social, afinal miseráveis não consomem. 

  2. Muito triste esse artigo!

    E também os comentários do Fernando J.   Talvez quem sabe, chamando aqueles que retiraram milhões de brasileiros da miséria e da fome, para tentar reverter esse triste quadro de nosso país!!!  

    E para alegrar um pouco nossos corações sofridos, segue abaixo o vídeo que talvez retrate o fio de esperança que esses irmãos afetados pela fome, tenham em seus corações mais sofridos ainda, pois neles carregam também a dor da fome.

    [video:https://youtu.be/FmzAYLO-JB8%5D

  3. Testemunho

    Trabalhei no BB em Óbidos (PA), margem esquerda do rio Amazonas, entre 2004/2007, onde aposentei. Em junho/2005, fui conhecer o Festival de Parintins (AM), realizado sempre no último final de semana de junho. Saímos na quarta-feira, ao meio-dia, e chegamos em Parintins no dia seguinte, às 18 horas, navegando Amazonas acima, muitas paradas, num pequeno mas confortável barco de madeira. O tráfego no Amazonas é intenso, o festival atrai muito público. Na ida e na volta não vi uma única cena de “pescadores de doações”, pelo contrário, paramos uma única vez para comprar uma banda de pirarucu de apenas 13 quilos, que um ribeirinho exibia na canoa junto com o filho pequeno. Isso foi em 2005, e nos 3 anos que passei lá nunca ouvi falar de cena semelhante. “Pescadores de doações” são comuns no Estreito de Breves, próximo a Belém, mas ali é caso de prostituição infantil, uma tragédia amazônica. Fome e miséria no trajeto até Parintins é inédito. 

    1. Pescadores de doações 2

      Edmar Barros

      3 de julho às 20:41 ·  

      …Pescadoras de Doações, Que se ariscam sempre ao desafio de colher os presentes lançados nas correntezas de um rio.Que é a vida e sustento desse povo bravio que encanta este imenso Brasil, Pra navegar tem que ter coragem, para sobreviver tem que lutar, vem da tradição dos viajantes que navegam nessas águas protegidos pela fé um belo e solidário gesto de amor de quem segue seu destino, mas que em “Breves” voltará trazendo na bagagem uma nova esperança.Garantindo o amanhã dessas crianças ribeirinhas…
      Trecho da Toada Pescadores de Doações de Aldson Leão/Rosinaldo Carneiro para o Boi Garantido em 2004. A foto é de 2018 e parece que nada vai mudar…

       

       

      A imagem pode conter: céu, nuvem, atividades ao ar livre e água

      1. Fernando J., belas postagens

        Fernando J., belas postagens as suas….achei estranho o fato de que eu nunca havia falado sobre os “Pescadores de Doações”….no entanto nesta noite sonhei que encontrava-mos nadando num rio quando vimos uma infinidade de bombons de chocolate descendo água abaixo…….fiquei alucinado com aquilo e, claro, catei um bocado……

        estado visionário, isso que chamam de sonho, conteúdos do inconsciente, que vivenciamos quando estamos dormindo ou mesmo acordados (mas de olhos fechados antes de abrirmos os olhos)….

        …. não sei o motivo deste sonho….quanto a lembranças do passado presente, lembro-me de que na década de 70, quando se inciou a indústria da agrosoja no sul do MA, com o veneno destruindo terra, ar e água,  quando fui tomar banho na parte da manhã vi o rio colhado de peixes mortos: era tantos peixes mortos que aquilo durouu dias….hoje praticamente não há peixes no Rio Balsas: foram dizimados pelo veneno, e vai piorar com a  aprovação dos venenos proibidos mundo afora….

        ….. depois sonhei ou vi-me, acordado mas de olhos fechados sobre a cama, entregando ao cantor Ney Matogrosso uma sacola cheia de cuias de côco babaçu, talvez seja uma forma de dizer:  ponha os bombons na cuia e solte-es no rio….assim os presentes não afundam….vou pesquisar mais sobre essa coisa dos “Pescadores de Doações”…interessante

         

         

         

         

  4. Re: Fernando J.

    Amigo Fernando J., continuo intrigado com este evento do campo das sincronicidades….como que o meu inconsciente trouxe isso de volta nesta noite e de forma transmutada, ou seja, os peixes mortos pela indústria do veneno transformados em balas, não em balas de matar mas de alimentar….preciso ligar os pontos: os peixes mortos como presente: e os bombons de chocolate desendo o rio como o presente….tenho que sair agora e , para não perder isso de vista, resolvi fazer um work in progresse sobre os presentes jogados ao mar sic rio….

    …um work in progress no qual eu possa vivenciar os 3 estados:

    1- visionário, que voi o que vivi nesta noite

    2- forma…talvez eu reproduza o que vi…e o que você nos revela agora

     

    3- conhecimento….elaborar um texto cientifico ou de escritor…no máximo 30 linhas..

     

    https://spinspininprogress.blogspot.com/2018/07/spin-spin-in-progress-para-pescadores.html

     

     

     

  5. daqui a 20 anos, talvez

    daqui a 20 anos, talvez menos, o Brasil estará numa situação parecida com a África, com 90 % de pessoas na miséria absoluta, o que é bom para o Deus Mercado que, como sabemos, não tem coração né…

  6. Ver só não, mostrar
     

    Dar visibilidade, escancarar para o mundo, envergonhar os coxinhas, enche-los de medo da miséria que criaram.

    Não é só para passar no TVT ou em canais cegos.

    Tem que sair das fronteiras.

    Não dá mais pra tapar o sol com a peneira.

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