Como a guerra da cloroquina emburreceu o país, por Luis Nassif

Há uma probabilidade, lá na frente, da cloroquina ser reconhecida como um tratamento positivo - ainda que secundário - contra a Covid. Como ficaremos? Aceitar os resultados significará fortalecer Bolsonaro em um ponto relevante de seu discurso político. Não aceitar significará sonegar ao público algo que poderá aliviar seu tratamento.

A CPI da Covid convocou dois especialistas, aparentemente técnicos, para defender o uso da cloroquina. Deram explicações razoáveis em defesa da eficácia do remédio contra o Covid.

Se estão certos ou não, obviamente não serei eu a dizer.

Mas me chamaram a atenção para a dimensão de Fla-Flu junto ao público leigo. Ficam os jornalistas, até os melhores, pescando explicações aqui e ali, que possam reforçar suas convicções, sem ter a menor formação sobre o tema.

Por exemplo, os defensores da cloroquina dizem que eles combatem a doença.

Aí os críticos dizem que não, porque ela bloquearia uma porta de entrada do virus, mas não uma segunda porta.

Os defensores rebatem sustentando que o papel da cloroquina é reduzir ao máximo o nível de contaminação, antes da internação. E, se fecha uma porta, automaticamente estará reduzindo. Ou seja, ela não é vacina, não resolve definitivamente, mas pode deixar o organismos em melhores condições, por fechar uma das portas de entrada do virus.

Não tenho formação para saber se o argumento procede ou não. Mas há lógica nas justificativas deles sobre a resistência da chamada ciência em aceitar conclusões provenientes das observações de campo.

Segundo os médicos que foram à CPI, o método científico na avaliação de medicamentos é definitivo, mas demorado e custoso. Exige muitos testes, muitos recursos. Depois, há o tempo de desenvolvimento da tese, em cima das conclusões. Finalmente, a apresentação do projeto para publicação em revistas. Há o júri que precisa analisar o trabalho. E, depois, ele precisa aguardar na fila para publicar. Daí a demora.

Enquanto isto, as observações empíricas são testadas em populações menores e leva algum tempo para que a soma desses testes possa originar um trabalho de maior fôlego.

A questão toda é que, quando Donald Trump e seu êmulo provinciano, Jair Bolsonaro, resolveram desfraldar a bandeira da cloroquina, a politização sufocou qualquer discussão racional.

E não sem razão. A suposta eficácia da cloroquina serviu de álibi para Bolsonaro montar seu terraplanismo, combatendo a vacinação, o isolamento e até o uso de máscaras. 

Ora, médicos têm que saber analisar as sequelas dos tratamentos propostos. E a sequela óbvia foi a legitimação da política genocida de Bolsonaro. A cloroquina não era apresentada como um medicamento auxiliar na luta contra a pandemia, mas como a solução do problema. Esse aval desarmou milhões de brasileiros que deixaram de tomar cuidados básicos confiando nos efeitos milagrosos do remédio.

Agora, fica-se nesse impasse. As pesquisas continuam. Há uma probabilidade, lá na frente, da cloroquina ser reconhecida como um tratamento positivo – ainda que secundário – contra a Covid. Como ficaremos? Aceitar os resultados significará fortalecer Bolsonaro em um ponto relevante de seu discurso político. Não aceitar significará sonegar ao público algo que poderá aliviar seu tratamento.

Enquanto isto, os tribunais medievais vão lançando à fogueira quem defende e quem ataca a cloroquina.

Definitivamente, a polarização transformou o Brasil em um país de ignorantes.

Luis Nassif

11 Comentários

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  1. Se não há certeza científica sobre a procedência do tratamento, é algo experimental, sujeito ou não a confirmação. Os resultados hoje existentes indicam que é ineficaz e que traz efeitos colaterais, algum mortais. Sendo assim, jamais pode ser apontado como solução e muito menos como uma política pública de uso generalizado. Será que até você, Nassif, está caindo no canto das sereias?

  2. Nassif, segue tua teoria do fato e abandona a Cloroquina. Isto que você fala poderia até fazer algum sentido em maio ou junho de 2020. Lá até dava para entender você defendendo a Prevent Senior e seus estudos.
    Pelo princípio da precaução se não mostra, comprova, que funciona não justifica continuar testando. Em fevereiro deste ano já foi publicada uma revisão Cochrane, tido por muitos como o mais alto índice de evidência científica, que diz que não funciona, que não causa efeitos adversos graves e que “Não acreditamos que novos estudos sobre o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da COVID-19 devam ser iniciados”.
    Aqui é o ponto que cientista sério para de defender seu uso e inclusive novas pesquisas com pacientes a não ser que tenha uma evidência mais robusta que estas. E não tem.
    Mas pior é acreditar que não existem evidências neste padrão que citei acima confirmando as hipóteses de eficácia da cloroquina porque elas são caras e demoradas. As próprias farmacêuticas já patrocinaram pesquisas que tiveram os resultados publicados e mostraram ineficácia. Nunca se produziu tanto estudo científico sobre uma mesma doença em tão pouco tempo como sobre a COVID-19. Basta olhar quantas vacinas já temos e olha que os estudos de vacinas levam muito mais tempo e consomem mais recursos do que comprovar um novo uso para um medicamento já existente.
    Mais uma vez, o princípio da incerteza não significa que vale qualquer esforço quando não se sabe como tratar uma doença. Ao contrário, se não sabe, se há dúvida, não faça, “não causarás o mal”.
    Por fim, na maioria dos casos, o tal tratamento precoce é apresentado e defendido em oposição a outras práticas e portanto serve a fins outros do que adicionar mais conhecimento sobre como vencer a doença. Se quer acreditar que água benta ajuda, que tome, mas mantenha o isolamento, use máscara e principalmente tome a vacina.

  3. “A visualização foi de longe. Tenho quase certeza que eu cheguei a vê-lo a 1 km de distância do outro lado de um vale. A movimentação dele foi de uma pessoa que estivesse ferida nas pernas, mas não deu para ver o resto”. Secretário de Segurança Pública do Goiás

    Não viu o resto de que?

  4. Se, nessa guerra da cloroquina, até nossos melhores jornalistas acreditam ver alguma lógica nas justificativas de uma suposta “resistência da chamada ciência em aceitar conclusões provenientes das observações de campo” (sic) desses dois “especialistas, aparentemente técnicos”, embora se coloquem claramente a serviço do negacionismo obscurantista, “pescando explicações aqui e ali, que possam reforçar suas convicções” de uma polarização suposta a priori, realmente não há mais nada a se discutir:

    “Definitivamente, a polarização transformou o Brasil em um país de ignorantes”.

  5. Parabéns, Nassif. Eu estava estranhando vc estar aparentemente concordando com a imposiçao de um discurso único, vc sempre foi contra isso. E o pior é que estao combatendo quem defende o tratamento inicial (que nao se resume ao uso de hidrocloroquina, há vários medicamentos e suplementos que sao usados) usando censura para tanto, excluindo publicaçoes nas redes, o que é atribuir a essas um poder que nao deveriam ter, porque as redes sao a ágora atual, a praça pública onde a sociedade discute suas questoes; seus “donos” nao deveriam ter o poder de decidir o que pode ou nao ser discutido.

    Recentemente um comentarista do Diário do Centro do Mundo me desafiou a citar uma instituiçao séria que reconhecesse o tratamento inicial. Eu citei o NIH, que antes dizia que ivermectina, um dos medicamentos usados, nao devia ser usado, e mudou o posicionamento para “mais estudos sao necessários seja para recomendar ou para desrecomendar”, e fornecendo uma tabela de estudos que haviam levado à mudança de posiçao, mostrando diminuiçao do número de internaçoes e da gravidade dos sintomas com o uso do remédio. Dei um link para uma matéria que comprovava a veracidade do que eu estava dizendo e que por sua vez incluía um link para o próprio site do NIH. Nao é que me censuraram? Desde quando a esquerda passou a ser a favor da censura?

    Eis o link da matéria: https://www.newswise.com/coronavirus/nih-revises-treatment-guidelines-for-ivermectin-for-the-treatment-of-covid-19.

  6. O lance é atacar essa Covid19 de tudo que é forma para amenizar dores de perdas, dores de falta de atendimentos, dores de descasos. Os aproveitadores pseudo-religiosos, a rede é grande paca, vão ganhar milhões de litros d´água de seus respectivos rebanhos. Fazer o quê ?
    Paralelamente a comunidade científica global séria começa a rever, revisar, indicar para se prestar a atenção em tudo que possa contribuir para diminuir as internações. Cura mesmo daqui há uns 3-4 anos.

  7. Se ivermectina fosse usada como recomendada como vermifugo (uma dose única a cada 6 meses no máximo), seria perfeitamente aceitável sua recomendação (basicamente sem efeitos colaterais). O problema são pessoas usando todo dia/ todo semana “preventivamente”, isso é receita para cirrose hepática.
    Já hidroxicloroquina já apresenta efeitos colaterais consideráveis mesmo quando na dosagem para malária e é o tipo de medicamento que só devia ser usado se as vantagens fossem completamente estabelecidas.

  8. Logo depois de afirmar que “mais estudos são necessários seja para recomendar ou para desrecomendar”, a NIH também afirma que: “Os ensaios clínicos com potência adequada, bem planejados e bem conduzidos são necessários para fornecer orientações mais específicas e baseadas em evidências sobre o papel da ivermectina no tratamento de COVID-19”. Apontam também 6 problemas nos estudos listados ali, para afirmar então: “Como a maioria desses estudos tem limitações significativas, o painel não pode tirar conclusões definitivas sobre a eficácia clínica da ivermectina para o tratamento de COVID-19”.

    Mas, sabe como é: se lá na frente se comprovar que a Terra é plana, como é que a gente fica?

    Definitivamente…

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