Estudo científico indica o melhor tecido para fazer máscaras contra coronavírus

Pesquisadores de Portugal testaram 49 tipos de tecidos para máscaras e identificaram os melhores e os piores

Por Filomena Naves

No Diário de Notícias (Portugal)

Primeiro eram totalmente desnecessárias, e até podiam ser contraproducentes por causa de uma hipotética contaminação, depois passaram a ser importantes, e agora sabe-se que, afinal, são mesmo essenciais para evitar o contágio da SARS-CoV-2 e ajudar a travar a pandemia. A par do distanciamento social e de medidas básicas de higiene, como a lavagem frequente das mãos, as máscaras tornaram-se imprescindíveis e vieram mesmo para ficar – pelo menos enquanto não houver outra forma de prevenir ou tratar a covid-19, com uma vacina ou novos medicamentos. Mas qual é a melhor máscara para usar no dia-a-dia? E, à falta de máscaras comerciais certificadas, por impossibilidade de as adquirir, por exemplo, qual é o tecido mais adequado para fazer uma máscara?

Um estudo realizado por investigadores portugueses, que avaliaram 49 tecidos passíveis de ser utilizados na produção de máscaras comunitárias, mostra que há tecidos que são melhores do que outros para produzir uma máscara eficaz, e também que o número de camadas usadas não é indiferente.

Os resultados da investigação, que foi feita por cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis), e do Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário (Citeve), acabam de ser publicados na revista científica Respirology, e dão indicações importantes para a escolha de máscaras eficazes e confortáveis, do ponto de vista da sua respirabilidade.

Segundo o estudo, as melhores opções quanto a têxteis são o tecido não tecido (TNT), do qual são feitas, por exemplo, as batas ou as toucas cirúrgicas, e o algodão em malha jersey, que se pode encontrar em algumas t-shirts. Outro dado importante tem a ver com o número de camadas de que é feita a máscara: terão de ser pelo menos duas para se obter a eficácia necessária.

“O uso de máscaras comunitárias certificadas é sempre a melhor opção”, explica o médico Bernardo Sousa Pinto, professor e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Cintesis e o primeiro autor do estudo. No entanto, sublinha, caso isso “não seja possível, por motivos económicos ou por algum imprevisto, as melhores opções, que combinam uma boa capacidade de filtragem e uma respirabilidade aceitável, passam pelo uso de uma dupla camada de tecido não tecido, ou então pelo uso, também em dupla camada, de algodão em malha jersey, que se pode encontrar, por exemplo, em t-shirts“.

Outra informação a reter: a ganga, apesar da sua aparência robusta, não serve de todo para improvisar uma boa máscara. “Tem uma péssima permeabilidade e filtragem”, explica Bernardo Sousa Pinto. “Mesmo utilizada em duas camadas, a ganga tem menos de 50% de filtragem das gotículas, o que não é aceitável.”

Um debate e muitas incógnitas

Foi em abril, num momento em que a utilidade do uso de máscaras no contexto da pandemia ainda era questionada pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelas autoridades de saúde e pelos governos de vários países ocidentais, incluindo Portugal, que a equipa da FMUP e do Cintesis decidiu estudar a questão.

Nessa altura, depois de uma posição anterior completamente contrária às máscaras, a OMS começava a admitir a existência de benefícios na utilização de máscaras caseiras por parte da população, e, na sua esteira, o discurso das autoridades nacionais começou também a mudar.

Numa das conferências de imprensa diárias, no final de março, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, tinha afirmado que o uso de máscara dava “uma falsa sensação de segurança”, mas a partir dos primeiros dias de abril o discurso – e a prática – foi-se alterando.

Logo no início desse mês, além dos profissionais de saúde, as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) para a utilização de máscaras passaram a incluir outros grupos considerados de risco, como os cuidadores informais, os bombeiros e os profissionais de morgues. E a ideia da utilização de máscaras comunitárias por parte da população acabou também por surgir e lançar raízes.

Foi então que os investigadores da FMUP e do Cintesis perceberam que não havia praticamente informação sobre os têxteis mais adequados para fazer máscaras comunitárias eficazes.

“Nessa altura, começava-se a perceber a importância do uso generalizado de máscara, mas verificavam-se ainda sérios problemas de oferta”, lembra Bernardo Sousa Pinto, que não tem dúvidas de que o debate sobre a utilização de máscaras pela população também “esteve algo condicionado pela falta de equipamento de proteção individual, incluindo máscaras”, que então se vivia.

Por outro lado, nota o médico e investigador, “as indicações relativas aos tipos de tecidos mais adequados” para fazer máscaras caseiras “eram ainda bastante escassas”, e isso também “não estava a ser devidamente abordado nas revistas científicas da área médica”.

Os investigadores da FMUP e do Cintesis decidiram, então, avançar. Contactaram o Citeve, reuniram uma equipa multidisciplinar entre todos e iniciaram o estudo – além de Bernardo Sousa Pinto participaram também na investigação Ana Paula Fonte e Antónia Andrade Lopes, do Citeve, e João Fonseca, Altamiro da Costa Pereira e Osvaldo Correia da FMUP e do Cintesis.

Filtrar gotículas ínfimas

O trabalho dos investigadores focou-se exclusivamente nas máscaras comunitárias, “usadas nas atividades da vida diária, como sair à rua e ir ao supermercado, ou para uso profissional em contextos em que não haja contacto com um grande número de pessoas”, explica Bernardo Sousa Pinto.

De acordo com a regulação nacional, as máscaras de utilização comunitária devem filtrar pelo menos 70% das partículas com a dimensão de três micrómetros – o micrómetro é mil vezes menor do que o milímetro -, ou seja, gotículas ínfimas, que são sobretudo produzidas durante a fala. Estas máscaras têm igualmente de ter uma permeabilidade ao ar de pelo menos oito litros por minuto, o que garante uma boa respirabilidade.

Foram necessárias várias semanas para analisar as amostras de todos os 49 tipos de tecido. A equipa testou não só a capacidade de filtragem para as partículas com três micrómetros, mas também para dimensões menores, de um micrómetro, 0,7 e 0,5 micrómetros, que podem ser produzidas na respiração ou resultar da fragmentação de outras maiores.

Os dados apontam então as máscaras feitas de TNT e de algodão em malha jersey, e com pelo menos duas camadas, como as mais eficazes e respiráveis. Já do lado da má prestação, a ganga é um dos tecidos que mais se destacam. A totalidade dos resultados pode ser consultada de forma interativa numa plataforma digital que foi criada pela equipa e que está disponível aqui.

Diminuir o contágio para metade

Hoje já não restam dúvidas de que a utilização generalizada de máscaras é imprescindível no contexto da pandemia de covid-19. É isso que os estudos científicos têm mostrado, uns atrás dos outros.

“Essa evidência provém tanto de estudos que avaliam a capacidade de filtragem de partículas pelas máscaras como de estudos epidemiológicos, que comparam indivíduos que usaram máscara versus os que não usaram”, explica Bernardo Sousa Pinto.

Contas feitas, a sua utilização “parece diminuir entre cerca de um terço a metade o risco de infeção por covid-19”, explica o investigador. E esta é uma margem que pode, afinal, ser decisiva para travar novas grandes vagas da doença, como defende um estudo que foi publicado em junho por investigadores da universidade britânica de Cambridge na revista científica Proceedings of Royal Society A.

Redação

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