Os desajustes da polícia brasileira

comentário no post “A PEC-51, a carreira única e a manutenção de castas”

As recentes manifestações populares em todo o Brasil reacenderam o debate sobre o papel de nossas forças policiais. Muitas manchetes de jornais e opiniões de especialistas destacaram a desmilitarização da polícia como tema central.

Na verdade, essa questão é apenas a ponta do iceberg. Somente uma abordagem abrangente, a partir de uma visão global e sistêmica do problema, poderá resultar em uma melhoria efetiva da estrutura policial brasileira. Entre outros pontos, três merecem destaque como símbolos de nosso atraso, na comparação com as principais polícias do mundo:

1) A polícia brasileira é a única que investiga por meio de um procedimento burocrático, inquisitivo e ineficiente: o inquérito policial. Enquanto nos outros países a polícia procura implantar medidas para agilizar e integrar o ciclo de investigação, no Brasil insistimos num instrumento que anda na contramão da moderna técnica de investigação por apresentar baixíssimos resultados na elucidação de crimes e na produção de provas materiais e periciais. Ademais, pela rigidez de seus procedimentos, o inquérito policial contribui para afastar os policiais das ruas e as ruas dos policiais, já que exigências cartorárias acabam prevalecendo sobre o escopo do trabalho investigativo.

2) O Brasil também é o único país em que a chefia da investigação policial é reservada a uma determinada categoria profissional. Enquanto aqui limitamos o acesso, a gerência e a inteligência policiais aos bacharéis em Direito, a polícia nos demais países do mundo recruta profissionais com formação em diferentes especializações. Isso porque o combate ao crime organizado, em mundo baseado no conhecimento, precisa ser feito por uma equipe multidisciplinar. O FBI, a polícia federal americana, por exemplo, seleciona profissionais de diversas áreas, como: Contabilidade, Finanças, Línguas Estrangeiras, Direito, Ciências, Informáticas, etc.

3) No Brasil não temos uma carreira policial, mas sim diferentes unidades policiais (civis e militares) integradas por comandantes e comandados. Essas estruturas, centralizadoras e pouco flexíveis, não possibilitam o desenvolvimento dos trabalhadores do setor, pois, na contramão dos princípios da administração moderna, não permitem que o talento e o mérito sejam reconhecidos. Além disso, contribuem para a ineficiência, a corrupção e a desmotivação funcional, já que a falta de perspectivas profissionais resulta em baixa qualidade na prestação de serviços à sociedade. Do ponto de vista gerencial, destaca-se a falta de sinergia entre as nossas forças policiais, já que o modelo atual estimula a competição, o retrabalho e o aumento de custos decorrentes da separação das atividades de polícia judiciária (Polícia Civil) e de polícia ostensiva (Polícia Militar).

Em resumo, o Brasil precisa reorganizar o seu sistema policial, adotando princípios testados e aprovados em outros países do mundo. Não é possível que os nossos indicadores de desempenho sejam mantidos nos patamares atuais. Afinal, basta comparar o índice de elucidação dos crimes de homicídio no Brasil, de menos de 8%, com o de outros países (90% no Reino Unido, 80% na França e 65% nos Estados Unidos), para se verificar a ineficiência do nosso sistema policial. Como consequência deletéria deste quadro, temos que a quase certeza da impunidade leva ao aumento da violência e da criminalidade no País.

Vale destacar ainda que, em quase todo o mundo, a polícia possui uma estrutura de ciclo completo, isto é, que concentra numa mesma corporação policial as atividades de prevenção aos delitos, de investigação policial e de polícia judiciária. Além disso, a atividade policial é exercida por civis, os quais ingressam na carreira para realizar funções de policiamento ostensivo e, com o passar do tempo, podem se desenvolver atuando em cargos de investigação e, posteriormente, alcançando cargos de direção na mesma polícia.

Infelizmente ainda estamos muito distantes destas práticas modernas de fazer polícia. Existem, inclusive, muitas propostas em debate no Congresso caminhando no sentido contrário, ou seja, aprofundando o modelo atual. Há pouco tempo foi aprovada a Lei nº 12.830/13, e se tentou aprovar a PEC 37, o que só não aconteceu pela pressão exercida pelo Ministério Público e pelas manifestações populares contra a proposta. No entanto, outras emendas em trâmite tentam afastar, cada vez mais, a polícia de suas funções típicas, por meio de projetos que representam o interesse de grupos e não os da sociedade brasileira.

Pode-se concluir afirmando que o dever de casa é imenso para que tenhamos no Brasil uma força policial compatível com os desafios do século XXI. Mas, com a mobilização e a participação de todos, é possível vislumbrar um futuro melhor. Quando teremos uma polícia de Estado e não de governos. Quando teremos uma maior integração entre a Polícia, o Ministério Público e a Justiça. Quando, enfim, teremos os direitos de cidadania consagrados como fundamentos do Estado Democrático de Direito, inscritos em nossa Constituição Federais, verdadeiramente respeitados e protegidos.

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. Na verdade, essa questão é apenas a ponta do iceberg !

    Muito bom  !

    . Quando teremos uma polícia de Estado e não de governos!

    .  Quando, enfim, teremos os direitos de cidadania consagrados como fundamentos do Estado Democrático de Direito.

    Enfim quando seremos respeitados: a cidadania e a policia.

    O cidadao e o profissional da policia.

     

  2.    A sociedade recebe de

       A sociedade recebe de volta o que investe em sua polícia. Enquanto ela a negligencia, continuará recebendo serviços de péssima qualidade e ineficientes…

       

  3. Os desajustes da polícia brasileira

    Prezados,

     

    Por que o atual modelo de Segurança Pública adotado no país encontra-se falido?! Vocês que viajam, já viram um modelo igual ao nosso, e em qual Pais, já se perguntaram isso?! Pois, bem, acho que a resposta para as perguntas acima é: Em nenhum País do mundo adota-se esse modelo arcaico, inoperante….Por isso, estamos pleiteando mudanças no atual modelo que é dos idos de 1840, pasmem, mais é dessa época, a do Brasil Império, nem Portugal o adota mais como modelo.

    Além disso, a motivação do profissional de Segurança Pública deve passar também por um processo continuo de capacitação profissional, além da implantação de uma Carreira Policial Única, atrelada a uma real valorização do Cidadão-Policial enquanto principal protagonista da Paz Social nas cidades e nos rincões desse Brasil afora. A Instituição Polícia terá que ser mais cidadã e menos castrense para por fim a essa violência que nos assola no dia a dia, tirando da gente os nossos jovens, e estes do convivio dos seus entes queridos, trancafiando-os em masmorras, e ceifando a vida de muitos deles, e que acabam entristecendo suas familias inteiras.  

    os Doutos já acenam para mudanças que são necessárias ao país, vamos todos exigir as necessárias reformas no atual sistema falido de segurança pública, para tal urge a aprovação imediata da PEC 51- A PEC da Paz Social, da Cidadania, da Família Brasileira e da Desmilitarização das PM´s.

  4. Chegou o momento de dar um

    Chegou o momento de dar um basta nesse sistema exdrúxulo de fazer polícia no Brasil. Pela carreira única, pelo fim do IPL, pela polícia de ciclo completo e de natureza civil, pela meritocracia, pela experiência, tudo isso por uma polícia de primeiro mundo.

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