O Estado brasileiro não assume os atentados contra negros, por Mázio Ribeiro

Charge do cartunista Carlos Latuff (http://latuffcartoons.wordpress.com)

O Estado brasileiro não assume os atentados terroristas que deixam 63 jovens negros mortos por dia

Por Mázio Ribeiro

Um atentado terrorista, assim classificado pela Resolução 49/60 da Assembleia Geral da ONU, é aquele cujo fim pretendido ou calculado seja para provocar um estado de terror no público em geral, num grupo de pessoas ou em indivíduos para fins políticos, sendo tido como injustificável em qualquer circunstância, independentemente das considerações de ordem política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou de qualquer outra natureza que se tente justificá-lo.

A lei 13.260/2016 define, nacionalmente, terrorismo como sendo a prática por um ou mais indivíduos de ato, por razões de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião, cuja finalidade seja a de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Claro estar, portanto, que, ante as duas definições, um Estado Nacional não pratica atentado terrorista. Isso parece ser bem lógico, já que tais conceitos partem do próprio Estado em direção aos grupos paralelos ou organizações políticas que se encontram fora do escopo do poder oficial.

Há, no entanto, uma conceituação aceita nesse sentido, quando um Estado não-democrático, com o fim de manter a sua hegemonia, patrocina ataques violentos àqueles que questionam e se insurgem contra o pensamento e o regime de governo vigente.

Independentemente dos meios utilizados e para quais objetivos, a morte de um ser humano deve ser questionada, tanto quando for causada por grupos armados que querem causar terror a fim de terem suas reivindicações atendidas, quanto quando for por um Estado oficial, seja democrático ou não, por ação ou por omissão. Sendo assim, acredito haver necessidade de um ajuste de definição.

Nesse sentindo, guardadas as ponderações epistemológicas e hermenêuticas, os estados praticam, diariamente, atentados terroristas contra suas populações. E o Estado Brasileiro que, num passado recente, dizimou o seu povo indígena, restando apenas extratos esquecidos e histórias bem contadas, continua com o seu descalabro e atenta terroristamente por desleixo ou ação direta contra o trabalhador da cidade e do campo, contra as mulheres, LGBTs, contra os idosos, contra as crianças, e, desde sua fundação, continua com os  atentados terroristas contra a população negra, e que, de tão comuns, tornam-se invisíveis e massificados no imaginário coletivo como normais. Usa para isso caneta (ou deixa de usá-la) e todo o aparato estatal, devidamente legalizado.

Como já dito, a morte de qualquer ser humano merece questionamentos. Porém, para a população negra os questionamentos não aparecem. Mesmo havendo um ataque terrorista diário que mata 63 jovens negros no país, nenhum terror social é causado, nem tampouco nenhum grupo assume a autoria das agressões.

O Estado brasileiro precisa parar de se esconder nas conceituações e agir contra si próprio a fim de deter a sua investida insana e terrorista contra a nossa população jovem negra. Para isso, é imperativo e urgente que o Brasil assuma a autoria desses ataques e, mais que isso, corrija-se para que eles não voltem a ocorrer.

 

Redação

5 Comentários

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  1. Em  2016, tivemos  marca de

    Em  2016, tivemos  marca de 61.600 homicídos no ano, o que da cerca de 169 homicídios por dia. Se o articulista está falando de uma atentado terrorista que mata 63 negros por dia e, pela lógica, esses 63 estão incluídos nos 169, podemos então dizer que 106 brancos também estão sendo vítimas do terror?

    1. Olá, amigo! Obrigado pelo

      Olá, amigo! Obrigado pelo comentário.

      Os 63 a que me refiro foram extraídos dos dados do Mapa da Violência (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-36461295) e são relativos somente aos jovens negros, ou seja, entre 15 e 29 anos. 

      Atualmente de cada 100 pessoas mortas no Brasil 71 são negras(jovens e não-jovens), conforme o Atlas da Violência de 2017 (http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf). Isto é, 71%. Se considerarmos os 169 homicídios por dia a que você se referiu, teríamos cerca de 120 pessoas negras(pretas e pardas) e 49 não-negras (brancas, amarelas, indígenas, etc.).

      Lembrando que já temos um novo Atlas da Violência de 2018 (https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/05/politica/1528201240_021277.html) em que aponta o crescimento de 23% nas mortes dos negros e uma diminuição em 6,8% nas mortes dos brancos.

      Somente para deixar claro, eu não quero que morram mais brancos para ficarmos iguais. Eu quero que morram cada vez menos negros e brancos, cada vez menos brasileiros. A questão é que conforme os números, estamos dizimando mais uma população no país.

      Abraço!

  2. Excelente texto! Tens toda
    Excelente texto! Tens toda razão, o preconceito parece que já nasce com algumas pessoas e vão se perpetuando com os seus descendentes, parece ser normal desqualificar o ser humano pela sua tonalidade de pele, e o poder Estatal parece ser um incentivador deste tratamento negativo desqualificando a população negra.Um país misigenado, como é feita a seleção dos que merecerão morrer e ser massacrado? Simples: preto e pobre, infelismente.

  3. Solicitação

    Olá, Mazio. Perfeito seu texto! É horrível ver que esse massacre continua dia após dia!

    Queria pedir sua autorização para usar um texto seu nos testes da plataforma que minha startup (win-win.net.br) está desenvolvendo. Me mande um e-mail por favor se concordar, que lhe passo mais detalhes.

     

    Obrigado!

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