O prazo de validade das UPPs

Sugerido por Zeus

Do blog Planície Lamacenta

Chances desperdiçadas e muito mais perigo à vista.

Desde que foram implantadas as UPP, este blog, na contracorrente, se colocou como totalmente contrário a política de ocupação militarizada de parcelas dos territórios da cidade do Rio de Janeiro, sempre as mais pobres.
 
Os textos que tratam do assunto você pode ler aquiaquiaqui
 
Ao largo da questão geográfica implícita, onde a tomada destes territórios abria caminho a toda sorte de interesses especulativos imobiliários e as demandas da investida dos grandes eventos destinados a ampliar a noção capitalista de cidade-espetáculo, nós argumentamos pela questão, digamos, técnica, que em si também trazia uma visão política embutida.
 
Claro que nossa crítica não desprezou nunca o reconhecimento de que a perspectiva de diminuição dos conflitos armados entre policiais e criminosos, ou entre facções rivais destes grupos criminosos, seria um alento às comunidades atingidas.

Mas alertamos que esta medida paliativa vinha com data de validade vencida, por representar apenas mais do mesmo: imaginar que aqueles territórios (favelas) seriam os palcos principais de combate do tipo de atividade criminosa que se dizia querer combater, ou em palavras mais simples, a ocupação trata a questão dos grupos armados e suas ações de venda no varejo de drogas como causa do crime, e não como efeito de um intrincado processo que se desdobra até chegar a este ponto.
 
Logo, fica óbvio que passado o impacto inicial do aumento da pressão estatal, estas atividades que mantiveram suas cadeias anteriores intactas (distribuição, produção, transporte, armazenamento, armas, lavagem de dinheiro) recomeçam a sua redistribuição espacial, bem como renovam suas táticas de enfrentamento.
 
E façamos justiça, este processo não se dá apenas aqui, ou não é “culpa” da incapacidade dos governos ou policiais (apenas), mas é a dinâmica desta modalidade delitiva que coroou de fracasso cada tentativa de abordagem que deu ênfase a militarização, a ocupação, ao enfrentamento violento como premissa. No México ou na Itália.
 
Desde que o castelo de cartas das UPP começou a ruir, venho observando um dado curioso.
 
O tráfico de drogas, como toda atividade econômica, e porque não dizer, como todos os aspectos da vida social no planeta, experimentaram uma enorme revolução nas suas estruturas com o advento da neoliberalização mundial.
 
A “desregulamentação da vida” é um traço que modificou dramaticamente os laços culturais e de solidariedade, desde pequenas comunidades interioranas, até as vizinhanças da megalópoles, onde ter dinheiro passou ser a medida de tudo e de todos.
 
Nos morros do Rio, estes laços que vinculavam os traficantes e a população local, geralmente cantadas  pelo folclore local (ver Bezerra da Silva e outros) como um misto de assistência social e tribunais de rua, foram cruelmente modificados, bem como a própria evolução destas micro-organizações criminosas sofreram forte alteração, e a principal delas, decorrente do alto índice de letalidade que atingia seus integrantes, foi o fato de que cada vez mais, os mais jovens subiam aos cargos mais altos da hierarquia do varejo de drogas.
 
Com isto, o aumento da violência foi quase imediato, pois jovens com laços precários com a comunidade, sem esposas, filhos, etc, armados, e desejosos de angariar toda a ascensão social possível no curto tempo de vida que imagina ter, estão muito mais propensos a ações suicidas ou ao comportamento inclemente com policiais, adversários, traidores, moradores, etc.
 
Foi este relacionamento agastado entre comunidade e traficantes que superou até o verdadeiro horror que os moradores pelos policiais, que acabou por legitimar a ocupação das UPP, talvez porque os moradores, intuitivamente, se dispusessem a aceitar um “mal menor”.
 
É verdade que uma parcela importante das comunidades ocupadas desejavam a ocupação.
 
No entanto, os limites que a própria noção de ocupação traz em si, e que já mencionamos: a inexistência de uma ação de combate ao crime que ultrapassasse o limite dos territórios ocupados, com atenção voltada para as rotas de tráfico de armas, os atacadistas de drogas, lavagem de dinheiro, etc, e a transformação previsibilíssima das forças de ocupação em transtorno diário, quando passam a controlar gestos, costumes e a vida social do local ocupado, realimentaram uma relação entre traficantes e moradores que se julgava irreversivelmente partida.
 
A estranha mistura de temores, resultado das chantagens semi-terroristas dos grupos de vândalos sobre manifestações na Copa 2014, a permanência dos gargalos estruturais nas comunidades, que continuam a enxergar apenas a polícia como face mais visível do Estado, apesar das enormes melhoras, dentre outros fatores combustíveis, estão a oferecer aos traficantes uma oportunidade de retomada de território.
 
Ontem uma UPP foi incendiada como suposta retaliação a ação da polícia para desalojar invasores de um prédio, e se confirmada a versão, dará uma dimensão da mistura de objetivos, onde a polícia acabou, mais uma vez, a funcionar como ferramenta de coerção em conflitos sociais (e não criminais).
 
Esta mistura, se capturada pelos artífices do tráfico, e bem manipulada, pode dar uma inédita coesão ao que já acontece de forma aleatória e desorganizada: o uso de manifestações de cunho político e social por grupos armados criminosos.
 
A união de grupos políticos com falanges criminosas não é novidade, e está em nossa memória recente, só que naquela oportunidade, a fusão se deu no interior das cadeias.
 
Grupos como black blocks, ou parte de seus integrantes, extremistas de partidos políticos que desejam o desgaste da Democracia para encetar rupturas institucionais, e células de traficantes armados nos morros não é uma mistura improvável, e só os setores de inteligência (totalmente militarizada) da Secretaria de Segurança parecem não enxergar, pois continuam a agir como se mais e mais força vá trazer algum resultado desejável.
 
A um Estado onde o governador já disse que sai em breve (e a leitura é: não estou nem aí), e que chama o Governo Federal a cada “balanço mais forte”, o que restará?
 
Bem, para quem acredita, rezar…
 
Se alguém temia a volta do grupo da lapa ao Governo do Estado, agora sim temos um universo que atinge seus adversários e aumenta exponencialmente suas chances que eram poucas:
 
O futuro ex-governador e seu candidato pelos motivos já expostos.
 
O candidato do PT porque se a Presidenta mandar ajuda e der errado, ele (Lindberg) sai mais chamuscado que ela.
 
De todo jeito, esta cooperação pedida pode ter sido o abraço de afogado (pensado ou não) do futuro ex-governador.
7 Comentários

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  1. UPP

    Nassif,

    De repente, ataques a algumas UPP’s, com assassinato de policial e tudo o mais, aí pergunto, porquê justamente agora, véspera de Copa 2014?

    Algum motivo deve, ou tem que estar por trás deste ataque certamente ordenado, quem sabe o rompimento de eventuais acordos com grupos criminosos,  ou então pior, ação por parte de grupo político ainda não identificado.

    O mote das UPP’s sempre foi o deslocamento do tráfico de drogas de determinado local para outro – como o consumo de cocaína e maconha nynca foi reduzido, os fornecedores só mudam de lugar.

    Não sei se o governo fluminense conseguiu criar, ou manter funcionando as alternativas de $$$ para os comerciantes de cada favela, pois a saída do tráfico pressupôe saída de $$$ da tal localidade e o incômodo dos moradores-comerciantes.

    O RJ deveria aproveitar a sorte de os grupos do tráfico ainda continuarem mal organizados e, assim, levar adiante as providências teóricas que os especialistas conhecem de cor e salteado para neutralizar parte daquela influência inevitável.

    Não sei quantas UPP”s existem, mas eram previstas 43 delas, todas em locais de inegável interesse imobiliário, mas nada indica que tal interesse esteja por trás destes ataques- a turma já tentou fazer muros com 3 m. de altura e voltaram atrás.  

    1. O mote das UPP’s sempre foi o

      O mote das UPP’s sempre foi o deslocamento do tráfico de drogas de determinado local para outro – como o consumo de cocaína e maconha nynca foi reduzido, os fornecedores só mudam de lugar.

      Alfredo,

      Será que esse deslocamento ocorreu realmente em todas implantações? Pois mesmo que um grupo A (o RJ não tem um crime “unificado” como SP) corrido de onde foi implantado uma UPP fosse para um local onde haja aliados (e que ainda não tenha UPP), imagino que esses novos “inquilinos” afetariam a realidade do local, além de representar alguma divisão do lucro daquele espaço, o que mais cedo ou mais tarde acabaria em desavenças internas. Outra possibilidade é parte dos “soldados do tráfico” estarem migrando para outra atividade criminosa ou para uma vida “regrada”.

      Mas a única forma de ter certeza disso (teoria que ouvi essa semana e que nunca tinha considerado) seria verificar com o usuário. Teoricamente estaria mais difícil encontrar a droga no RJ, pois quem comprava onde estão as UPPs, teria que buscar novos pontos de venda mais longe.

      1. UPP

        Ed Doer,

        Tudo bom?

        A idéia era o delocamento dos traficantes, que realmente aconteceu em algumas favelas, mas não sei se já voltaram. Dizem que muitos deles foram prá Baixada, é bem possível, região que tinha pessoas de todas as facções dedicadas ao tráfico de drogas. Vida regrada é transformação que não acredito por parte de nenhum deles, já estão vacinados contra $$$ honesto, em minha opinião.

        Nunca usei droga, mas também nunca ouvi ninguém reclamar da ausência do traficante, e aqui está um grande problema- onde estão os traficantes, porque não seguem a $$$ do tráfico ? Duvido. Nunca vi nenhuma batida policial em morros que encontrasse $$$, somente uns papelotes, uma ou outra arma e mais nada, logo…, onde está a grana? O hoje ministro Moreira Franco falou sobre isto uma vez, prá ter que se desmentir no dia seguinte.

        Um abraço

         

        1. Sempre em movimento.

          Alfredo e Ed, me permitam o pitaco.

          Toda a ação criminosa, seja ela mais ou menos hierarquizada, organizada ou não, mas que têm como principal natureza o sucesso negocial (sejam os crimes patrimoniais típicos, roubo, furto, estrelionato, etc, sejam os crimes como tráfico, que enfim querem dinheiro), são fluídos por natureza.

          No entanto, por um tempo, esta fluidez era mais restrita, e o aspecto território sempre funcionou como um lastro.

          Hoje é menos assim.

          Enormes estruturas dos carteis colombianos e bolivianos se movimentaram para as fronteiras do México com EEUU, e agora para a América Central.

          Na Itália houve uma completa redivisão territorial dos carteis e famiglias, com a tomada (ou retomada) de territórios como resposta a ação hostil da polícia e de grupos rivais.

          O Estado sempre funcionou como uma ferramenta de “regulação de mercado” das drogas, quando pressionava uma comunidade aqui, e “esquecia” outra ali, onde vários fatores de interesse mediavam estas assimetrias, desde a influência comunitária local até as simbolizações construídas pela mídia (o Morro da Mangueira sempre teve tráfico, mas sempre foi encarado como “sagrado” pela classe artística e média carioca).

          A UPP não pretendia deslocar traficantes, mas impor uma presença que inibisse o confronto armado e a exibição de armamento. Esta era a principal meta, que de fato, no início, foi cumprida.

          O problema é que esta tática não se sustenta no longo prazo, muito menos senão atacar as estruturas que possibilitam o fluxo comercial varejista, ou seja, sem cortar as linhas de abastecimento, seja no Alemão, Manguinhos ou em Secondigliano (Itália).

          Outras questões são conceituais:

          a) como imaginar que tropas militares-policiais possam ser empregadas militarmente como força de segurança pública, sem que enormes custos e conflitos de convivência sejam gerados em decorrência da “ocupação”?

          b) como reunir ocupação e pacificação no mesmo conceito?

          c) como privilegiar a noção territorial de combate a uma modalidade criminosa que não se restringe a um espaço territorial?

          São estas questões que devem ser trazidas ao debate, junto com a total remodelação da política de enfrentamento do problema das drogas no Brasil e no mundo.

          Depois que estes micro-grupos começarem a se articular com células políticas marginais, aí sim teremos um baita problema.

          1. UPP’s

            Zeus,

            Obrigado pelo bom pitaco.

            No patropi o domínio territorial das gangues é diferente, ainda bem. Os nossos traficantes ainda são muito desorganizados. Aqui só foram deslocados, pois o tráfico prossegue naturalmente.

            Sobre as questões conceituais, tropas policiais não se suistentam eternamente numa favela, ocupação é diferente de pacificação, e sobre a terceira já comentei.

            O ponto central é que sem consumo de tóxicos não existiria traficante, seria ótimo a descriminalização das drogas, como acana de ocorrer no Uruguai, mas o comércio alimenta $$$ muita gente boa, sendo esta a maior de todas as dificuldades.

            Um abraço

  2. O autor foi muito feliz ao

    O autor foi muito feliz ao detectar um fenômeno recente nessa eterna tragédia da violência nas favelas ligada ao crime organizado. Os traficantes perceberam que a UPP ganhou corações e mentes das comunidades, isso a despeito do horror aos “homi”.

    Reformularam sua estratégia e pegaram carona até nas tais manifestações. Não há dúvida nenhuma que botaram elementos infiltrados em meio aos black blocs. Passaram a confundir seus interesses com reinvindicações dessas comunidades.

    Agora, diante disso, o estado, ele também, deve reformular sua estratégia, que era correta quando da concepção das UPPs. Prova disso é que os criminosos constataram que não podem se garantir na base de terror total emcima da população. Por incrível que pareça isso tudo que vem acontecendo tem um lado bom. O de que os interesses da comunidade tem que ser levado em consideração, mesmo se o objetivo é “para o mal”.

    Enfim, a situação é complexa, e de dificil solução, que nunca acreditei que seria dada apenas pelas UPPs. Mas não se deve acabar com elas. O que precisa é o que disse o autor, trabalhar com inteligência sobre o novo cenário.

    Mas o que é preciso mesmo é fazer duas coisas. A liberalização do consumo e venda de drogas e a reformulação total da PM. Sem isso, vai ser sempre paliativo

  3. ” … onde ter dinheiro passou ser a medida de tudo e de todos.”

    ” … onde ter dinheiro passou ser a medida de tudo e de todos.”

    Assim meus caros amigos, ficar no blá, blá, blá, é como enxugar gelo tal como as autoridades policiais do Estado!

    Agora, com o confronto aberto dos criminosos com as fôrças militares, fica evidente que as mesmas não estão preparadas para o confronto e quando a força federal começar a atuar, tenho minhas dúvidas de que será bem sucedida!

    Como diz o popular,  ” buraco é mais embaixo” mas invertendo diria – ” o buraco é mais encima”!

    Se querem solucionar este problema, começem a prender os atacadistas, financistas, e não os sardinhas!!!

    Lavagem de dinheiro é outro problema que ninguém quer resolver, e basta vermos os bancos que são lavanderias além dos paraísos fiscais.

    É muita farsa, e nós ficamos a dar pitaco em questões que “eles” se beneficiam e não querem solucionar.

    Quem viver verá!!!! Ainda vai piorar muito, pois como destaquei do texto acima, o vil metal fala mais alto!

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