
Da internet morta ao mercado de trabalho morto?
Quase ao mesmo tempo em que expressava seu descompromisso com o combate às mentiras em suas plataformas, Mark Zuckerberg fez outra declaração. Disse que, ainda esse ano, pretende substituir engenheiros de software de nível médio por rotinas de inteligência artificial.
E outro dia ouvi uma entrevista com Bill Gates – aquele que tem uma fundação caritativa e tenta passar para o mundo a imagem de bilionário do bem. Foi perguntado sobre os efeitos da IA no mercado de trabalho (a Microsoft é sócia da OpenIA, responsável pelo ChatGPT).
O entrevistador entregou que Gates sorria enquanto dava sua resposta, uma resposta atravessada pelo cinismo. Em resumo, ele disse que não era problema deles: os políticos é que deviam regular.
Ou seja: as corporações jogam todo seu poder para evitar qualquer regulação. E depois dizem que, se não está regulado, a culpa não é delas.
O que estamos vendo é a chamada IA generativa tomar uma parcela cada vez maior dos empregos. Nas plataformas, vemos cada vez mais robôs interagindo com robôs (a teoria da chamada “internet morta”), Será que, no lugar do mercado de trabalho, teremos máquinas passando tarefas para outras máquinas?
Uma empresa nos Estados Unidos, que na verdade vende um software mixuruca para automação de vendas, faz propaganda com o slogan “não contrate mais humanos”. A imagem que ilustra seu anúncio é um avatar dizendo que não se incomoda com jornadas de trabalho excessivas1.
A gente imaginava que o avanço da tecnologia podia de fato eliminar a necessidade de trabalho humano em várias áreas. Mas a gente pensava que seríamos libertados do fardo de capinar a grama, varrer as ruas, limpar as latrinas, minerar carvão, coisas assim. E as pessoas, num mundo minimamente bem ordenado, seriam qualificadas para ocupar outras funções.
Que nada. Para esse tipo de trabalho, ainda compensa mais pagar muito pouco para uma mão-de-obra superexplorada. Afinal, sempre tem um imigrante ilegal disposto às piores tarefas, sem nenhum direito e por quase nada.
Em suma, é a redução do postos de trabalho mais qualificados e criativos.
São ilustradores, tradutores, redatores, programadores, roteiristas, jornalistas, compositores. Em breve (quem duvida?), professores, médicos, arquitetos, engenheiros civis.
Sim, a IA ainda nos entrega bizarrices, como as biografias ou fontes bibliográficas inventadas no ChatGPT (e no DeepSeek é igual), a surpresa sempre renovada ao contar o número de dedos nas mãos das pessoas nas imagens, o inesquecível Jesus camarão. Mas não há muita dúvida de que logo esses probleminhas podem ser sanados.

Há uma perda óbvia com a colonização das profissões criativas pela inteligência artificial. É o fato de que ela não tem nenhuma criatividade. Ela é, como disse alguém, uma máquina de plágio.
É verdade que as pessoas se comovem com as fotos fake, seja de criancinhas africanas pobres e sorridentes fazendo monumentos de sucata, seja com os passarinhos nunca encontrados na natureza, com suas cores vibrantes de desenho da Disney. E depois se decepcionam quando descobrem que é tudo falso.
É o apelo do Kitsch. Assim como as pessoas se emocionam com pílulas da autoajuda mais vulgar, desde que, é claro, atribuídas a grandes nomes da literatura como Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade ou Gabriel García Márquez.
Mas o nosso próprio gosto estético se aprimora com o contato com o novo. (Por isso, nunca gostei do sistema de recomendação por afinidade com o conteúdo prévio das plataformas de streaming.) E o novo, para surgir, depende da criatividade humana.
Alguém pode dizer que, de toda maneira, sempre haverá quem se disponha a produzir sua própria arte, a escrever roteiros de cinema autorais e assim por diante. É verdade. Mas sem o mercado de trabalho que os acolha, isso vai se tornar simplesmente o hobby de uns poucos em endinheirados.
Quanto aos outros, aqueles que tirariam seu ganha-pão do mercado de trabalho hoje existente, eles terão que procurar outra coisa para sobreviver — quem sabe capinando a grama ou nas minas de carvão.
Ao mesmo tempo, isso aponta para uma verdadeira distopia: o mundo em que um punhado de multibilionários controla mais riqueza do que é humanamente possível sequer imaginar como gastar, diante de uma massa de despossuídos, que se equilibra no limite da subsistência.
É a profecia que Marx fez sobre o futuro do capitalismo: a polarização cada vez mais gritante entre uma burguesia cada vez mais concentrada e uma classe trabalhadora cada vez mais pauperizada. A profecia foi (até certo ponto) desmentida com desenvolvimento da sociedade de consumo, que exigia a integração de uma classe trabalhadora com algum poder aquisitivo – mas parece espreitar nosso futuro de novo, em sua versão mais radical.
A manutenção de um tal estado de coisas só é possível com a ampliação da repressão aos movimentos resistência e com desmantelamento de qualquer estrutura minimamente democrática que dê voz aos dominados. É por isso que estes superricos se alinham, de forma cada vez mais ostensiva, com a extrema-direita.
1 – Quem me chamou a atenção para isso, bem como para o discurso de Zuckerberg, foi Marco Rodrigo Silva.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
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“Logo que o trabalho, na sua forma imediata, deixe de ser a fonte principal da riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser a sua medida, e o valor de troca deixa portanto de ser a medida do valor de uso. O trabalho excedente das grandes massas deixa de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns poucos, deixa de ser a condição do desenvolvimento dos poderes gerais do cérebro humano. Por essa razão, desmorona-se a produção baseada no valor de troca, e o processo de produção material imediato acha-se despojado da sua forma mesquinha, miserável e antagónica, ocorrendo então o livre desenvolvimento das individualidades. E assim, não mais a redução do tempo de trabalho necessário para produzir trabalho excedente, mas antes a redução geral do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, correspondendo isso a um desenvolvimento artístico, científico, etc. dos indivíduos no tempo finalmente tornado livre, e graças aos meios criados, para todos”
Marx, Fragmento das Máquinas
https://ghiraldelli.org/2022/01/22/fragmento-sobre-asa-maquinas/
Não é contra essa tendência inexorável – desemprego estrutural – que temos que lutar, mas para que o avanço da ciência e da tecnologia, que é fruto do esforço e do sacrifício de toda a humanidade, seja socializado. O Luddismo lutava para destruir as máquinas, o progresso, não para coletivizá-lo.
Interessante a seguinte passagem de um discurso de Marx:
“Há um grande facto, característico deste nosso século XIX, um facto que nenhum partido ousa negar. Por um lado, despontaram para a vida forças industriais e científicas, de que nenhuma época da história humana anterior alguma vez tinha suspeitado. Por outro lado, existem sintomas de decadência que ultrapassam de longe os horrores registados nos últimos tempos do Império Romano.
Nos nossos dias, tudo parece prenhe do seu contrário. Observamos que maquinaria dotada do maravilhoso poder de encurtar e de fazer frutificar o trabalho humano o leva à fome e a um excesso de trabalho. As novas fontes de riqueza transformam-se, por estranho e misterioso encantamento, em fontes de carência. Os triunfos da arte parecem ser comprados à custa da perda do carácter. Ao mesmo ritmo que a humanidade domina a natureza, o homem parece tornar-se escravo de outros homens ou da sua própria infâmia. Mesmo a luz pura da ciência parece incapaz de brilhar a não ser sobre o fundo escuro da ignorância. Todo o nosso engenho e progresso parecem resultar na dotação das forças materiais com vida intelectual e na redução embrutecedora da vida humana a uma força material. Este antagonismo entre a indústria e a ciência modernas, por um lado, e a miséria e a dissolução modernas, por outro; este antagonismo entre as forças produtivas e as relações sociais da nossa época é um facto palpável, esmagador, e que não é para ser controvertido. Alguns partidos podem lamentar-se disso; outros podem desejar ver-se livres das artes modernas, a fim de se verem livres dos conflitos modernos. Ou podem imaginar que tão assinalável progresso na indústria requer que seja completado por uma igualmente assinalável regressão na política. Pela nossa parte, não nos engana a forma do espírito astucioso que continua a marcar todas estas contradições. Sabemos que, para trabalharem bem, as novas forças da sociedade apenas precisam de ser dominadas por novos homens — e os operários são esses [novos homens]. Eles são tanto uma invenção dos tempos modernos como a própria maquinaria…”
https://www.marxists.org/portugues/marx/1856/04/14.htm
As pessoas que estão preocupados com os efeitos negativos que IAs tendem a produzir no mercado de trabalho parecem estar ignorando os efeitos das Leis para vigiar e controlar a sexualidade dos americanos que os fanáticos religiosos estão debatendo e aprovando para transformar a America Great Again numa versão real do The Handmaid’s Tale. Essa pode ser uma maneira de combater o desemprego causado por IAs e robôs, porque a teocracia do Trumpistão precisará contratar milhões de inspetores de ânus, inspetores de bucetas e inspetores de caralhos para prevenir a homossexualidade e garantir a fertilização toda vez que um casal transar. 😵💫😵💫😵💫😂😂😂
Como assim, se o Duck Donald Trump escolheu o Scott Bessent para ser Secretário de Tesouraria, responsável por comandar a supervisão das políticas de impostos, dívida pública, finanças internacionais e sanções e num link sobre o Scott Bessent lê-se que:
“Bessent resides in Charleston, South Carolina, and belongs to the Huguenot Church, which his ancestors helped build in 1680. Bessent and his husband, former New York City prosecutor John Freeman, have two children”.
Casa de Ferreira, espeto de pau?
Não creio, prezado Fábio. O santo padroeiro da América do Norte, Henry Kissinger, deu régua e compasso para o despovoamento do mundo, já fazem cinquenta anos.
Se não é mais necessário trabalho humano…
Os EUA foram pioneiros em políticas de eugenia, deportação de inúteis e indesejados.
Quanto aos homossexuais, eliminá-los seria praticar o despovoamento em massa dos próprios Estados Unidos. E qualquer censo indicaria que sua presença nos extratos de elite (e da administração) é e sempre foi maciça. O braço vigilante e invasivo da administração americana, o FBI, deve sua eficiência a um homossexual notório, J. Edgar Hoover. Que, não bastasse essa incômoda circunstância, ainda vivia sob a chantagem da máfia. Eliminar os homossexuais da América do Norte teria várias outras implicações. A indústria de armários, por exemplo, sofreria fortíssima queda de produção. E haja desemprego…
Esse Desemprego!
(Bertold Brecht)
Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão.
Quando queiram os senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
Tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
Só nos pode convir
Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: nosso desemprego
Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!