Richard Sennett e a dissolução da cooperação no novo capitalismo

Enviado por FabioREM

Do Sul 21

Novo capitalismo dissolve cooperação, desurbaniza cidades e expulsa pessoas

Marco Weissheimer

Quando eclodiu a crise financeira de 2007-2008, o sociólogo Richard Sennett acreditou que as pessoas iriam se rebelar contra as atitudes e o funcionamento do sistema financeiro internacional, responsável por rombos e falências cujas repercussões ainda estão presentes na economia mundial. Mas as pessoas não se comportaram da maneira que supôs que iria acontecer. O que teria acontecido? O professor da Universidade de Nova York e da London School of Economics iniciou sua participação no Fronteiras do Pensamento, na noite desta segunda-feira (24), no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), expondo essa expectativa frustrada e a perplexidade que se seguiu a ela. “Fiquei intrigado com a crise de 2007-2008. Por que as pessoas não estavam se rebelando contra ela?” – assinalou.

As reflexões de Sennet apontaram dois motivos centrais para que isso acontecesse. Em parte, afirmou, as pessoas não se rebelaram porque deixaram de acreditar na ação cooperativa e colaborativa. Uma das evidências desse fenômeno foi a redução da participação de trabalhadores em sindicatos. “A nova economia, neoliberal, enfatiza muito a autonomia e não a colaboração. As pessoas não ficam no mesmo emprego por muito tempo, não desenvolvem laços mais permanentes e não se associam com outras pessoas”, observou Sennett. Havia, portanto, razões ligadas à estrutura de funcionamento da economia para explicar a baixa participação.

A corrosão do caráter e da colaboração

Em parte, esse diagnóstico já está presente em seu livro “A Corrosão do Caráter: Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo” (1998, publicado no Brasil pela Record), onde Sennett argumenta que o ambiente de trabalho dessa nova economia, com ênfase na flexibilidade e no curto prazo, inviabiliza a experiência e narrativas coerentes sobre a própria vida por parte dos trabalhadores, o que, por sua vez, impediria a formação do caráter. No novo capitalismo, não haveria lugar para coisas antiquadas como lealdade, confiança, comprometimento e ajuda mútua. De 1998 para 2015, muita coisa aconteceu, mas a julgar pela reflexão que Sennett fez nesta segunda-feira em Porto Alegre sobre a possibilidade das cidades seguirem sendo espaços para se “viver juntos”, o déficit desses valores e princípios só se agravou.

Um indicativo desse agravamento apareceu no segundo motivo apresentado pelo autor para tentar entender a não revolta das pessoas diante da crise provocada pelo sistema financeiro altamente desregulamentado. Sennett pesquisa há algum tempo a vida em comunidades carentes de cidades como Nova York e Paris. Na década de 80, relatou, estudou uma comunidade deste tipo na capital francesa e constatou que havia muito espírito de colaboração e cooperação entre seus moradores. “Hoje”, constatou preocupado, “isso também está desaparecendo”. “As pessoas passaram a viver em compartimentos, sem esse espírito de colaboração. Não sou sociólogo político, meu foco sempre foi a vida social dos indivíduos, mas o que me chama a atenção é que a ideia de interdependência está desaparecendo. A ideia de que preciso do outro para viver, de que é importante fazer parte de um grupo, tudo isso está desaparecendo”, afirmou.

A ausência de destino compartilhado

“Algo está errado com a nossa sociedade”, acrescentou Sennett, “com o modo como estamos tratando a questão da cooperação. O novo capitalismo está dissolvendo esses laços”. Ou, como o autor em seu livro de 1998: “Esse é o problema do caráter no capitalismo moderno. Há história, mas não narrativa partilhada de dificuldades, e portanto tampouco destino compartilhado. Nestas condições, o caráter se corrói e a pergunta “Quem precisa de mim?” não tem mais resposta imediata.

Sennett não apresentou nenhuma receita pronta para lidar com essa situação, mas apontou um caminho que considera necessário para a recuperação da experiência do convívio com o outro: a cooperação dialógica, termo tomado do linguista russo Mikhail Bakhtin, que reivindica um tratamento participativo, diverso e múltiplo na linguagem. Contra a dissolução da interdependência e a corrosão da cooperação, Sennett defendeu a importância de nos tornarmos bons ouvintes, sensíveis à fala, mas também aos silêncios e gestos do outro, de estarmos abertos às ambiguidades e às diferenças. A cooperação envolve a capacidade de negociação entre essas distâncias e diferenças, defendeu. O autor não detalhou como essa postura comunicacional dialógica poderia enfrentar os mecanismos de dissolução da interdependência alimentados diariamente pelo novo capitalismo.

Uma marca da globalização: expulsar pessoas

Richard Sennett dividiu o palco do Salão de Atos da UFRGS com sua esposa, a socióloga holandesa Saskia Sassen, uma estudiosa dos impactos da globalização e das novas tecnologias na vida das cidades e também dos processos de migração urbana que ocorrem neste contexto. Para Saskia Sassen, as nossas cidades vivem uma crise derivada, entre outros fatores, do processo de concentração de renda ocorrido no mundo nas últimas três décadas. Ao longo dos últimos trinta anos, defende, “houve perda de renda de metade da população mundial e tamanha concentração no topo que simplesmente chegamos ao limite. É a explosão disso que estamos vendo agora nas nossas cidades”. Em sua obra, Sassen defende que a globalização permitiu às grandes corporações terem uma geografia global da produção e da exploração, maximizando as possibilidades da velha lógica de obtenção do lucro, com práticas como a da terceirização e da redução dos custos do trabalho.

Uma das marcas características desse modelo, que se reflete na vida das cidades, defende a socióloga holandesa, é expulsar pessoas. Essas práticas de expulsão ocorrem de maneiras variadas: desemprego, expulsão de pequenos agricultores para as periferias cidades, expulsão dentro das cidades por mega-projetos imobiliários. Neste contexto, defende Saskia Sassen, as cidades têm que ser vistas como algo diferente de uma área geográfica preenchida por grandes construções. Fileiras de grandes prédios comerciais, estacionamentos e shoppings centers não fazem de uma região uma cidade. “Isso não é uma cidade, é apenas um terreno densamente construído”. Contra esses aglomerados de densas construções, a socióloga cita o caso de Londres que tem mais de três de dezenas de pequenos centros no seu espaço urbano.

Os megaprojetos que desurbanizam as cidades

Para Sassen, a existência dessas pequenas comunidades civiliza o espaço urbano e a vida nas cidades. O que predomina hoje, porém, na maioria das nossas grandes cidades, é uma relação predatória, dominada por megaprojetos imobiliários que vão dissolvendo o tecido urbano e a vida em comunidade. “Esses megaprojetos, na verdade, provocam desurbanização. São complexos, mas são sistemas incompletos que tornam os espaços urbanos rígidos e repletos de áreas mortas”. Essas forças que reduzem a vitalidade dos espaços urbanos, acrescentou, reduzem a possibilidade de convivermos juntos nas cidades. Contra esse modelo de cidade dominado por corporações e seus megaprojetos, Saskia Sassen defendeu a construção de novas cidades, formadas por pequenos centros urbanos, com vida comunitária própria.

Como no caso dos caminhos indicados por Richard Sennett para a superação do problema da dissolução da cooperação e do espírito de colaboração, as propostas indicadas por Sassen pressupõem mudanças radicais no modo de funcionamento das nossas cidades. Sem pretender oferecer respostas e caminhos definitivos, no final de “A Corrosão do Caráter”, Sennett define assim o que anima essa necessidade de mudança:

“Que programas políticos resultam dessas necessidades interiores, eu simplesmente não sei. Mas sei que um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo”.

Redação

1 Comentário

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  1. Sociologia terapêutica

    Pessoalmente, não sou nem um pouco fã dessa retórica de uma “sociologia terapêutica”, que o Sennett usa.

    É um discurso moral que tem uma larga tradição no publicismo do mundo anglófono e que, ao cruzar o umbral do século XXI, se esforça, impenitentemente, mais uma vez, por mobilizar os fantasmas da distopia para advogar por uma restauração nostálgica da ordem perdida.

    Não sei se é por aí. Não sei se isso não seria mais que um exercício estéril de reconfortar afetivamente velhas certezas. Estéril porque só encontra espaço de legitimação na nostalgia.

    Esse tipo de discurso é o simétrico oposto do deslumbramento com o raiar triunfante das pós-modernidades, da sacralização de algo que se supõe “novo” simplesmente porque foi batizado como tal por alguma autoridade especulativa (e, nesse caso, as “autoridades” pretendem se consagrar exatamente pelo quanto especulam e pelo quanto conseguem “batizar”).

    Ambas as perspectivas, ao que tudo indica, supõem um cegamento do presente, da articulação causal mais fina que o contextualiza, para se refugiarem numa discronia interpretativa.

    Há quem se conforte com um. Há quem se conforte com outro. Mas suspeito que a pungência do esforço pela lucidez esteja em assumir desapaixonadamente o presente.

    E para isso não há conforto algum.

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