A história da centenária Companhia Paulista de Estradas de Ferro

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Vagão Restaurante de trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro

 

EMPRESAS HISTORICAS – COMPANHIA PAULISTA DE ESTRADAS DE FERRO

A melhor e mais eficiente ferrovia brasileira de todos os tempos, companhia privada organizada  em 1868 por fazendeiros e banqueiros paulistas para atender ao escoamento da crescente safra cafeeira do Estado.

A Paulista tinha como objetivo estender as linhas ferroviárias a partir de Jundiaí, que já era ligada ao porto de Santos pela São Paulo Railway, a famosa “”Inglesa”, ferrovia que usava cremalheiras para subir a Serra do Mar. Os ingleses tinham a concessão para chegar a Rio Claro mas abriram mão em favor da Paulista que começou a construir sua malha em direção ao centro e norte do Estado em bitola de 1,60, a “bitola larga”. A Companhia Paulista teve todavia muitos percalços com influencias políticas que pretendiam desvios nos traçados para atender cidades fora das rotas, conseguiu manter seu programa original mas teve que comprar muitas ferrovias menores que lhe eram tributarias, de bitolas menores, de 1 metro e de 0,60. As duas Linhas Tronco 1 e 2, em bitola larga chegaram a  algo em torno de 1.450 km, as métricas a 900 quilômetros, as de bitola estreita pouca coisa menos que 100 quilômetros.

A Paulista foi pioneira em muita coisa, foi a primeira ferrovia brasileira a eletrificar suas linhas , já na década de 20 foi a primeira a usar vagões de aço americanos importados da Pullman. Tinha duas grandes oficinas, a de Jundiaí para locomotivas e a de Rio Claro para vagões, um enorme Horto Florestal em Rio Claro, com 8.000 hectares para obter lenha para dormentes, hoje é uma Reserva do Estado.

Chegou a Rio Claro em 1975, pretendia chegar a Ribeirão Preto mas uma outra concessão, para a Companhia Mogiana, lhe barrou. Chegou todavia ao coração da lavoura cafeeira, ao Jau, Pederneiras, Descalvado, Araraquara e Bauru, cidade a partir da qual saia a Noroeste do Brasil, que atravessava Mato Grosso inteiro até Santa Cruz de la Sierra na Bolivia.

Para estimular a criação de gado no Norte do Estado e criar  mercado alem do café, a Paulista fundou a Companhia Frigorifica e Pastoril em Pitangueiras, depois vendida ao S.A.Frigorifico Anglo, do grupo inglês Vestey, que já monografamos no blog, dessa área saiu o Gado Pitangueiras, hoje raça nacional com registro próprio.

A Paulista era uma sociedade anonima com mais de 10.000 acionistas. Pagava dividendos religiosamente, com coupons recortados de uma folha pendurada nas cautelas, fui muitas vezes com tias velhas ao guichê da Paulista, na Rua Libero Badaró, no centro de São Paulo, prédio Saldanha Marinho, receber os dividendos, era a ação preferida de viúvas e solteironas por causa dos dividendos. Hoje esse lindo predio é a sede da Secretaria da Segurança Publica do Estado, Saldanha Marinho foi o mais famoso Presidente da Paulista e o seu Inspetor Geral, Francisco Paes Leme de Monlevade era igualmente famoso. A Diretoria da Paulista era a nata da elite cafeeira do Estado.

Os carros Pullmann para passageiros eram lindos, tinham tres classes, a Pullman, com poltronas giratórias, os passageiros podiam conversas como numa sala de visitas, a 1ª classe a a 2ª classe.

O carro restaurante era um verdadeiro restaurante com maitre e garçons, serviço fino com boas tolhas e talheres, os cardápios eram caprichados, o Filé à Paulista tornou-se o prato mais famoso, era exigido terno e gravata.

A pontualidade da Paulista era lendária, nunca atrasava.

Essa magnífica empresa que durou 100 anos acabou com uma greve de seis meses, ao fim da qual foi estatizada em 1961 pelo Governador Carvalho Pinto, seu maior erro político, dai para a frente a decadência foi rápida, os bons empregados saíram, entram protegidos de políticos, em dez anos a gloriosa Paulista acabou, incorporada na Fepasa, virou sucata em uma decada. Os acionistas lutaram na Justiça para receber alguma indenização que custou muito a ser paga e quando foi em tempos de alta inflação não valia mais nada.

A Paulista foi a primeira grande sociedade anônima de capital aberto do Estado, suas ações eram liquidas, cotadas diariamente na Bolsa Oficial de Valores, seus acionistas eram os descendentes dos fazendeiros que formaram seu capital inicial.

O fim da Paulista indicou o fim das ferrovias de passageiros, um feito que se increve , entre muitos outros fatores, no passivo do Governo JK, fez muita coisa positiva mas tem essa pesada divida, optou pelo rodoviarismo e hoje pagamos um alto preço porisso. O Brasil que já foi um Pais ferroviario hoje com dificuldades tem algumas ferrovias de carga e apenas duas de passageiros, ambas da VALE, as duas não chegam a 2.000 km, já tivemos 40.000, uma opção absurdamente errada pela qual pagamos alto preço hoje. A reconstituição da malha ferroviária é penosa, já dura mais de duas decadas e avança lentamente e com grandes dificuldades porque extirpamos tudo, trilhos, dormentes, estações, oficinas, tudo foi liquidado com requintes, hoje a RFFSA e a FEPASA são apenas amontoados de dividas trabalhistas. Um dos maiores erros estratégicos do Brasil moderno.

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

9 Comentários

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  1. Mais um post muito interessante

    agora discordo sobre colocar toda a culpa do fim das ferrovias sobre os ombros do JK: Carvalho Pinto era dos esquemas políticos que “criaram” o Jânio Quadros, não tendo nada a ver com o JK pelo contrário. Acho que tem muitos mias culpados nesta história que a gente usualmente acha.

  2. Ah como eu queria trens no Brasil…
    É um crime um país com uma das maiores, se não a maior, reserva de ferro do mundo, com a CSN, a maior das siderúrgicas da América Latina, que não tem UMA empresa de automobilística de capital nacional, um presidente focar em rodovia (além dos próprios governos militares).

    O Brasil paga muito caro por isso hoje, porque uma coisa puxa a outra, se tivéssemos muitas linhas de trem nossos portos teriam muito mais demanda, nossas indústrias competiriam com países de primeiro mundo e seríamos grandes exportadores de gasolina.

    Sem falar que com experiência em trens nossos metrôs seriam mais eficientes e mais baratos.

    E o pior de tudo é que o PT quer fazer trem bala quando não temos nem malha ferroviária básica, nem mesmo para escoar a soja.

    O Brasil não é famoso pelas seus estrategistas, definitivamente…

  3. Quanto a uma montadora brasileira,

    podíamos fazer o seguinte:

    todas as montadoras aqui instaladas deveriam se converter em S.A. (como é obrigatório para bancos) de capital aberto;

    uma vez convertidas, aquelas montadoras que apresentem veículos inteiramente desenvolvidos no Brasil (desde o projeto até as fornecedoras), teriam um desconto no IPI.

    Quem sabe, assim um dia acabaremos por ter uma Vou quis vagem. 

  4. foi um crime..

    foi um crime  aliás, dois crimes:destruirem a malha ferroviária brasileira para abrir estradas rodoviárias e o outro foi o desmonte da Marinha Mercante brasileira , segunda do mundo na época, capitaneada pelo Loydd Brasileiro..hoje im- portamos milhares de toneladas de trilhos da Polônia  e somos detentores das maiores jazida de ferro do Planeta..

  5. Ferrovia – um negócio que foi

    Ferrovia – um negócio que foi feito para não dar certo. Até hoje não entendo como as ferrovias foram desativadas, considerando a topografia do país e o custo do transporte, tanto de passageiros como o de carga.

    Na verdade, entendo sim. Ferrovia nunca foi interessante para montadoras de veículos e empresas petrolíferas. A questão é como que acabaram com ela, sem que ninguém contestasse. Azar do país.

  6. erro de digitação

    Prezado(a) redator(a) desssa matéria,
    Muito bom ler esse conteúdo, pois fui usuário da velha Companhia Paulista, em seus tempos de glória.
    Aproveito para lhe alertar para um erro de data, com toda certeza, de digitação. 
    Ao falar sobre o avanço da Companhia Paulista, em direção ao centro do Estado de São Paulo, registra-se a chegada das linhas de bitola larga a Jaú, em 1975, e não 1875, como certamente foi.
     

  7. Tenho 80 anos e passei minha infância viajando com meus 5 irmãos de trem; SP – S. Carlos; SP – Bauru. Era uma delicia.
    Meu avô era chefe da Estação de S. Carlos e minha avó acertava o relógio pelo apito do trem.
    Os políticos que liquidaram a Companhia Paulista deveriam figurar na mesma lista dos grandes criminosos, como Meneguetti, Sete Dedos, etc.

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