


A gestão Dória aparentemente abandonou essa ideia do CCO. E qual é a alternativa proposta na licitação?
A Prefeitura lista alguns mecanismos, mas não há inovações administrativas que seriam necessárias para realizar essa fiscalização – ou seja, o Centro de Controle Operacional. Mas não o que foi proposto anteriormente pelo Haddad, em que os próprios funcionários das empresas ordenariam partidas e implementariam medidas de emergência. É preciso que o CCO, operado majoritariamente pelo Estado, tenha poder de operar o sistema, porque eu não posso admitir que o funcionário da empresa esteja fazendo uma gestão eficaz. É a raposa cuidando do galinheiro. A SPTrans nunca adotou essa fiscalização por GPS nos dias da semana e, sem as inovações administrativas, não há porque acreditar que a fiscalização será eficiente.
Como você avalia a questão da transparência no sistema nessa licitação?
Com muito pesar, eu tendo a referendar a afirmação de que o sistema de ônibus é de fato uma caixa-preta. A SPTrans se orgulha do fato de que, depois de junho de 2013, colocou as planilhas de custos do sistema na internet. Ocorre que nós analisamos essas planilhas e há divergências de dados, quando deveria haver convergência. Essas planilhas não chegam a ponto de colocar, por exemplo, as notas fiscais dos serviços dentro do site da SPTrans. Muitas coisas não são possíveis nem de acompanhar – como, por exemplo, a questão da divergência na remuneração dos funcionários. Uma auditoria regular, como está previsto, é importante, mas também não é possível dizer que ela seja incorruptível ou infalível. Por isso que retomar antigas propostas do Partido dos Trabalhadores nos anos 80 pode ser mais profícuo do que exigir que uma auditoria verifique o sistema. Nos anos 80, o PT preconizava que a gestão do sistema deveria ser feita nos bairros pelos usuários e trabalhadores. A gestão atual não coloca nenhum mecanismo de gestão popular. O que existe é um complexo ciclo de avaliação do desempenho dos serviços de transporte, que é medido por pesquisas de opinião, pelas reclamações no telefone 156 e pelas anotações dos fiscais da SPTrans. Ocorre que, nesse processo de avaliação, sentam à mesa para fiscalizar o sistema a secretaria municipal de Transportes, as concessionárias e a SPTrans. Não há a participação do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes (CMTT), dos sindicatos de trabalhadores, dos movimentos sociais que lutam pela pauta do transporte público. Com todas as deficiências de fiscalização, não tenho porque acreditar que a Prefeitura e os empresários vão de fato fiscalizar o sistema – ainda que haja essa avaliação dos usuários.
Há também a determinação da renovação da frota no edital, mas em maio de 2017 o TCM encontrou mais de 300 ônibus acima da idade permitida. Há algum mecanismo de controle específico para essa questão?
Essa fiscalização também é muito precária e problemática. A auditoria da Ernst & Young fornece um material riquíssimo para tomarmos conhecimento de como se dava a renovação da frota de ônibus na cidade ao menos desde 2003. Segundo os dados, a licitação feita em 2003 estimulava que o funcionário seria remunerado por passageiro e que a idade da frota não poderia ultrapassar dez anos. Mas, nessa exigência de renovação da frota, a Prefeitura cedeu ao longo dos anos e foi colocando uma série de aditamentos que contornaram isso. A fiscalização do sistema é feita por órgãos internos e pelo TCM, a quem cabe, aliás, elogiar esse papel.
A gestão atual exalta o peso da avaliação do usuário na questão da prestação dos serviços. Como você vê esse discurso?
A avaliação do usuário vai se dar por dois jeitos: reclamações no 156 ou no site da prefeitura e por institutos de pesquisa. Esses institutos não gozam de boa fé. Há escândalos como o da Proconsult, nos anos 1980, ou recentemente um caso relacionado à avaliação de popularidade do presidente Temer – quando foi ocultada uma rejeição enorme ao presidente Temer em uma pesquisa do Datafolha. Uma avaliação dos usuários feita pelos institutos de pesquisa não é incorruptível e pode estar sujeita à pressão dos empresários. A participação do 156 se dá por uma planilha em que a fórmula de cálculo dá um peso muito maior às inspeções da própria Prefeitura do que às avaliações dos usuários. Ainda é difícil saber o peso que essa avaliação dos usuários terá na remuneração aos empresários, mas, por essa planilha, a participação do usuário para melhorar o sistema parece que será bem baixa.
O prefeito vem exaltando o crescimento no número de contratos, o que traria mais concorrência e melhora para o serviço. Ao mesmo tempo, foram extintas as cláusulas de barreira de concentração econômica nas empresas. Não é contraditório?
A licitação da Marta Suplicy colocava um limite para a concentração dos empresários na operação do sistema de transporte. Nós pudemos analisar as documentações entregues pelos empresários à Prefeitura na época e todos os CNPJs que compõem os consórcios não eram dos seus reais proprietários. É possível perceber inclusive um dos proprietários se desfazendo de alguns CNPJs para não cair na questão do monopólio estipulado na licitação da Marta. Esses mecanismos tímidos (como a proibição de um mesmo empresário fornecer serviços em mais de três áreas) não estão presentes na atual licitação. Há uma sinalização da Prefeitura de que não há problemas na concentração econômica na prestação dos serviços. E vale lembrar, por exemplo, que o grupo Ruas é dono da maior frota de ônibus e também da encarroçadora Caio – mais um exemplo de concentração que essa licitação passa longe de ver como um problema. É preciso que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) entre nessa questão e emita um parecer a respeito. Mesmo que tenhamos mais contratos – eles sobem de 22 para 29 no sistema estrutural –, nada sinaliza que a concentração vai diminuir.
Há também uma brecha para o arrendamento dos ônibus?
A Prefeitura diz que é necessário apenas que as empresas comprovem a posse dos veículos. Ora, posse não é o mesmo que propriedade. Se nós pegarmos a própria definição do Banco Central para o leasing, é o mesmo que você arrendar o ônibus por um período e, ao final do contrato, você pode ficar com o ônibus ou não. Isso pode ser uma medida benéfica porque permite que outros empresários entrem, mas ao mesmo tempo, eles têm que ter capacidade de negociação com os bancos que vão fazer esses contratos de arrendamento. Ao mesmo tempo, isso poderia permitir que a própria Prefeitura entrasse no negócio como uma empresa estatal. Um dos grandes argumentos para a Prefeitura não manter uma empresa estatal de transportes – o alto custo da compra dos ônibus – deixa de existir, porque você pode fazer um contrato de arrendamento. Ao meu ver essa entrada seria bem-vinda porque a Prefeitura consegue consultar no mercado o preço do diesel, dos pneus e negociar a preços menores até para saber quais são os preços praticados pelos empresários nesses insumos.
Leia mais:
MPL faz hoje segundo protesto por alta de tarifas
Lotação máxima permitida e falta de fiscalização seguem problemáticas
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.