‘Nós vamos reagir, sim’: como a incitação de Bolsonaro às armas ecoa em sua militância CAC, por Hugo Souza

Depois, quando o caldo entornar, as lideranças CACs não poderão dizer que queriam apenas “valorizar o tiro esportivo”, “defender a propriedade privada”, “controlar a população de javalis”…

Reprodução

do Come Ananás

‘Nós vamos reagir, sim’: como a incitação de Bolsonaro às armas ecoa em sua militância CAC

por Hugo Souza

No último 28 de maio este Come Ananás chamou atenção para uma declaração do deputado federal bolsonarista Coronel Tadeu dada na tribuna da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo durante uma audiência pública sobre a liberação, além da posse, do porte de armas na jurisdição paulista para os colecionadores, atiradores e caçadores – os CACs.

Esta:

“Eu peço encarecidamente a todos vocês: se nós queremos liberdade, vamos lutar por essa liberdade. Antes que a gente passe para uma luta mais violenta, vamos lutar no campo político, que ainda é o nosso terreno, ainda é o campo mais limpo e mais sagrado para que a gente possa fazer valer a nossa vontade”.

Três dias depois, em 31 de maio, após uma enésima “motociata”, Jair Bolsonaro discursou na cidade de Jataí, em Goiás, pela enésima vez em favor de armar o “cidadão de bem”.

“A arma de fogo nas mãos do cidadão de bem mais que defender a sua família, passa a defender a sua pátria”, disse Bolsonaro, emendando, pela milésima ocasião, que “um povo armado jamais será escravizado”.

O discurso do próprio presidente da República relacionando explicitamente o armamento civil à luta política cala entre os colecionadores de armas de fogo, atiradores “esportivos” e caçadores de javali mais profundamente do que parece supor o que resta de atores institucionais responsáveis neste país, tendo em vista a absoluta inação institucional nesta seara. As consequências desta inércia são imprevisíveis.

Neste sábado, no mesmo Goiás, a principal liderança armamentista do Brasil depois do próprio Bolsonaro, o presidente do Movimento Pró-Armas, Marcos Pollon, fez um discurso no 1º Congresso Conservador de Goiás que, lamentavelmente, merece atenção.

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O discurso foi feito num palco decorado com imagens de Bolsonaro, e Pollon, no evento, posou armado para fotos usando um boné de Jair.

O mesmo Pollon que poucos dias antes, naquela mesma audiência pública em São Paulo, na qual o Coronel Tadeu disse o que disse, afirmara que “sem pegar em armas, de forma pacífica e ordeira, levantaremos a nossa voz e vamos trabalhar juntos para construir um país livre”, fez o seguinte discurso no 1º Congresso Conservador de Goiás:

“Que direito à vida nós temos se não podemos defender a vida? Que direito à propriedade nós temos se não podemos defender a propriedade? Que direito nós temos se não podemos defender direito algum? E arrancando este direito natural, arrancando este direito fundamental, faz muito mais do que nos subjugar, faz muito mais do que proteger bandido, faz muito mais do que nos deixar vulneráveis: arranca de nós a capacidade de reação. ‘Não reaja’; ‘faz pombinha com a mão’; ‘vamos abraçar a lagoa Rodrigo de Freitas’; ‘vamos jogar rosas’; ‘vamos distribuir livros’. E aí você cria uma nação que não reage. Mas não é só não reage ao bandido. Não reage ao político corrupto. Não reage ao projeto de ditador que fecha o seu estado. Não reage a mais nada, e é isso que eles querem: pessoas que simplesmente baixam a cabeça e não reagem. O grande temor dessas pessoas não é a arma de fogo. A arma de fogo é um objeto de metal que uma vez jogado num canto, deixado ali, vai apodrecer e desaparecer. O que eles temem é o ímpeto que vem com a arma de fogo. Porque quando você decide comprar uma arma de fogo, antes mesmo de tocar neste objeto, antes mesmo de esperar quase um ano de burocracia que tem no processo para você pegar a sua arma, você faz algo que faz esse povo tremer e urinar nas próprias calças: você decide que a partir daquele dia você não vai mais ser vítima, e você vai reagir contra tudo e contra todos que quiserem destruir aquilo que você ama e acredita. É esse o ponto. É isso que eles não suportam. É isso que eles não toleram. Porque eles sabem, no seu íntimo, que não são super-heróis que mudam a história. São homens e mulheres comuns, e que não vão fazer o extraordinário. São homens e mulheres comuns que vão fazer coisas comuns, mas em prol de um objetivo comum. E isso sim cria o extraordinário, e é disso que eles têm medo. Eles não tem medo de alguém que vai fazer igual a São Francisco, vender tudo e sair nu na rua, pregando novamente o evangelho. Eles têm medo é do pai de família que educa seu filho. Eles têm medo é da mãe que cuida das suas crianças. Eles têm medo dessas pessoas porque sabem que se essas pessoas se levantarem, acabou. Nós vencemos. Acabou. É isso que nós temos que resgatar: a compreensão de que nós somos a maioria silenciosa, e essa maioria silenciosa está de saco cheio. Não toleraremos mais. Nós vamos reagir, sim, e vamos mudar o país. É esse o ponto. O espírito que vem com essa decisão é indomável, e é disso que eles têm medo. O homem e a mulher, quando entendem o valor da liberdade, não aceitam jamais serem subjugados, e aí já não importa mais se você possui arma de fogo ou não, porque você tem uma força de caráter inquebrável, e é disso que eles têm medo”. 

Come Ananás faz questão de reproduzir um longo trecho do discurso em que Pollon diz que “nós vamos reagir, sim”, mas “não é só ao bandido”, porque as lideranças armamentistas costumam protestar que suas falas são pinçadas “fora de contexto”.

Pois aí está.

Depois, o presidente do Movimento Pró-Armas continuou:

“Nós temos muito pouco tempo. Nós passamos décadas dormindo, enquanto eles se ramificavam e dominavam o nosso país. Hoje eles estão nas faculdades, em todos os poderes, nos presídios. Me causa náusea quando alguém fala que nós não devemos nos envolver com política. Eles dominaram e destruíram tudo porque nós nos abstivemos de fazer alguma coisa, quando deveríamos ter feito. Ainda não é tarde, mas talvez neste ano nós tenhamos que dar o nosso último grito de liberdade”.

Segundo os próprios coordenadores do Movimento Pró-Armas, a entidade já é o maior movimento armamentista do mundo fora dos EUA. Dos EUA vem a lição de Peter Parker, o Homem-Aranha, dada ainda na década de 1960 por Stan Lee e Steve Ditko, de que “com grandes poderes vem grandes responsabilidades”. Depois, quando o caldo entornar, as lideranças CACs não poderão dizer que queriam apenas “valorizar o tiro esportivo”, “defender a propriedade privada”, “controlar a população de javalis”…

Hugo Souza é jornalista

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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