As disputas pela terra Suiá Missú, no Mato Grosso

Por Paulo BR.

Há uma situação de crescente tensão numa reintegração de posse no Mato Grosso, e aparentemente o uso da força está se intensificando dos dois lados: centenas de policiais de um lado, centenas de pessoas dispostas ao enfrentamento do outro.

A julgar pelas matérias abaixo, falta muito pouco para um derramamento de sangue. Espero que esse assunto ganhe destaque nacional antes disso.

Prefeito e moradores queimam bandeira do Brasil e deputado diz que Assembleia apoia ato

Olhar Direto, Lucas Bólico e Renê Dióz
– enviados especiais a Estrela do Araguaia (Posto da Mata)

Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Prefeito e moradores queimam bandeira do Brasil e deputado diz que Assembleia apoia ato

Por anos a entrada do distrito de Estrela do Araguaia foi reconhecida por uma pequena estátua de Cristo Redentor e uma bandeira brasileira. A partir desta sexta-feira (14), passa a contar apenas com o Cristo. Cerca de 200 moradores e produtores rurais, acompanhados de líderes sindicais, de associações e políticos incendiaram o símbolo maior da pátria em revolta contra o processo de desintrusão que vem retirando todos os não-índios de Suiá Missú, demarcada como terra xavante em 1998.

O ato, planejado exclusivamente para dar repercussão nacional à situação da gleba, tem apoio da Assembleia Legislativa (AL) de Mato Grosso, segundo anunciou o deputado estadual Baiano Filho (PMDB) logo após o protesto – o qual contou com a presença de sindicalistas rurais e produtores de outros pontos da região, sobretudo da cidade de Querência.

 Foto: José Medeiros / Olhar Direto

O peemedebista defende que a queima do lábaro nacional é um ato democrático do setor produtivo que está insatisfeito com o desfecho da disputa jurídica pelas terras. “[O ato tem] apoio nosso da Assembleia [Legislativa], todo parlamento estadual até porque nós da Assembleia entendemos que o que está acontecendo aqui é uma injustiça muito grande”, argumenta.

Quem, do microfone, chamou a população para o protesto anti-patriótico foi o prefeito de São Félix do Araguaia, Filemon Limoeiro (PSD), que detém área em Suiá Missú e já retirou todo o seu gado devido à desintrusão. “Eu convido a todos que vamos lá, abaixar a bandeira brasileira, que é uma vergonha para todos nós, e fazer o ato. Aqueles que concordam, queiram nos acompanhar”, conclamou o peessedista.

A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) só não tiveram representantes no ato porque foram intimados pelo Ministério Público Federal (MPF), segundo o qual poderiam ser presos por incentivar impedimento a cumprimento de decisão judicial.

Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Lábaro em chamas

Iniciada a manifestação, crianças em fila se dirigiram à base do mastro para puxar a flâmula para baixo, ajudadas por alguns adultos. Após a queda da bandeira, líderes do movimento jogaram álcool e gasolina no tecido e atearam fogo com isqueiros. Enquanto os trapos se desprendiam, a multidão emitia alguns gritos e aplausos.

“Não somos terroristas, somos ruralistas”, gritaram alguns. “Vamos botar uma bandeira dos Estados Unidos no lugar, lá ninguém tá nem aí pra índio não!”, exclamou outro.

Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Observados por aproximadamente trinta caminhoneiros retidos no bloqueio mantido na rodovia BR-158, os manifestantes passaram a rasgar os restos chamuscados da bandeira brasileira enquanto algumas crianças corriam, ávidas para mostrar cartazes de protesto às câmeras da imprensa. O ato só se encerrou com a chegada de um ônibus abastecido com alimentos, em apoio aos moradores de Estrela do Araguaia (Posto da Mata). Algumas crianças levavam pedaços de tecido verde, amarelo e azul para casa de bicicleta.

O ato só não saiu como o planejado, porque os manifestantes exaltados acabaram inutilizando a corda do mastro. No lugar do símbolo nacional, os produtores, moradores e políticos, pretendiam erguer um pedaço preto de lona, em sinal de luto.

Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Moradores interceptam comboio e tentam resgatar bens de fazendeiro

Olhar Direto, Lucas Bólico e Renê Dióz
– enviados especiais a Estrela do Araguaia (Posto da Mata)

Segund encontro entre manifestantes e policiais acontece na BR 080 durante a noite

Segund encontro entre manifestantes e policiais acontece na BR 080 durante a noite

Cerca de 60 homens de Suiá Missú interceptaram um comboio de vinte viaturas da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Força Nacional de Segurança (FNS) na noite desta quinta-feira (13) entre as rodovias BR-080 e BR-158.

Com objetivo de recuperar o caminhão de mudanças de um fazendeiro que tinha sido despejado pelas forças policiais, o grupo de produtores rurais – muitos com pedras na mão e alguns munidos de coquetel molotov escondidos na mata – conseguiu parar o comboio por alguns minutos, encarando dezenas de policiais armados e protegidos por escudos. Os mais exaltados planejavam recuperar o caminhão de mudanças ou incendiá-lo. Os mais contidos buscavam uma negociação.

No entanto, a expectativa por encontrar o veículo acabou frustrada. Após pouco mais de meia hora de espera, só o comboio policial despontou na estrada, com fortes luzes. Vinte veículos – da PRF, da PF e da FNS – foram recepcionados pela população com gritos, não muito altos, de provocação. Os agentes começaram a dar ordens de recuo, pois em caso contrário poderiam atirar, e três representantes dos moradores de Suiá Missú se encaminharam para o meio da estrada de mãos ao alto para negociar o fim do impasse.

José Medeiros/ Olhar Direto

Os moradores explicaram, durante a breve conversa, que queriam resgatar a mobília do fazendeiro. Os policiais responderam que os bens já haviam sido transportados para a base das forças repressoras e que só o proprietário tinha autorização para buscar os móveis.

A conversa ficou um pouco mais tensa quando um dos moradores disse que eles iriam lá buscar o que havia sido retirado da propriedade. Um dos membros da FSN declarou que quem fizesse baderna em órgão do Estado ‘teria problema’. “Estado não, governo federal, porque o governador Silval Barbosa (PMDB) já disse que está do nosso lado”, respondeu um dos manifestantes.

A negociação se encerrou com uma pergunta com resposta inesperada, segundo relata um dos membros da comissão que negociou com os policiais. “Perguntei qual era o nome dele [um dos interlocutores] e ele respondeu ‘Força Nacional’”.

José Medeiros/ Olhar Direto

A caçada continua

Dando sequência à “caçada” às forças policiais iniciada no dia anterior, os produtores rurais toparam com os agentes após terem se concentrado no ponto conhecido como Posto do Arnon, parada de caminhoneiros da região, localizado fora da gleba de Suiá Missú.

Ao lado do posto de combustível, o grupo de moradores organizou por volta das 20h um bloqueio e aguardou a passada do caminhão de mudanças. Alguns improvisaram coletes balísticos sob a roupa com materiais como plástico, telas e couro – precavendo-se contra disparos de bala de borracha, que marcaram o encontro violento entre eles e as forças policiais na tarde de segunda-feira.

José Medeiros/ Olhar Direto

Enquanto esperavam, veículos eram parados e os condutores interrogados a respeito da movimentação na estrada e alguns moradores da gleba iam e voltavam de motocicletas das fazendas nas proximidades para prover informações sobre o deslocamento das forças policiais junto ao caminhão.

A movimentação atraiu menos pessoas que no dia anterior, mas contou com reforços até de fora de Suiá Missú ou das três cidades com áreas abrangidas por ela (Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia). Moisés Júnior Franco de Souza, 23 anos, por exemplo, saiu de Querência para participar das ações em defesa dos moradores da gleba. “Vim dar apoio ao meu tio, que não arreda o pé”, declarou.

Apagão aumenta tensão

Durante o contato entre moradores e policiais, houve um suspeito apagão. A pane comprometeu o funcionamento da luz elétrica nos postes e no posto de combustível do local, que passou a ser iluminado apenas pelas lanternas dos policiais e de suas viaturas. A tensão aumentou.

A conversa entre policiais e moradores em protesto durou cerca de vinte minutos. Na sequência, a luz elétrica voltou ao funcionamento e mais agentes tomaram a estrada, vindos de viaturas da parte de trás do comboio. Escudos em punho, eles protegeram a passagem dos veículos na BR-080.

Com as forças policiais dispersando-se, os produtores passaram a gritar provocações aos policiais que seguiam seu deslocamento: “Cuidado na hora de passar na ponte!”; “Vamos tocar fogo, hein?!”; “Estão com medo é?!”. Os gritos, no entanto, serviam mais para elevar o moral dos mesmos, segundo um deles. “É mais pra ‘botar pilha’ nos caras”, debochou, falando à reportagem.

Houve também incitações contidas, por parte de alguns, de incendiar um caminhão de nitrogênio e oxigênio que havia parado perto da rodovia para esperar o comboio policial passar. Outro alvo seria um carro da Cemat, o qual chegou ao local poucos minutos antes do encontro entre policiais e produtores, mas os poucos que pensaram em “punir” o carro da empresa pelo apagão durante o episódio foram logo demovidos da ideia.

José Medeiros/ Olhar Direto

Briga pela terra

A interceptação é fruto da revolta dos moradores da gleba Suiá Missú, que desde segunda-feira (10) sofre cumprimento de despejo judicial. Os 165 mil hectares foram demarcados como terra xavante em 1998 e, após uma disputa na Justiça Federal, devem ser esvaziados de toda a população não-índia, entre produtores rurais e os moradores da área urbana do distrito de Estrela do Araguaia (Posto da Mata).

A ação dos moradores foi parte da estratégia de contenção à desintrusão. No primeiro dia, eles entraram em duro confronto com as forças policiais em reação ao despejo sendo cumprido na maior fazenda da região. Pelo menos dez pessoas ficaram feridas. Depois disso, iniciou-se a “caçada” às forças policiais.

Ciente disto, a PF chegou a anunciar mudança de estratégia e de deslocamento para cumprir os despejos na área. E, devido à frustração da tentativa de interceptar as forças policiais ao longo de toda a quarta-feira, chegou-se a se falar em mudança de estratégia também por parte dos produtores e moradores. Por enquanto, contudo, nada leva a crer que a caçada deva se encerrar.

José Medeiros/ Olhar Direto

Moradores de Suiá Missú fazem ‘caçada’ a policiais; fazendeiros dizem que foi à revelia

Olhar Direto, Lucas Bólico e Renê Dióz
– enviados especiais a Estrela do Araguaia (Posto da Mata)

Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Moradores de Suiá Missú fazem 'caçada' a policiais; fazendeiros dizem que foi à revelia

Moradores do Posto da Mata, no distrito de Estrala do Araguaia, entre Alto Boa Vista e São Felix do Araguaia fizeram uma verdadeira ‘caçada’ durante a tarde desta quarta-feira (12) aos policiais federais, rodoviários federais e aos agentes da Força Nacional que conduzem a operação de desintrusão de não-índios da área demarcada pela Funai em 1998 como terra Xavante.

Líderes da Associação dos Produtores Rurais de Suiá Missú (Aprosum) alegam que não apoiaram a ação. A ‘caçada’ aos agentes federais mobilizou aproximadamente uma centena de homens, divididos entre carros e caminhonetes. Os moradores, que desde ontem não estão mais conseguindo acesso às ações da operação tampouco à sua linha estratégica, saíram entrando nas fazendas atrás das forças policiais.

“Quero deixar muito claro que eu desaprovo essa ação. Eu sou contra”, asseverou o produtor e membro da Aprosum Naves José Bispo, em entrevista ao Olhar Direto. De acordo com ele, o também membro da associação Sebastião Prado é igualmente contra.

 Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Planejada durante mais uma vigília noturna no dia anterior (quando também foi anunciada para a imprensa), a ação de caçada às forças policiais começou cedo da manhã e só foi se encerrar ao fim da tarde, em meio à chuva. Os homens envolvidos na ação percorreram quatro propriedades rurais ao longo da esburacada rodovia federal BR-080, onde concentram-se fazendas de maior porte – as quais foram agrupadas no “grupo 1”, dentre um total de 4, do cronograma de ação das forças policiais.

Embora a princípio cientes da estratégia de deslocamento das forças policiais, os produtores foram se deslocando com base em informações desencontradas e, a cada instante, um novo paradeiro dos agentes era cogitado. De início, eles se concentraram na propriedade de Naves, a fazenda Mata Azul, onde mataram uma vaca para o almoço. Cerca de uma hora depois, começaram a percorrer a BR-080 em busca dos agentes federais.

Em um ponto no caminho, os moradores a bordo das caçambas das caminhonetes recolheram pedaços de pau na mata e pedras para reagir contra as forças policiais se necessário. Os armamentos improvisados acabaram não sendo usados, pois não houve sequer rastro da presença de policiais nas próximas três fazendas nas quais entraram até cerca de 20 km da BR-080.

 Foto:José Medeiros / Olhar Direto

No retorno, o único ‘rastro’ de agentes federais foram notícias dadas por pessoas ao longo da estrada dando conta de sobrevoos de helicópteros – os quais certamente notaram a presença dos veículos em comboio e descartaram uma possível ação naquela área. No perímetro urbano do distrito de Estrela do Araguaia (Posto da Mata), os helicópteros – geralmente “recepcionados” pela população com disparos de rojão – também foram notados.

Ao fim do dia foi divulgado que a Polícia Federal decidiu não mais seguir o cronograma publicado anteriormente de visitas às áreas em via de desintrusão para não ensejar novos confrontos com os moradores locais, como ocorreu na tarde da última segunda-feira. De qualquer maneira, a primeira fase da operação federal de cumprimento do despejo nos 165 mil hectares de Suiá Missú (abrangendo as maiores propriedades da gleba) se encerra no próximo sábado, também segundo divulgaram fontes oficiais nesta quarta-feira.

Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Apesar da caçada frustrada, os moradores continuam mobilizados para lutar. Medicamentos e alimentos doados por empresários solidários à causa chegaram hoje ao coração da resistência dos moradores do distrito, o posto de gasolina localizado na entrada de Estrela do Araguaia.

Valtenir alerta sobre derramamento de sangue na gleba Suiá Missú

Olhar Direto, De Brasília – Vinícius Tavares

Foto: José Medeiros/Olhar Direto

Valtenir alerta sobre derramamento de sangue na gleba Suiá Missú

O deputado federal Valtenir Pereira (PSB-MT) alertou o presidente da república em exercício, Michel Temer (PMDB), sobre o risco de haver derramamento de sangue entre os ocupantes da gleba Suiá Missú e integrantes da Força Nacional de Segurança que executam ação de despejo na região a ser transformada em reserva indígena Maraiwatsede.

O parlamentar, que integrou a comitiva da bancada federal que reuniu-se com Temer na noite de terça-feira (11.12), em Brasília, disse ao presidente que o Brasil corre o risco de ficar cum a imagem arranhada diante da comunidade internacional devido à decisão do governo federal de promover a desintrusão das famílias.

Temer tem reunião com ministros e pode evitar despejo em Suiá Missú

“Eu disse a ele que a comunidade internacional está atenta ao problema. Estamos correndo o risco de deixar ocorrer derramamento de sangue. O conflito já começou. Já tivemos incidentes entre a polícia e os moradores que não querem deixar a área”, revelou.

Pontes serão fechadas em Barra do Garças às 15 horas desta quarta-feira

Ao presidente interino, Valtenir elogiou a presidente DIlma Rouseff e do próprio Michel Temer pela condução do governo federal, mas pediu atenção e uma solução para evitar derramamento de sangue na região, já que os moradores estão dispostos a resistirem à desocupação da área iniciada no final de semana.

“Disse também que este conflito pode se tornar uma mancha de sangue na presidência da república. Não pode a presidente Dilma e o seu vice-presidente deixarem isso acontecer, sob pena de mancharem a imagem do Brasil no âmbito internacional. A solução só depende da presidência da república”, ressaltou.

Michel Temer tem reunião nesta quarta-feira com os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e com o advogado Geral da União (AGU), Luiz Inácio Adams, para buscar mais informações sobre o caso.

Luis Nassif

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