15 de março de 2015, dia da mentira, por Eduardo Nunomura

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de MCN

do Farofafá

15 de março de 2015, dia da mentira, por Eduardo Nunomura

Com 23 anos de repórter, jamais havia me defrontado com uma situação como essa. Como escrever um texto no qual meus 12 entrevistados mentiram? Poderia expô-los, relatando as mentiras, depois as incoerências e desinformações e, também, as verdades que me disseram. Mas sempre adotei como norma de repórter ignorar o depoimento de um personagem que tentava me enganar.

O 15 de março de 2015 foi histórico, mas forjado na mentira. Ou em meias verdades, se preferir. Histórico porque pela primeira vez desde a redemocratização a elite paulistana saiu em massa para protestar nas ruas. Já o “histórico”, para os manifestantes, tinha outros sentidos: vociferar palavrões contra a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, culpar o PT por todos os problemas do Brasil, inclusive o 11 de setembro (nos Estados Unidos), chamar de “bundão” o prefeito paulistano Fernando Haddad, exigir intervenção militar, entre outros protestos difusos.

Manifestante segura cartaz contra PT e Haddad - Fotos Eduardo Nunomura

Manifestante segura cartaz contra PT e Haddad – Fotos Eduardo Nunomura

A primeira das minhas entrevistadas foi uma muher de 43 anos, comerciante da rua Augusta que vestia uma calça justa amarela e uma camisa azul de seda. Tinha joias que chamavam a atenção, mas podiam ser bijuterias. Dizia que só decidiu ir até a avenida Paulista depois que viu, na GloboNews, que o ato era pacífico. Sentiu-se feliz em ver que lá só havia “pessoas bonitas e honestas, trabalhadoras, e não um monte de vagabundos que podem protestar na sexta-feira”. Vou anotando tudo. Quando pergunto o que gostaria que acontecesse no país após essa manifestação, ela responde: “Que o Brasil fosse um país sem diferenças sociais.”

Talvez não fosse exatamente uma mentira, mas a última frase dessa personagem me soou deslocada. Insisti com uma outra pergunta, mas ela voltou a chamar os apoiadores de Dilma, que na sexta-feira estiveram na mesma avenida Paulista para apoiar a presidenta,  de “vagabundos”. Agradeci e risquei o nome dela – desde meus tempos de Folha de São PauloVeja O Estado de São Paulo costumo fazer isso quando sinto que o personagem não diz a verdade.

Ao contrário do que fiz na sexta-feira, decido não expor os nomes dos meus 12 personagens. De que adiantaria? Isso é o que costumam fazer os jornalistas que se escudam no mantra “liberdade de imprensa” para acabar com reputações alheias. Antes de falar em liberdade deveríamos nós, profissionais da comunicação, pensar no nosso dever de informar a verdade. E o que vi, antes mesmo de sair às ruas, é que a “verdade” já estava sendo fabricada no noticiário televisivo.

A cobertura da TV e do rádio pela manhã é convocatória (leia aqui um relato sobre isso). Na rádio BandNews FM, o próprio locutor se espanta quando atualiza os números de participantes e afirma que saltara de 9 mil para 200 mil pessoas na avenida Paulista. O jornalista apenas reproduzia os dados da Polícia Militar de São Paulo, subordinada ao governador tucano Geraldo Alckmin, que depois de anunciar mais de 1 milhão de pessoas foi desmentida pelos 240 mil manifestantes aferidos pelo instituto Datafolha.

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Foto #JornalistasLivres

O Hino Nacional é tocado mais uma vez na Paulista. Nos primeiros 30 minutos de apuração jornalística, é a quarta vez que eu o ouço – desisto de fazer essa contagem. Encontro uma mulher de 27 anos, que logo se identifica como “médica do SUS”. Ergue cartazes com dizeres como “Fora corruPTos” e “Dilma, vai tomar no cu”. Trabalha no Hospital do Tatuapé. Mas no meio da entrevista afirma que vai fechar a clínica particular, na Vila Nova Conceição, porque a presidente está acabando com a medicina privada. Os convênios estão pagando muito pouco…

Dou mais uma chance à personagem. Ela explica que não adianta pedir o impeachment de Dilma, porque tem de tirar “todos os políticos que o PT colocou no Congresso”. Afirma que o Brasil só irá para frente quando a sociedade investir em valores éticos, assim como tornar prioridades a educação e a saúde. Tem o rosto pintado de verde-e-amarelo. Pergunto se é uma referência à época de Fernando Collor, o presidente deposto em 1992. “Claro, eu estava lá e erguia cartazes pedindo o PT no poder.” Confirmo a idade dela, 27 anos. Ela teria, portanto, apenas 4 anos de idade. Talvez estivesse acompanhando os pais, como tantas milhares de crianças estiveram neste domingo. “Não, eu estava lá, sim. Eu me lembro de tudo. O Collor não foi em 1992.”

Na esquina da Paulista com a alameda Campinas, um caminhão de som anuncia a chegada do jogador de futebol Ronaldo. Um dia antes, ele conclamava os brasileiros a protestarem nas ruas, via Twitter: “Este domingo vamos todos pra rua mudar o Brasil! #movimentobrasillivre.” O locutor avisa que o pentacampeão mundial de futebol joga muito,mas fala pouco. Eis uma verdade:

Estamos cansados. Estamos cansados de tanta corrupção, de tanta impunidade. Nós temos que mudar o Brasil, gente. Muda Brasil!

O locutor socorre o jogador e lembra que Ronaldo é eleitor de Aécio Neves. A multidão vai ao delírio. Um engenheiro usa uma camiseta em que diz “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”, a mesma que o atleta veste. Ele afirma que foi ao protesto por estar cansado de notícias de corrupção, inflação e desemprego. Afirma não defender o impeachment de Dilma, que o problema é a falta de credibilidade das instituições e que só uma reforma política seria a solução. Pergunto se é correta a estratégia do governo de querer caracterizar essa manifestação como sendo uma espécie de terceiro turno, composta em sua maioria de eleitores do senador tucano. “Não, eu nem votei nele.” E a camiseta? “Ganhei de um cara que estava passando.” Verdade?

Poderia prosseguir nessa narrativa, mas as mentiras não merecem mais espaço. Pode ter sido apenas uma gigantesca falta de sorte. Um dia ruim. Uma conspiração contra alguém que, politicamente, não se identifica com o teor dos protestos. Ou outro motivo que não consigo enxergar agora.

Como repórter, vi brasileiros revoltados contra a presidenta Dilma e se sentindo felizes por botar para fora, ao lado de tantas pessoas com pensamentos semelhantes, todos os impropérios possíveis contra ela e contra o ex-presidente Lula. É como se os uniformizados de camisetas da seleção tivessem feito do 15 de março de 2015 uma desforra da derrota de 7 a 1 contra a Alemanha, no dia 8 de julho de 2014 – será que havia alguma placa culpando Dilma pelos 7 a 1?

Há, sim, pessoas de todas as classes sociais, embora seja visível a presença maciça da elite branca. É excepcional que os ricos tenham saído às ruas para participar de um ato público e não tenham criado camarotes VIPs para evitar se misturar com os manifestantes pobres. Ao mesmo tempo, é triste que tenham dado uma aula de mau comportamento a tantas crianças presentes ao protesto, com xingamentos dos mais variados tipos. Mas a cena que não sai da minha cabeça é o selfie de uma família que leva uma babá para o protesto. Eis uma mentira de que o Brasil-Colônia que prega menos corrupção e justiça social jamais se libertará.

Babá chama atenção de criança para que pai possa fazer selfie da família

Babá chama atenção de criança para que pai possa fazer selfie da família

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

33 Comentários

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  1. Melhor reportagem que lii

    Melhor reportagem que li sobre o coxinhaço.

    Um festival de mentiras (as pessoas mentem para si próprias!!) e demonstrações de pouquíssima educação e cultura e sobra de elitismo tosco dos mais variados.

    Podemos dizer que essa gente foi sim criada pela nossa mídia. Repetem bordões e slogans. Nenhuma atividade cerebral presente. 

    Bom manter distãncia de gente assim. 

  2. Muito bom!…

    Parabéns!…

    Infelizmente a Agenda Vitoriosa cedeu, e, o choro e coro dos derrotados continuam  a impregnar o País!….

        1. Considerando que o repórter

          Considerando que o repórter foi cobrir uma manifestação à qual o comentarista não compareceu… sim, com toda a probabilidade ficaria.

    1. Se entrevistasse os 200 mil

      Se entrevistasse os 200 mil ia dar na mesma. Ali eram 200 mil analfabetos políticos reunidos para uma manifestação. Socorro!!!

  3. Concordo com o Marco St.
    A

    Concordo com o Marco St.

    A maioria destas pessoas nem sabe que há uma crise econômica no mundo porque o mídia que os informa(PIG) esconde isto deles.

  4. Gente, perdoái-os, eles nem

    Gente, perdoái-os, eles nem sabemo que estão falando. São os anafuncos – nalfabetos Funcionais de Nível Superior Completo.

    1. triste é perceber que necessitam urgentemente de amigos…

      amigos verdadeiros, reais

      triste é perceber que são levadas a esse tipo de experiência emocinal, mesmo que pela agressividade, por amigos imaginários, tipo Lobão, Aécio e Ronaldo

  5. o povo que foi para o protesto

    está sendo taxado de inculto, de ignorante, de td que é adjetivo negativo; vai ver por não ser um povo que estuda humanas na USP(que faria bem o inútil governador de sp em privatizá-la ou fechar a área de Humanas e aumentar a de Exatas), que não tem condições de protestar meio dia de quarta feira, que não consegue entender pq o partido dos trabalhadores quando precisou economizar atacou logo os trabalhadores, porque o pt insiste em falar que tirou 40 milhões da miséria e os 40 milhões só foram renomeados para classe média ainda comprando tv em 200 prestações com 15% de juros; vai ver pq é um povo de vdd e não o povo artifical da propaganda do pt…

     

     

  6. Só de tirar “selfie” já mostra o nível…

    Vamos combinar… Essa mania de tirar “selfie” é dos modismo mais estúpidos que foram inventados ultimamente. Coisa de gente muito primária mesmo ficar fazendo pose pra si mesmo…( disse primária em respeito aos que se identificarem, com muito mais educação dos que os “protestaram” no dia 15)

  7. Duas coisas chamam a
    Duas coisas chamam a atenção.
    1. As pessoas que foram ao dia 15 precisam mentir para defender suas convicções.
    2. É importante desmontar e desmontar as mentiras dos que trabalham pelo golpe contra a democracia (e que não são esses tontos que foram às ruas).

  8. triste mesmo…

    como constatou uma amiga da Barra……………….

    viver por mais de 10 anos praticamente um ao lado do outro, varanda com varanda, e considerarem-se amigos de verdade só a partir do momento em que um começou a bater panela e xingar a Dilma. Até então só bom dia e boa noite.

    triste mesmo

    daí e das pessoas em Copa, e mais pelo prazer particular nas fotos de si mesmo, foi que deduzir ter um muito de modismo ou falta do que fazer em casa, em termos de entretenimento

    mas não deixem de ver também que a própria televisão serviu de estopim com a sua péssima programação dominical

     

    rs…………………..ficar em casa está voltando a lembrar aquele antigo e torturante bandaid no calcanhar

     

  9. peregrinar pelas comunidades é que bom demais…

    é so chegar que:  e aí, Gegê das Candongas, chega mais, cara! manda lavar o copo ou vai nesse mesmo? claro que é nesse mesmo! uma gelada ou um quente com aniz? depende da morena que chegar junto! é isso aí! bons tempos!!!

  10. Não sei se é inteligente

    Não sei se é inteligente desconsiderar as posições contrárias de modo tão desabrido; A História não prestigia quem desconhece os seus sinais.

    No dia 12/04 haverá outra paseata de “mentirosos”.

    O dia 1º está vago…

  11. Este 15 de março foi o

    Este 15 de março foi o rolezinho da classe dominante. Invadindo o espaço publico e fazendo o maior vandalismo com sua burrice conjenita.

    O maior cabo eleitoral do PT é a direita que não quer que a desigualdade diminua e destila seu preconceito disfarçado de ódio a um partido, mesmo tendo votado ano a pos ano no mais famoso bandido, Maluf.

     

    1. Sobre a burrice

      Normalmente é bocó pegar no pé de comentaristas por causa de erros de português, mas quando o cara critica a “burrice conjenita” dos outros, não dá pra deixar passar em branco.

      E, bem, o Maluf é da base aliada. Não fale mal dele.

  12. Segundo a pesquisa…

    Segundo pesquisa que saiu ontem, mais de 80% dos entrevistados apoiam os protestos. E 60% querem o “impitimameuzovo”.

    Brasil, Pátria Mentirosa!

  13. Democracia de 15 de março

    A idosa que chutou o carrinho com o bebê em Higienópolis para usar com exclusividade o elevador do prédio, na compania de seu cãozinho, com certeza absoluta estava na paulista em 15 de março pois, o espirito é a democracia demonstrada pelo Aécio e seus eleitores, no terceiro turno.

  14. “As pessoas que foram ao dia

    “As pessoas que foram ao dia 15 precisam mentir para defender suas convicções.”

    Não tenho certeza se elas mentem, ou se fabricaram uma realidade paralela, como crianças que acreditam em amigos imaginários.

    Mas sim, as “convicções” delas são absolutamente contraditórias, próprias de gente que quer aumentar o preço da gasolina para que ela fique mais barata, ou trazer de volta o Geraldo Brincadeira para acabar com a corrupção.

    Se o tico e o teco por acaso esbarrarem um no outro, a casa cai.

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