A Europa, o BC independente e a máxima do ‘manda quem tem o dinheiro’

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Mauro Brasil

do blog Ladrões de Bicicletas

Reféns de um Banco Central “independente”

 

No dia 12 de Novembro de 2010, o governador do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, escreveu uma carta ao governo irlandês. A carta era e continua a ser secreta, mas consta que exigia à Irlanda um pedido de resgate imediato sob pena de suspensão do financiamento do Eurosistema à banca irlandesa. No dia 21 de novembro o governo irlandês solicitou o resgate.

No dia 5 de Agosto de 2011, Jean-Claude Trichet escreveu mais duas cartas, uma ao primeiro-ministro de Espanha Zapatero, outra ao primeiro-ministro italiano Berlusconi. Ambas foram mantidas secretas durante muito tempo, mas deixaram de o ser para desgosto do BCE.

Resumo abaixo o conteúdo de ambas as cartas., Mas vale a pena ler os originais. São autênticos programas de governo, escritos num tom impertinente e imperativo do tipo ou cumprem ou… O “ou” está implícito, mas tendo em conta o contexto, é evidente que a ameaça era a suspensão das compras de dívida espanhola e italiana nos mercados secundários por parte do BCE.

As cartas transportavam um veneno letal. Poucos meses depois de as receberem Zapatero e Berlusconi desapareceram do mundo da política ativa. Na realidade Zapatero já havia decidido entregar o poder ao PP, mesmo antes de receber a carta, quando a 29 de Julho de 2011 convocou eleições antecipadas. Mesmo assim Zapatero, não quis desaparecer de cena sem negociar com o PP a alteração constitucional que consagrou a famosa “regra de ouro” do equilíbrio orçamental. Berlusconi tentou sobreviver e conseguiu prolongar a agonia até 12 de novembro de 2011. 
No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, SA, com efeitos a partir de 4 de Agosto de 2014, a par da obrigação de este reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 milmilhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de agosto.” Isto é o que se passou a saber desde que a ata do Conselho de Administração do Banco de Portugal de dia 3 de Agosto de 2014 foi oportunamente divulgada por um advogado português que a ela soube aceder. Como se pode ler nesta mesma ata, estas decisões do BCE tornavam “insustentável a situação de liquidez” do Banco, isto é, ditavam a sua morte.

Estes quatro casos ilustram o extraordinário poder do Banco Central Europeu e a extraordinária debilidade de Estados e governos da zona euro, perante esse poder.

Sabemos que não há soberania sem moeda e capacidade de emissão monetária. Quem manda é quem tem o poder de dizer “não há dinheiro”. Dizem-nos que os países da zona euro “partilham” essa soberania. Mas o que significa “partilha da soberania” monetária? Pelos vistos sujeição a um Banco Central dito “independente” que não responde perante nenhum parlamento e que não hesita em exorbitar do seu mandato para impor programas de governo com um claro viés de direita e, como no caso do BES, decisões políticas que põem em risco milhares de milhões de todos nós.

Isto é um problema, por ventura o nosso maior problema. 

 

Carta a Berlusconi (resumo)

Na conjuntura presente consideramos que as seguintes medidas são essenciais: 

1. a) Liberalização total dos serviços públicos e profissionais, particularmente privatizações em grande escala de serviços municipais; b) Reforma do sistema de contratação coletiva permitindo que os salários e as condições sejam determinados por acordos de empresa; c) Revisão abrangente das regras que regulam a contratação e o despedimento a par do estabelecimento de um sistema de seguro de desemprego e de um conjunto de medidas ativas de emprego capazes de facilitar a realocação de recursos em favor das empresas e setores mais competitivos.

2. a) Reduzir o défice público previsto para 2011, alcançar um défice de 1% em 2012 e conseguir um orçamento equilibrado em 2013, principalmente através de cortes na despesa. Tornar mais exigentes os critérios de elegibilidade das pensões de velhice; alinhar rapidamente a idade de reforma das mulheres do setor privado à do setor público. Reduzir o custo dos funcionários públicos se necessário reduzindo os salários; b) Introduzir uma clausula automática de redução do défice estabelecendo que quais desvios das metas serão automaticamente compensadas por cortes horizontais em despesas discricionárias

c) Controlo firme do endividamento das regiões municípios 

3. Grande reforma da administração pública para melhorar a eficiência tornando-a mais amiga dos negócios: uso sistemático de indicadores de desempenho nos sectores da saúde, educação e justiça; abolição de níveis intermédios da administração pública; aproveitamento de economias de escala nos serviços públicos locais. 

Carta a Zapatero (resumo)

Na conjuntura atual consideramos essencial a execução das seguintes medidas:

1.a) Reforçar o papel dos acordos no âmbito da empresas com vista a garantir uma real descentralização das negociações salariais; b) Suprimir clausulas de indexação dos salários à inflação; c) Moderação salarial no setor privado em consonância com as reduções significativas dos salários públicos; d) Redução das indemnizações por despedimento e das restrições à renovação de contratos a prazo.

2.a) Redução do défice estrutural em 2011 para 0,5 do PIB; controlo dos orçamentos regionais e locais; b) Publicação das contas trimestrais de todos os subsectores; c) Aplicação da regra que indexa o aumento da despesa à taxa de crescimento tendencial do PIB a todos os subsetores da administração.

3. a) Refletir os custos nos preços da energia e reduzir a dependência energética; b) Promover o mercado de arrendamento habitacional; c) Aumentar a competitividade do setor dos serviços abordando especificamente a regulação dos serviços profissionais.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Mais clara…

    Essa é a independência propagada por Marina que deseja implantar no BC do Brasil.

    Sufoco, sufoco e mais sufoco.

    Em nenhum momento é expressada a preocupação com o trabalhador, com o povo.

    Artigo atualíssimo.

  2. Alguém se lembra das “cartas de intenções” do FMI?

    Esse é o mesmo tipo de ingerência que tinha o FMI sobre o Brasil nos gloriosos tempos do Delfim*, que quebrou o país três vezes. O BC independente faria exatamente a mesma coisa, pondo o Brasil de joelhos ante os interesses de meia dúzia de gatos gordos. A ala mais fundamentalista do tucanato migrou para o PBA**, onde conjuminou-se com a banqueira-educadora na defesa da dependência do Estado aos caprichos do mercado – leia-se Febraban -, que, como sabemos, só deve satisfações a seus acionistas, sem ter absolutamente o menor compromisso, interesse ou preocupação com o que acontece com a população e o país. Quem vota em Marina sabendo disso – e das consequências de um BC nas mãos da FEBRABAN – ou é muito burro ou é muito mal-intencionado.

    1. * Não é o economista // ** Partido Barriga de Aluguel

      * É o pretenso Deifim de França.

      ** Também conhecido como PSB ou Partido Kane***

      *** Não é o Cidadão. É aquele sujeito, interpretado pelo John Hurt, que fazia parte da tripulação do Nostromo (Alien, o 8º Passageiro)

    2. Quem empresta dinheiro impõe

      Quem empresta dinheiro impõe condições desde que inventaram a moeda no mundo.

      Porque esse espanto?

      Quando o BNDES faz um financiamento tambem impõe condições ao devedor, as empresas precisam ter indices minimos de solvencia, liquidez, alavancagem.

      Quando a União é credora de Prefeituras, como a de São Paulo, impõe terriveis condições.

      Quando o FMI fez o salvamento da Grecia na ultima crise europeia, o diretor do Brasil no Fundo foi um dos mais rigorosos no estabelecimento de CONDICIONALIDADES porque a Grecia tem má fama de tratar as finanças publicas, os grecos mesmo ricos não gostam de pagar imposto.

      As condicionalidades do FMI não são ingerencia, SÃO CONDIÇÕES, para ter certeza que o Pais faz o uso adequado dos usos do Fundo e possa paga-los quando chegar a hora.

      O que há de estranho nisso?

      E Delfim não quebrou o Pais, naquele mesmo ciclo economico 56 paises recorreram ao Fundo

      por razões internacionais de falta de liquidez,  no periodo do governo Lula, havia liquidez abundante por causa do preço das commodities e os emergentes que quebraram na decada de 90, Mexico, Coreia do Sul, Tailandia, Indonesia, Russia, Polonia, Filipinas estavam nadando em dinheiro, os que quebraram na dacada de 90 estavam com grandes reservas na decada seguinte, não foi SÓ O BRASIL, FORAM TODOS, achar que o Delfim quebrou o Brasil por incompetencia é delirio absoluto.

       

  3. Depois dessa relevação

    Depois dessa relevação ninguem pode mais se fazer de inocente; apresentou-se com nudez explicita e ainda exibiu seus efeitos nos pobres destinatários.

  4. Situações completamente

    Situações completamente diferentes. O Banco Central Europeu é multilateral, é emissor da moeda de um CONJUNTO de paises, a União Europeia, só pode ser independente de cada Pais.

    Pode-se considerar um erro a união monetaria, eu sou dessa opinião que o Euro não foi uma boa idia, mas uma vez ajustada a moeda unica, o Banco Central Europeu SÓ poderia ser independente de cada Pais, não teria sentido o governo espanhol mandar no BCE,

    Não tem nada a ver com o contexto de um banco central de Pais.

    Já quanto ao FMI não se trata de um banco central mas sim de um emprstador de ultima instancia, ninguem é obrigado a ser sócio do Fundo, os que são tem dinheiro lá.

    Para não se submeter as suas regras, que são iguais para todos e são combinadas por todos os paises membros basta NÃO pedir dinheiro emprestado ao Fundo. Ele emprssta sob condições porque o dinheiro é de todos, não é dos técnicos do Fundo, é um acordo entre paises. Quando o Fundo de Pensões do Banco do Brasil empresta ou investe dinheiro dos funcionarios tambem existem condições, só não entende isso quem não entende de nada.

  5. Titutlo completamente idiota

    Titutlo completamente idiota como é o texto. Quando um fundo ou um banco empresta dinheiro de TODOS há condições. Quando o FMI emprestou dinheiro para a Grecia o representante do Brasil EXIGIU rigor nas condições do emprestimo, porque parte do dinheiro É do Brasil.

    A grécia fez uma esbornia com dinheiro dos outros, torrou em desperdicios, roubalheiras e má administração, NINGUEM PAGAVA IMPOSTO, depois pediu dinheiro ao Fundo.

    A Grecia tem a maior frota de marinha mercante do planeta, não só em petroleiros, tambem em grabeleiros e carga geral, OS ARMADORES GREGOS NÃO PAGAM UM CENTAVO DE IMPOSTO.

    O FMI impos condições duras para emprestar dinheiro à Grécia, pais “malandro” conhecido.

    As condições do Fundo são fundamentais para justificar o emprestimo, o BNDES tambem empresta com condições, qual é o problema na visão desses sábios que acham que o dinheiro deve ser dado a paises deliquentes de “”presente””, de “”brinde””?

  6. Independência…

    A autonomia dos países da zona do euro, em matéria de  economia e financas, perdeu-se. E, é complicado entender um Estado permanecer  com suas escolhas políticas-partidárias e não ter gerência sobre a sua moeda. Sabiam disso, não foram enganados.  Consequentemente, a ingerência  financeira  acaba por atropelar a independência  política nos países membros.  Também entendo que a prepotência pode arruinar o sentido de unificação.

  7. em suma, o bce se apropria

    em suma, o bce se apropria dos governos,

    do estado,que deveria ser dirigdo por políticos

    e passa a ser dirigido pelo

    poder financeiro.

    os estados ficam submissos à  financeirização da economia,

    criando desemprego e o caos

    como ocorre atualmente

    em vários países europeus.

    é esse projeto caótico

    que aécio e marina propõem para o  brasil

    t`esconjuro!

    1. Quando a União Europeia, com

      Quando a União Europeia, com dinheiro basicamente alemão, despejous BILHÕES DE EUROS na infra estrutura PESSIMA da Espanha e Portugal, todo mundo achou otimo. Para ir de Madrid a

      Marbella de carro nos anos 80 era horrivel, péssimas estradas de uma pista só, perigosas, mal pavimentadas. Do Algarve a Lisboa parecia rodovia do interior do Maranhã, pista unica, acostamento de terra, um atraso completo.

      Após a entrada desses dois paises na UE tudo mudou compleamente, ai ninguem reclamou.

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