Eduardo Campos fez leão sem norte voltar a rugir, por Urariano Mota

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Enviado por Urariano Mota

Para o ex-governador de Pernambuco, o recifense Eduardo Henrique Accioly Campos, em primeiro lugar nos choca o inesperado da sua morte. Diria mesmo, atento aos limites do gênero do palco, como uma lembrança do que da vida se reflete no teatro, nele nos comove primeiro a tragédia. É a partir desse ponto que esperamos alcançar uma iluminação para estas linhas.
 
Neto de Miguel Arraes, presidente do PSB, ele era um predestinado – se assim entendemos a tendência dos laços da história e familiares da sua vida. E para esse futuro ele seguia, se tudo fosse apenas fruto da predestinação. Mas os próprios laços anteriores traziam em si uma ordem, como o socialismo do avô, que Eduardo Campos traduzia para feições mais modernas, atualizadas, como pensava. Mais, entre o objetivo e o passado havia um presente, que também é histórico, que Eduardo almejava contornar com uma habilidade rara.
 
Na tragédia, o herói se move contra o destino, que o personagem não aceita, e daí vem a sua grandeza. Isso, que alcança o sublime no teatro grego, também possui uma versão na história. Mais de uma pessoa já observou que Eduardo Campos morre no mesmo dia 13 de agosto do avô, Miguel Arraes. Mas as semelhanças talvez terminem aí. A começar do próprio momento da sua morte. Com ele não acontecem os obituários prévios, como houve na morte do avô Arraes, depois de uma longa agonia. Em 13 de agosto de 2005, foi aberrante o descompasso na imprensa brasileira entre a grandeza do homem que partia e os necrológios publicados.

 
Em 2005, Miguel Arraes de Alencar encerrava sua vida depois de quase dois meses internado em um hospital. Na altura de lúcidos e incansáveis 88 anos de idade, tempo, importância, fatos e história não haviam sido pequenos. Os obituários que passavam diante dos olhos, porém, eram todos redigidos e arquivados como se ele passasse por nós como uma sombra do golpe de 1964, como um sobrevivente que resistisse a nos lembrar aquela infâmia, com uma insistência cujo desagrado era inevitável. E nem precisariam compor uma hagiografia, um perfil de santo, o mais convencional e falso perfil que se faz de alguém que morre.
 
Com Eduardo Campos, que não teve tempo de tornar pleno o ser da sua vida, os artigos hoje se fazem à quente, e com o sangue da hora. E poderemos ser mais justos, creio. A morte sempre absorve o exagero do instante final contra o que de fato houve no transcorrer de uma vida, por um lado. Por outro, ela nos dá uma dimensão, pela cadeira vazia, do que antes não sabíamos, ainda que houvesse a pessoa diante dos olhos. E neste caso, avulta o político jovem, democrata, inteligente, que se vai na explosão de uma aeronave.
 
Nele havia uma capacidade de fazer amigos, de fazer críticas políticas que não atingiam o nível pessoal, ou o desrespeito ao adversário. Nisso, ele era um seguro herdeiro do avô Miguel Arraes. Mas era um equilíbrio difícil, já se vê, na medida em que abraçava contrários, ex-adversários, como Jarbas Vasconcelos, e se voltava para um canto distante de quem antes havia abraçado. E devemos pular até a próxima frase. Já se vê também que difícil é o equilíbrio de quem escreve: revelar o verdadeiro que percebemos, ao mesmo tempo que relevamos pontos nevrálgicos, neste momento preciso do desaparecimento trágico, em mais de um sentido, de um grande brasileiro. Então lembremos um governador que marcou época em Pernambuco.
 
Do seu perfil eleitoral anotamos que, entre 2007 e 2011, Pernambuco registrou um crescimento de 14,8% no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb. O número é mais de duas vezes superior à média nacional de 6,2%. Pernambuco tem hoje a maior rede de Escolas de Referência do Brasil, com, 260 unidades. De acordo com pesquisa do Inep, somente em 2012 mais de 85 mil alunos foram matriculados – o que corresponde a 10 vezes mais que a média nacional de 8.509. Em 2013, foram 163 mil alunos matriculados. A Educação Profissional foi ampliada e atualmente 26 Escolas Técnicas estão em funcionamento no estado. O Programa Ganhe o Mundo levou 2.270 alunos para intercâmbios em países como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Chile, Argentina e Espanha.
 
De prêmios recebidos, deveríamos lembrar… não, basta. Nada disso é relevante nesta hora. Dele poderia ser dito o mesmo que em relação a Miguel Arraes, por exemplo. Assim como o avô, ao lado de quem será enterrado, ele gerou também desgostos, inimizades e queixas no interior da própria esquerda brasileira. Mas não é justo lembrar isso agora.
 
Fiquemos então com o Eduardo Campos antes da tragédia. Fiquemos com o governador de Pernambuco que deu um tempo novo a um Estado que atravessava uma decadência sem fim, a rugir como um leão desdentado. Que em vez de Leão do Norte vinha sendo um leão sem norte. Fiquemos com o Eduardo Campos que poderia ter sido o que Miguel Arraes não foi: o presidente da República em um país mais justo e fraterno. Estamos todos com essa dimensão final. Adeus, Eduardo Campos. Foi bom ser pernambucano no seu tempo de governador. Ali, bem perto do Teatro de Santa Isabel, que não esperava encenar a tragédia desse último 13 de agosto.
 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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  1. A direita mostra os dentes

    Mas por incrível que pareça terminou ajudando esse leão sem norte chamado conservadorismo a mostrar os dentes através de Marina

  2. Sobre a administração de Eduardo Campos

    O autor a quem admiro muito, escreveu bem sobre o morto e sobre seus (bem)feitos enquanto Governador de Pernambuco!!  Entretanto me surprendeu pela inxistência de qualquer mensão ao Governo Federal e ao mar de recursos que com toda a justiça, foram transferidos aquele estado em muito boa hora. Ficou a impressão que o crescimento notável daquele estado nos últimos anos, deveu-se exclusivamente a ação de Eduardo Campos a frente do Executivo Pernambucano o que a toda evidência, não seria justo com os Presidentes Dilma e Lula respectivamente.

     

  3. Eufemismos

    “Leão sem Norte” soa como eufemismo para Oportunista. Daqui a pouco, passada a comoção, estarão dando nome aos bois. Traíra! Cala-te boca maldita! Se nem os traídos passaram recibo… Traíra! Cala-te boca sem peias. Respeita os mortos… Traíra! Cala-te boca frouxa. Os mortos são inofensivos, viram santos…

  4. A tragédia da tragédia

    “Fiquemos com o Eduardo Campos que poderia ter sido o que Miguel Arraes não foi: o presidente da República em um país mais justo e fraterno.”

    Ana Arraes jamais perdoou Lula por ter preterido o herdeiro do avô em favor de um poste.

    Os Arraes são assim: quem não está com eles, está contra eles.

    O que ninguém quer dizer é que a tragédia acaba no caminho do abraço em Alckmin.

  5. Abutres degustam o corpo de Eduardo Campos

    A ofensiva dos abutres e das hienas e o “mundo-cão” da Cantanhede

     Autor: Fernando Brito

    carniceiros

    Que Marina Silva tem o direito de pretender ser a candidata do grupo que apoiava Eduardo Campos, não há nada a discutir.

    Quanto ao direito do PSB de avaliar se alguém que entrou no partido como “carona” possa representá-lo, também não há questionamento moral possível.

    A democracia se exerce, aliás, através dos partidos.

    Mas a mídia brasileira, com seu já agora ostensivo apetite político, tomou a frente do processo e, como um bando de urubus, se arroga dona do corpo morto de Eduardo Campos e chama Marina Silva para ser não uma candidata a Presidente, mas a amazona dos despojos do ex-governador de Pernambuco.

    O Globo “acusa” Lula e Dilma de terem telefonado ao presidente em exercício do PSB, Roberto Amaral.

    Meu Deus, quem é o dirigente maior dos socialistas, na ausência de Eduardo Campos, a quem, senão a ele, deveriam dirigir, além do pesar à família Campos, as condolências e o diálogo político?

    Como uma matilha de lobos, o time de colunistas políticos do jornal é mobilizado para “exigir” Marina, como se fosse papel dos jornais deliberar pelos partidos políticos que, repito, tem o direito e o poder legal de escolherem ou não a ex-senadora como seus representantes eleitorais.

    Mas pior, muito pior, é o que faz, de forma indecente e mórbida, a colunista da Folha, Eliane Cantanhêde.

    Dá a impressão de que saliva de prazer ao imaginar a mais mórbida exploração eleitoral do cadáver de Eduardo Campos.

    “Dilma Rousseff e Aécio Neves, tremei. No rastro da comoção nacional pela morte estúpida de Eduardo Campos, apoios da família dele à sua vice serão avassaladores. O irmão, Antônio, já se manifestou publicamente. E quando a mulher, Renata, ladeada pelos cinco filhos, inclusive o bebê Miguel, lançar Marina? E quando a mãe, Ana Arraes, apadrinhar a candidatura aos prantos?”

    Não é um campanha eleitoral o que quer nossa refinada e cheirosa elite.

    É um programa destes de “mundo cão” da pior espécie.

    Falam tanto em programa, projetos, eficiência, capacidade.

    Mas, se lhes servem politicamente, às favas os escrúpulos e viva a manipulação do sentimentalismo, da dor, dos mortos.

    Não se disputa a herança política de Eduardo Campos, mas o direito de poder explorar o seu fim trágico, o seu cadáver, numa campanha.

    Está em jogo o destino de um país, a escolha de quem irá dirigi-lo nos próximos quatro anos.

    Isso, para os cidadãos de bem.

    Para outros, não é isso.

    Não lhes importa quem vá para lá e que métodos se disponha a usar para isso.

    Tudo o que querem é que se derrube um projeto progressista e popular, ainda que à custa de colocar qualquer um lá, com o qual, depois, se verá o que fazer.

    E não vacilam, para isso, sequer, em propor a mais vil exploração da dor de uma família, inclusive de suas crianças.

    A direita brasileira já teve o seu Corvo, Carlos Lacerda. Conseguiu baixar mais e agora tem abutres e hienas.

    É nojento, o que mais dizer disso?

     

     

  6. Oraculo

    Muito justo, Urariano. Eh obvio que a tragédia do jovem promissor vende/atira mais que a morte de um ancião. Criamos herois e podemos assim, pretender mudar a historia. 

    Me chamou atenção a nota do presidente Lula sobre o falecimento de Campos. Foi digna, respeitosa, porém… deu para perceber o estrago que causou na relação deles, a candidatura de EC para essas eleições. Se tivéssemos na vida um oraculo…

  7. A boa ave a casa torna …Não

    A boa ave a casa torna …Não sou inocente a ponto de não achar que um acidente deste porte,trágico e doloroso, não se torne um ativo político para aqueles que neste momento devem estar como abutres na “herança política” de Eduardo Campos.   Estamos assistindo (ou ninguém percebeu o enfoque na tal “bolo de fogo” sugerindo algo?) e assistiremos nos próximos dias cenas midiáticas dantescas. Aguardem.

    E a Castanhede,hein? Continua mais louca do que nunca!

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