Estou pedindo para sair, por Afrânio Silva Jardim

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Estou pedindo para sair

por Afrânio Silva Jardim

O MOTIVO PELO QUAL ME AFASTEI DE ALGUNS EX-COLEGAS E NÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE SERÁ, ALGUM DIA, VERDADEIRAMENTE DEMOCRÁTICO.

“ESTOU PEDINDO PARA SAIR

Solicito ao colega Paredes que proceda ao meu desligamento deste grupo de contato entre Procuradores de Justiça via internet.

Esta decisão decorre da avaliação pessoal em relação às minhas poucas intervenções nesta “lista”. Posso estar errado, mas estou seguro de que o meu pensamento sobre diversas questões jurídicas, sociais e políticas é absolutamente minoritário entre ex-colegas do Ministério Público do nosso Estado.

Sinto certo desconforto em saber que não sou desejado aqui, muito em decorrência de minha visão crítica sobre o corporativismo que contagia as nossas relevantes instituições que atuam no chamado “sistema penal de justiça”.

Quero dizer que minhas concepções acima referidas me acompanharam em todos os meus 31 anos de Promotor e Procurador de Justiça. Ao me aposentar, com 60 anos, tinha dedicado mais da metade de minha vida ao Ministério Público, vivenciando-o intensamente e dele não me afastando em momento algum, sequer para tratamento de saúde. Se critiquei e critico esta “nossa” instituição é porque gosto dela e acredito que muito pode contribuir para a nossa sociedade.

Sempre achei que o Direito e as suas instituições não são um fim em si mesmos, mas meios engendrados pela sociedade democrática para viabilizar o “bem comum”, para atender aos interesses de nossa população.

Não foi por outro motivo que, há décadas passadas, perdi a eleição para a nossa Amperj por ter “denunciado”, publicamente e em congresso jurídico, que juízes, membros do Ministério Público e parlamentares só recolhiam imposto de renda sobre metade de seus vencimentos, pois parte deles era “disfarçada” como “verba de representação”. Fui honesto e ético e, por isso, não fui bem aceito pelos colegas. Esta foi a primeira das poucas decepções que tive na minha vida funcional.

Por outro lado, sempre foi pública a minha preferência pelo chamado “pensamento de esquerda”, preocupado que sempre fui pela justiça social. Neste particular, assim como a nossa sociedade, a maioria dos membros do Ministério Público se distancia, cada vez mais, de uma visão e concepção crítica dos problemas políticos e sociais de atualidade.

No plano jurídico, como professor de Direito Processual Penal por mais de 36 anos e como membro do Ministério Público, jamais tive uma postura liberal e sempre sustentei que o processo devesse ter efetividade e fosse um método democrático de aplicação do Direito Material ao caso concreto. Entretanto, o processo deve pressupor não apenas regras jurídicas, mas também os valores éticos cunhados pelo nosso longo processo civilizatório. Como costumo dizer, não é valioso punir a qualquer preço.

Julgo ser de bom alvitre que o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Polícia e as Forças Armadas não tomem partido na reconhecida divisão que, infelizmente, está tomando conta de nossa sociedade, muito em razão da massiva “parcial propaganda” da grande mídia. Evidentemente, individualmente, é até desejável que todos tenham posições claras sobre as suas opções ideológicas, mas não devem “contaminar” as suas instituições de Estado.

Enfim, acho que este já não é mais o “meu” Ministério Público, daí por que o meu “desconforto” de aqui debater com os atuais ex-colegas. Continuarei a minha luta por um Ministério Público mais democrático em outras trincheiras…

Destarte, da lista me despeço, desejando felicidade pessoal a todos os membros deste grupo qualificado.

Rio de Janeiro, 07 de dezembro de 2016

Afranio Silva Jardim (Procurador de Justiça, aposentado)”

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Parabéns Afrânio Silva Jardim pela postura

    Em algum momento, entre os anos 70 e hoje, demos uma guinada em direção ao conservadorismo muito importante no Brasil. Hoje, dificilmente fora dos estratos ditos cultural e intelectual, encontra-se pessoas de viés progressista. A maioria esta tão conservadora, quando não reacionarias e fascistas, que fica até dificil estabelecer uma dialogo minimo sobre direitos humanos, esquerda, direita, estado de direito etc.

  2. Disse tudo

    Boa parte dos servidores públicos que exercem funções essenciais ao Estado parece que nunca leram Maquiavel ou Tocqueville. Se leram não entenderam. Infelizmente, em prejuízo da sociedade, perderam-se e confundem opções ideológicas legítimas com o exercício sem controles e limites do cargo que exercem. 

  3. Justificar

    É um balaio de gatos.

    Se alguém precisa justificar que sempre defendeu a justiça social, e assim classifica como “pensamento de esquerda”, realmente a coisa está mais feia do que poderia se imaginar.

    E esse bobocas concurseiros novatos do MPF, PF, Juízes, nababos do funcionalismo público, jogando contra o próprio patrimônio, acham que estarão sempre impunes.

    Quando começar a ser formado o paredon, quero ver a valentia deles.

  4. O que dá para aprender com

    O que dá para aprender com essa missiva de despedida?

    Que a direita está muito bem fechadinha, organizada em vários tipos de grupos e organizações, não fazendo questão de que neles permaneçam quem não fecha ideologicamente com eles, aliás, fazem questão que aqueles sintam-se um estranho no ninho e escafeda-se. Muito em breve eles mesmo tomarão a iniciativa de expulsar quem não toca no mesmo compasso que eles, nem precisam se declarar de esquerda.

    Logo pessoas como o missivista devem procurar o Eugenio Aragão, a Eugenia Gonzaga a Ella Wiecko e outras pessoas do mesmo naipe para tambem criarem seus grupos e agirem de forma oganizada, se quizerem logra exito na luta pela democracia.    

  5. Entendo os motivos do

    Entendo os motivos do procurador aposentado. Como ele, devem existir centenas, massacrad@s pela horda “artistas” atualmente em evidência. Cada saída de uma pessoa íntegra abre espaço pra mais um/a arrivista. 

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