O aprendizado político nas campanhas, por Saturnino Braga

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A prática democrática, a repetição de eleições, é o melhor instrumento de aperfeiçoamento da Democracia. O aprendizado desenvolvido durante as campanhas enriquece a cultura política das populações muito mais do que qualquer ensinamento ministrado organizadamente nas escolas sobre “Organização Social e Política”, como tivemos no Brasil nos anos de ditadura.

Durante as campanhas, a atenção do povo se volta naturalmente para a Política, cada vez mais intensamente à medida em que se aproxima o dia eleitoral. Nas conversas do dia a dia o tema das eleições e das candidaturas passa a ser dominante, e durante um mês a cada dois anos, a Política é objeto de ponderações e comentários objetivamente orientados para a escolha dos candidatos, em termos bem diferentes das objurgações generalizadas, comuns no cotidiano sem eleições. Este fato, por si, justifica o voto obrigatório, além, obviamente, do princípio segundo o qual o interesse pela Política (e o voto) é, mais que um direito, uma obrigação ética de todos.

Das conversas e dos debates políticos deste dia-a-dia eleitoral emerge a consciência mais clara dos significados de todo um vocabulário próprio da Política que normalmente é escutado com desatenção ou desapreço: estado, mercado, democracia, ética, sociedade, alianças, parlamento, nacionalismo, entreguismo, justiça social, distribuição de renda, um conjunto grande de conceitos, que vai muito além daquele cantochão da corrupção, passa a ser melhor compreendido pela massa popular, e associado a posições políticas dos candidatos e dos partidos. Alarga-se substancialmente a cultura política do povo. Daí a insistência do nosso decano da ciência política, o admirado Wanderley Guilherme, na afirmação que fazia sobre a importância de termos eleições, mesmo muito limitadas, mas de qualquer maneira eleições, durante a ditadura militar.

O aprendizado é grande e generalizado, é abrangente sobre tudo o que diz respeito à vida política do país, e até do mundo, na medida em que as formas de relacionamento do Brasil com os outros é também um tema de importância eleitoral. Acresce, ainda, a densidade pedagógica de alguns episódios pontuais da campanha que contribuem para iluminações de grande nitidez fotográfica que ficam impressas na memória dos que os presenciaram. Cito como exemplos desta campanha atual: a gozação antológica de Garotinho sobre a Rede Globo numa entrevista ao vivo; a carraspana de Luciana Genro sobre Aécio Neves, que desmontou e emudeceu o candidato das elites; o ódio ao PT que vicejou momentânea e incontrolavelmente numa fala de Aécio, sempre tão educadinho e simpático. São momentos que aprofundam instantaneamente a compreensão sobre muitos aspectos cuja explicação demandaria mito tempo.

Há contudo um outro tipo de aprendizado que pode ser o mais relevante. Trata-se da capacidade de filtrar a mentira necessária dos candidatos e extrair o que há de verdadeiro nas suas palavras e nas suas posições. Na disputa honesta dos votos, é mais que natural, é necessário mesmo que os candidatos se apresentem com a sua face positiva e escondam os compromissos e os aspectos capazes de afastar contingentes importantes de eleitores. Vale lembrar a famosa entrevista de Rubens Ricúpero. É natural que apresentem programas pasteurizados, confeccionados para satisfazer a maioria, quase iguais, todos. Faz parte do jogo democrático onde quer que ele se processe; é uma das imperfeições intrínsecas do sistema democrático com a qual se tem de conviver: quem fala só a pura verdade, a sua própria verdade, está certamente condenado à derrota.

Pois um dos aprendizados mais importantes da prática democrática é precisamente o de filtrar a mentira e captar a verdade de cada candidato e de cada partido dentro do discurso pasteurizado. É uma sensibilidade popular que se apura ao longo da sucessão de campanhas e eleições, que torna um povo mais sagaz na sua escolha, sagaz e compreensivo, sem se deixar afogar no mar de lamúrias contra as mentiras dos políticos. Há dois mil e quinhentos anos, a sabedoria de um dos maiores pensadores da Humanidade (Platão) reconhecia “um certo” direito à mentira para duas categorias: para os médicos animarem seus doentes e para os políticos animarem suas comunidades. Há que aceitar esta realidade e aprender a conviver sabiamente com ela.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. O avesso do termo democracia

    Nassif,

    Parei de ler no início,

    “Este fato, por si, justifica o voto obrigatório, além, obviamente, do princípio segundo o qual o interesse pela Política (e o voto) é, mais que um direito, uma obrigação ética de todos.”

    Sempre terá gente prá gostar desta excrescência, totalmente incompatível com o espírito democrático.

    Quanto à mentira, compreendo como “um certo” direito para os casos de animar doentes e de perigo realmente extremo.

  2. já que é quase impossível

    já que é quase impossível explicá-la em função da

    hegemoneização da grande mídia consorciada com interesses do mercado,

    só resta dar  um viva à sagacidade do povo brasileiro nestes últimos anos.

  3. Assim caminha a humanidade.

    Lucidez ao falar de política num ambiente de seres humanos, com todas as suas virtudes e defeitos, uns com mais virtudes do que defeitos e vice-versa.

    O resto é conversa de falsos moralistas.

     

    Atire a primeira pedra…

  4. Saturnino  Braga  merece

    Saturnino  Braga  merece  todo o nosso respeito pelo seu exemplo de homem público  honrado e ético.  Comungo da sua visão sobre o voto obrigatório : o voto facultativo só viria a favorecer os votos de cabresto,  de subalternos aos barões do agronegócio, dos fundamentalistas religiosos , dos fanáticos extremistas e dos comandantes das corporações nacionais e internacionais.

  5. Aprendizado pelo voto

    Enquanto a população ainda engatinhar no exercício de seus direitos e no debate político, o voto a cada dois anos é uma chamamento para participação, mesmo que muitos depreciem esta “obrigação” por ser compulsória. Belo texto do Saturnino.

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