O que se espera de Levy é menos ideologia e mais prudência, por J. Carlos de Assis

Creio que pouca gente que acompanha economia no Brasil tem uma perspectiva muito otimista para este ano. Por um lado, teremos um ajuste macroeconômico que provavelmente custará uma retração de 2 ou mais pontos no PIB. Por outro lado, nada indica que um custo social dessa magnitude representará uma efetiva alavancagem para uma real melhoria da economia em 2016. Em suma, podemos estar entrando num ciclo longo de estagnação e contração como ocorre em vários países europeus submetidos a ajustes do tipo que se vai impor aqui.

Deixo claro que isso não se deve exclusivamente às escolhas ministeriais. Com a situação que temos na balança em conta corrente (US$ 86 bilhões de déficit) não temos graus de liberdade para adotar uma política keynesiana de estímulo à demanda agregada através de políticas monetária, fiscal e cambial. Se tentarmos baixar muito os juros, o que seria desejável para retomar o crescimento, correríamos o risco de uma crise no balanço de pagamentos com a brusca redução de entrada e, ainda pior, com um grande fluxo de saída de capitais.

Se tentássemos jogar para os ares o superávit primário e ampliar o gasto público de forma a sustentar um rápido crescimento da demanda agregada e do investimento, correríamos dois riscos, um objetivo, outro de fundo ideológico. Objetivamente, na vigência de taxas de juros básicas muito altas, como é o nosso caso, os estímulos fiscais não funcionam, ou funcionam ao contrário: o gasto público adicional ou é esterilizado pela taxa de juros ou se converte em demanda externa, agravando a crise na balança em conta corrente.

O segundo risco é de natureza ideológica, mas sendo capaz de converter-se rapidamente em um problema objetivo, ou seja, a desclassificação pelas agências de risco. Sabemos muito bem que, em recessão, o aumento do déficit público não gera inflação necessariamente. Entretanto, usando o pretexto da inflação, as agências de risco agem como vigilantes da confiabilidade do déficit e da dívida pública. Enquanto isso fosse apenas um problema ideológico, poderíamos simplesmente levar as mãos e ir adiante. Mas não é o caso.

Uma desclassificação implica o aumento do custo da tomada de novos empréstimos externos e de renovação das dívidas antigas para governo, empresas e instituições financeiras. Seria traumático para o setor privado e tremendamente desconfortável para o setor público. Podemos não gostar disso, mas isso é da natureza de uma ordem global denominada “arquitetura financeira internacional”, da qual nós só escaparemos – e aqui estou adiantando tema para outro artigo, este mais otimista – no contexto de um aprofundamento das relações com os BRICS.

Temos uma estreita margem de manobra no câmbio. Se desvalorizarmos mais, abriremos um pouco o espaço para as exportações de manufaturados: isso seria fácil, pois bastaria que o Banco Central manobrasse o pião na compra e venda de dólares. Entretanto, não é uma receita fácil porque, se usada para além de um nível que acomode mudanças de preços relativos, pode gerar inflação: os preços externos se tornarão mais caros internamente, e grande parte dos preços internos se alinharão aos internacionais que seriam mais elevados.

Tudo isso é para dizer que, no campo macroeconômico, não temos mesmo muita margem de manobra para superar a crise de estagnação em que estamos. Contudo, o fato de respeitarmos as margens não significa que automaticamente vamos fazer as coisas certas. Concordo com muita coisa que o ministro Joaquim Levy disse em duas grandes entrevistas, uma em Valor e outra no Estadão. Refletem o mesmo realismo exposto acima. Entretanto, algumas declarações parecem sair do obituário revigorado do Consenso de Washington.

Vou me ater apenas a um ponto: o que ele chama de “dualidade” do mercado de crédito. Ele propõe acabar com essa “dualidade” a partir de uma analogia: teríamos acabado com a dualidade no mercado de trabalho e a dualidade no mercado de câmbio, o que resultara bom para todo mundo. Ora, é falso que tenhamos acabado com a dualidade no mercado de trabalho. O mercado de trabalho informal reduziu-se, mas não acabou. E reduziu-se não em função de qualquer mudança institucional relevante – exceto da Lei das Domésticas -, mas por força do aumento do emprego e da renda média que turbinaram os serviços, por onde se ampliou a formalização. Mesmo a dualidade no câmbio não acabou; temos câmbio para turismo e câmbio para comércio. E isso não dói em ninguém.

O que significa exatamente acabar com a “dualidade” no mercado de crédito? Acaso significa eliminar o crédito público como instrumento de política, inclusive de política anticíclica, como aconteceu notoriamente com imensas vantagens para o Brasil em 2009 e 2010? E o que faríamos, eliminando a “dualidade”, com os fundos públicos de longo prazo administrados pelo BNDES e Caixa? Suponho que serão repartidos com os bancos privados para que eles apliquem à taxa que quiserem, a exemplo das pornográficas taxas atuais, apropriando-se de uma margem razoável. Isso democratizaria o crédito? Acho que democratizaria o alto custo do crédito!

O fato de essa ser uma posição essencialmente ideológica – não quero levantar suspeitas de favorecimento aos bancos privados – me deixa um pouco tranquilizado, pois acredito que as forças reais presentes na sociedade brasileira, a despeito dos banqueiros que a inspiram, não a deixarão acontecer por razões de sobrevivência. O outro ponto ideológico da entrevista de Levy é a clara defesa de acordos de livre comércio com os Estados Unidos e a União Europeia. Tudo isso se originou no falido Consenso de Washington, e tudo isso está sendo revivido tendo em vista a profundidade da crise em que estamos e certo desespero diante dela por parte de pessoas com a responsabilidade de enfrentá-la. A tendência, nesse caso, é se encostar em alguma autoridade externa para se legitimar num ambiente indefinido. Da mesma forma que a “dualidade” do crédito, os tratados de livre comércio provavelmente não acontecerão, não porque sejam “tecnicamente” equivodados, mas por razão de sobrevivência da indústria brasileira.

Em qualquer hipótese, o melhor caminho que o Ministro deve tomar é o da prudência. Lembro a ele um incidente que me foi relatado por Luís Pinguelli Rosa, então presidente da Eletrobrás nos idos de 2003 e 2004. Pinguelli estava determinado, por razões essencialmente técnicas, a construir a segunda etapa de Tucuruí. Tinha os estudos e todo o dinheiro necessário. Joaquim Levy, então secretário do Tesouro, o procurou e tentou convencê-lo muito cortesmente, por todos os meios, a abandonar o projeto. Certamente queria o dinheiro para fazer superávit primário dentro da política de Palocci. Pinguelli resistiu, a obra começou e afinal o potencial de Tucuruí foi duplicado. Se isso não tivesse acontecido, estaríamos hoje em risco de racionamento. E a situação fiscal não seria diferente de hoje. Portanto, ministro Levy, aja com prudência, veja o que vai cortar!

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

Redação

8 Comentários

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  1. Veja o que vai cortar!

    Poderia cortar o subsídio aos bancos, disfarçado em remuneração do depósito compulsório.É só acabar com esse depósito, que é pura matéria de ficção.

     

     

  2. A Presidenta assumiu compromissos importantes ontem.

    A escolha deste sujeito para gerir a economia causa apreensão. 

    Será um mero pau-mandado da banca? Um idiota neoliberal destes que abundam tagarelando no PiG? Um ladrão que vai roubar do povo trabalhador para dar aos especuladores?

    Sabemos onde os vigaristas neoliberais atiraram o Brasil durante o desgoverno fhc: Ajoelhados e quebrados diante do FMI !

    Ontem Dilma firmou compromisso claro de que não vamos retroceder. Merece a confiança. Em uns 6 meses vamos saber.

    O erro enorme de Dilma1 foi o real hipervalorizado. Com 1usd=3R$ voltaremos a ter perspectiva para a indústria que produz no Brasil. 

  3. Um “contador” ditando a estratégia econômica

    Prezados.

    Interessante o artigo do professor JC Assis, mas entendo humildemente que está vendo uma foto e não a dinâmica.

    O déficit da balança comercial é provocado por quais contas? Qual a interferência do sonho de consumo da classe média “medíocre”  nos passeios “culturais” à Disney e a Maiami? E os gastos com compra do petróleo e derivados, seguirão iguáis se o ajuste “Macro Econômico” for aplicado?

    O risco do “contador” ser o elaborador da estratégia é muito grande, pois falaremos de planilhas e pena de quem lembrar de Keynes e a relativisação do Defict de Conta Corrente.

    A grande contribuição do professor JC Assis e o caminho para o enfrentamento dessa macro crise do capitalismo mundial, me parece que veio no parágrafo final quando o professor lembra do incrível doutor Luiz Pinguelli no embate de coragem contra o “contador”, mas onde estão hoje esses corajosos? Onde essa turma, incluindo a professora Conceição Tavares, foram jogados e desarticulados? E aí entra a própria ideologia, essa opção covarde e  conservadora fica flagrante quando homens e mulheres desse calibre, arrojados e corajosos, foram parar no ostracismo, para liberarem e não incomodarem os novos “estrategistas”.

    Atenciosamente.

    CGBrambilla02012015sbc

  4. Parece piada, o nobre

    Parece piada, o nobre articulista sentenciar motivos ideológicos nas ações do ministro quando quem escreve artigos economicos recheados de ideologia é o próprio. Em sua limitada visão, as incontáveis variaveis economicas são obrigada a funcionar exatamente segundo seus postulados. Já chegou a postar um manual de governança para o banco mundial.  Aparenta não possuir senso de ridículo.

  5. Em 3 palavras: Blá, blá blá

    Em 3 palavras: Blá, blá blá !!!

    ATé LULA também se defendia que tínhamos de fazer o bolo crescer primeiro, que não poderíamos ter aumento sdo salário Mínimo, que a criação de um mercado interno acabaria com as exportações… PAPO FURADO !!!

    O atuor me parece apenas mais pau-mandado dos bancos com o seu tro-ló-lo atucanado e pseudo-técnico.

    O BRASIL não pode mais pagar os juros que paga aos bancos em detrimento dos investimentos que precisa. E qual é o sentido de se fazer supoerábvit primário com reservas de 400 BI !?!?

     “O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO de SONEGAÇÃO & GOLPES – O que passa na REDE GLOBO de SONEGAÇÃO & GOLPES é um  braZil-Zil-Zil para TOLOS”

     

     

     

  6. no popular

    O governo tem que demonstrar DIREÇÃO. política. Não pode ficar à mercê das modas conjunturais editadas pelo pig/mercado.

    Só se estabelece a confiança quanto ao rumo tomado quando não oscila o timão. Confiança atrai investimento.

    Quando o governo resolver irrigar a economia, melhor fazê-lo pela base. É preferível aumentar o salário dos aposentados do que dar dinheiro para banco, visto que a carga tributária é de quase 40% e pobre quando recebe corre a gastar.

    Vejo com preocupação o verdadeiro avanço do tipo “se colar, colou” nos preços do comércio, notadamente nos supermercados após a fatídica “black friday”. Empiricamente percebo um aumento generalizado que deve beirar 40%. Com isso o aumento do salário mínimo já foi neutralizado.

  7. Viva Zapata

    Assim voltamos a ser geradores de valores financeiros sem nos tornarmos geradores de valores econômicos.

    Mas os problemas de Dilma acabam se. Seu governo estará garantido pelas forças do mercado.

    O rentismo estará remunerado com taxas altas de juros e superávit primário para garantir o pagamento.

    Cortes na área social e rebaixamento de salários garantirão o equilíbrio das contas e a economia se ajustará através do desemprego.

    Tudo isso baseado no pressuposto teórico, pedra angular do texto do professor Assis, de que se baixarmos as taxas de juros, o capital fugiria do país ao invés de ser aplicado na economia real. Isso apesar de termos enormes potencialidades de investimento e lucro em infraestrutura.

    Adotaremos o tripé de Marina através das medidas impopulares de Aécio.

    Não corremos mais o risco de nós tornarmos um imensa Venezuela, estamos nos condenando a sermos um grande México.

    http://noblat.oglobo.globo.com/editoriais/noticia/2015/01/ajuste-traz-dilma-de-volta-vida-real.html

     

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